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Um país de volta
O mercado não quer que o pobre jante
Edição: 431
Data da Publicação: 06/01/2023
"Vocês
existem e são valiosos para nós", disse Silvio Almeida ao tomar
posse como ministro dos Direitos Humanos. Ele se referia às mulheres, às
pessoas negras, às empregadas domésticas e a todos os grupos de pessoas "vítimas
de opressões e injustiças", citando cada um deles em uma fala forte e
emocionante.
"Serão
revogadas as portarias e as notas técnicas que ofendem a ciência, os direitos
humanos, os direitos sexuais e reprodutivos e que transformaram várias posições
do Ministério da Saúde em uma agenda conservadora e negacionista da ciência", disse
Nísia Trindade ao tomar posse como ministra da pasta, a primeira mulher a
ocupar o cargo.
"É
uma questão de honra do Estado brasileiro empreender todos os esforços
possíveis, e a Polícia Federal assim atuará para que saibamos quem mandou matar
Marielle Franco", disse Flávio Dino ao tomar posse como ministro
da Justiça.
"Não
nos esqueceremos de Mariana e de Brumadinho. Vamos investir recursos e esforços
na fiscalização ferrenha de segurança de barragens", disse
Alexandre Silveira ao tomar posse como ministro de Minas e Energia.
Reconhecer
que minorias sociais existem, defender a ciência, combater a impunidade e a
violência política e garantir que a segurança seja prioridade para salvar vidas
deveriam ser coisas óbvias quando a gente fala de um governo de um país. Mas,
depois de quatro anos de escuridão, elas se tornam uma esperança de luz para
quem vê e ouve o que dizem ministros do governo a tomar posse no Brasil.
Nenhuma
dessas falas é revolucionária, assim como não foram as dos outros ministros e ministras,
mas são fundamentais, porque indicam que temos um país, que vivemos em uma
democracia, que voltamos a ter normalidade e que temos um governo que olha para
a sua população e para as coisas que importam.
Neste
domingo, começou o governo da recuperação democrática e da retomada. O
objetivo, conforme pontuou o presidente Lula, é retomar a dignidade, garantindo
o acesso a direitos desde os mais básicos, como o de comer. Mas, antes de
retomar a dignidade, começamos a retomar a cidadania, o conjunto de direitos e
deveres que nos cabe em um país que existe.
A
sensação é de que ficamos quatro anos (ou seis) em um não-país, um não-lugar.
Não pertencíamos, não fazíamos parte. No país dominado pela milícia e pela
mentira, o povo não tem espaço.
Insisto,
nada disso é revolucionário, mas é. Diante das trevas, garantir o respeito à
Constituição é uma revolução.
O mercado não quer
que o pobre jante
Os
quatro anos que se iniciam agora não serão um mar de rosas. A disputa política
entre as forças que compõem a frente amplíssima que se juntou para garantir a
retomada da democracia vai trazer muitos embates internos. A força do capital
vai tentar se impor, como sempre, ao trabalho, como já vem fazendo desde a
vitória de Lula. Não é à toa que a fala do presidente é uma crítica a uma das
legislações mais restritivas do mundo com os gastos públicos tenha derrubado a
bolsa de valores no dia seguinte. O mercado não quer que o pobre jante e ele
vai tensionar ao máximo durante os próximos anos para garantir que seu projeto
de uma sociedade desigual perdure.
O
governo Lula assume, em 2023, em um contexto bem diferente daquele de 2003. A
esperança está de novo no rosto de quem acompanhou as duas posses com esse
intervalo de 20 anos, mas o Estado agora está arrasado, dados estão perdidos,
estruturas foram desfeitas e a economia está em frangalhos. Recuperar um país
destruído e tendo que lidar com um Congresso ainda mais conservador não é
fácil, e virão revezes por aí.
O fato é que vamos poder falar dos
revezes e das disputas políticas dentro da normalidade. Vamos poder noticiar as
conquistas e as derrotas do governo em um contexto de democracia. Vamos poder
contar o que o presidente decidiu sobre alguma política pública sem sermos
interrompidos por ofensas ou polêmicas criadas para desviar do debate. Vamos
poder falar sobre política, sobre economia, sobre direitos, sobre o que importa
de verdade, e sem passar vergonha. Se a expectativa, porém, era de um governo
necessitando ceder muito para conseguir aprovar projetos e caindo mais para o
centro em nome da governabilidade, os primeiros dias foram de um simbolismo
muito forte de que esse governo tem lado, e este lado é o da vida, da ciência,
da liberdade e dos direitos. A tarefa pode não estar fácil para Lula, mas para
os conservadores está muito pior.
Fonte
BDF