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O homem mediano assume o poder
É necessário aceitar o desafio de entender o que ele faz ali
Edição: 223
Data da Publicação: 04/01/2019
Desde 1 de janeiro de 2019, o Brasil tem como presidente um
personagem que jamais havia ocupado o poder pelo voto. Jair Bolsonaro é o homem que nem pertence às elites nem fez nada de
excepcional. Esse homem mediano representa uma ampla camada de brasileiros. É
necessário aceitar o desafio de entender o que ele faz ali. E com que segmentos
da sociedade brasileira se aliou para desenhar um Governo que une forças
distintas que vão disputar a hegemonia. Embora existam várias propostas e
símbolos do passado na eleição do novo presidente, a configuração encarnada por
Bolsonaro é inédita. Neste sentido, ele é uma novidade. Mesmo que seja difícil
de engolir para a maioria dos brasileiros que não votou nele, escolhendo o candidato
oposto ou votando branco, nulo ou simplesmente não comparecendo às urnas.
Bolsonaro encarna também o primeiro presidente de extrema direita da democracia
brasileira. O "coiso" está no poder. O que significa?
Quando Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao Palácio do Planalto pela primeira vez, em 2002, depois
de três derrotas consecutivas, foi um marco histórico. Quem testemunhou o
comício da vitória na Avenida Paulista, tendo votado ou não em Lula,
compreendeu que naquele momento se riscava o chão do Brasil. Não haveria volta.
Pela primeira vez um operário, um líder sindical, um homem que fez com a
família a peregrinação clássica do sertão seco do Nordeste para a
industrializada São Paulo de concreto, alcançava o poder. Alguém com o "DNA do
Brasil", como diria sua biógrafa, a historiadora Denise Paraná.
O Lula que conquistou o poder
pelo voto era excepcional. "Homem do povo", sem dúvida, mas excepcional. Um
líder brilhante, que comandou as greves do ABC Paulista no final da ditadura militar (1964-1985) e se tornou a figura
central do novo Partido dos Trabalhadores criado
para disputar a democracia que retornava depois de 21 anos de ditadura.
Independentemente da opinião que cada um possa ter dele hoje, é preciso aceitar
os fatos: quantos homens com a trajetória de Lula se tornaram Lula?
Lula era o melhor entre os seus,
o melhor entre aqueles que os brancos do Sul discriminavam com a pecha de
"cabeça chata". Se sua origem e percurso levavam uma enorme novidade ao poder
central de um dos países mais desiguais do mundo, a ideia de que aquele que é
considerado o melhor deve ser o escolhido para governar atravessa a política e
o conceito de democracia. Não se escolhe um qualquer para comandar o país, mas
aquele ou aquela em que se enxergam qualidades que o tornam capaz de realizar a
esperança da maioria. Neste sentido, não havia novidade. Quando parte das
elites se sentiu pressionada a dividir o poder (para manter o poder), e depois
da Carta ao Povo Brasileiro assinada por Lula garantindo a continuidade da
política econômica, era o excepcional que chegava ao Planalto pelo voto.
O que a chegada de Lula ao poder
fez pelo Brasil e como influenciou o imaginário e a mentalidade dos brasileiros
é algo que merece todos os esforços de pesquisa e análise para que se alcance a
justa dimensão. Mas grande parte já foi assimilada por quem viveu esses tempos.
Os efeitos do que Lula representou apenas por chegar lá sequer são percebidos
por muitos porque já foram incorporados. Já estão. Como disse uma vez o
historiador Nicolau Sevcenko (1952-2014), em outro contexto: "Há coisas que não
devemos perguntar o que farão por nós. Elas já fizeram".
Lula foi exceção. E Bolsonaro é exceção. Mas representam
opostos. Não apenas por um ser de centro esquerda e outro de extrema direita. Mas porque Bolsonaro rompe com a ideia da excepcionalidade.
Em vez de votar naquele que reconhecem como detentor de qualidades superiores,
que o tornariam apto a governar, quase 58 milhões de brasileiros escolheram um
homem parecido com seu tio ou primo. Ou consigo mesmo.