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13 de maio - uma data de luta, suor e sangue

"À noite, desceram com enormes tochas de fogo, o machado dilacerou a porta de jacarandá da sede da Fazenda Maravilha, depois foram as janelas, vidros. Os pratos e roupas são jogados pelas janelas. O fogo foi colocado primeiro no sofá da sala de visitas"..

Edição: 449
Data da Publicação: 12/05/2023

Durante séculos, 75% do café consumido no mundo era produzido onde é hoje Paty do Alferes, Miguel Pereira e Vassouras (a sede do município). Era o único produto exportado pelo Brasil. Os negros abasteciam o mundo com o café produzido com sua força de trabalho gratuita, seu suor, muito sangue e muita dor. Os negros enriqueceram aqueles que os mantinham sob ferros, chicotes e desterrados de seu continente, sua terra, seus costumes, suas famílias. Os homens negros escravizados durante três séculos e meio (350 anos) no Brasil construíram fazendas, estradas, cafezais, engenhos com moendas, tulhas, armazéns, ranchos, casas, varandas, capelas e igrejas, e iam dormir em senzalas; construíram tudo e tudo que está aí 135 anos depois.

A abolição não foi fruto de um processo de conscientização e muito menos aconteceu de uma hora para outra. Foi um caminho longo e conquistado com muita luta daqueles que se importavam com o próximo, daqueles que queriam um país moderno e uma classe consumidora robusta, e, claro, contra aqueles que defendiam o atraso para enriquecer a partir do sofrimento da tortura do semelhante.

A abolição se deu quando grande parte da população negra já não se mantinha mais nos cativeiros, por força da luta e resistência dos movimentos negros nos quilombos, nas irmandades e nas rebeliões, como a Revolta dos Malês em Pernambuco, bem como em razão das pressões internacionais, que levaram o país a ter sido o último país da América a fazê-lo.

Durante esse processo, dois heróis têm especial espaço na história: Zumbi dos Palmares e Manuel Congo. Manuel Congo é nosso; ele liderou uma revolta de mais de 400 homens e mulheres escravizados. Manuel Congo vem das fazendas Maravilha e Freguesia que, mais tarde, na década de 1980, se transformaria na Aldeia de Arcozelo do embaixador e teatrólogo Pascoal Carlos Magno, as maiores, mais poderosas e ricas das fazendas do Vale do Café.

Ali, há 200 anos, nascia Paty do Alferes, que pertencia a Vassouras, mas era maior e mais poderosa que a sede do município. Nessa época, essa região (Paty, Miguel Pereira e Vassouras) tinha quatro vezes mais homens escravizados do que homens livres.

A tensão era constante; o tronco nunca foi tão utilizado, pés e mãos metidos em dois buracos num toco de pau. Dedos cortados, cicatrizes pelos corpos, dentes arrancados, unhas arrancadas, sinais de correntes pelos punhos e coisas piores.

Aqui, numericamente, os homens escravizados eram infinitamente superiores. Nessa realidade, Manuel liderou centenas de negros, irmãos escravizados, para o quilombo. À noite, desceram com enormes tochas de fogo, o machado dilacerou a porta de jacarandá da sede da Fazenda Maravilha, depois foram as janelas, vidros. Os pratos e roupas foram jogados pelas janelas. O fogo foi colocado primeiro no sofá da sala de visitas, onde havia almofadas bordadas a ouro, depois foi subindo, subindo até virar uma labareda só. Do lado de fora, os negros livres (pelo menos naquele momento) dançavam, cantavam e bebiam no terreiro em volta da fogueira; trouxeram atabaques para dançar, cantar e fazer amor. O engenho foi destruído a base de machado, pau e unha, tamanha era o sentimento de revolta.

Em seguida, seguiram mata adentro até o quilombo onde estava a Gruta de Manuel Congo na divisa de Palmares (Paty do Alferes) e Vera Cruz (Miguel Pereira). Na verdade, a Gruta fica na vertente de Miguel Pereira, mas naquela época era tudo Vassouras.

Os fazendeiros, liderados por Manuel Francisco Xavier, exigiram do Imperador Dom Pedro II que enviasse a Guarda Nacional. Dom Pedro II hesitou muito em mandar, mas acabou enviando a GN comandada por quem mais tarde se tornaria Duque de Caxias. Ele nunca se envergonhou de ser assassino de escravos, chefiar a tropa e dar combate aos negros. Caxias matou escravos como só ele; mas essa é uma outra história.

Manuel Congo e mais 12 escravos e escravas, entre elas Mariana Crioula, foram condenados, uns a 650 açoites e gargalheira de ferro por 3 anos imprensando o pescoço. Manuel Congo foi o único condenado à forca, sentença que foi executada em Vassouras em 06.09.1839 na frente de sua esposa, e o corpo dele foi proibido de ser enterrado. Vale a pena conhecer o local em Vassouras onde há um pequeno memorial à memória do líder africano.

A abolição não foi uma concessão da família real. A pressão pela liberdade era de todos os lados, não só internamente, mas do exterior também. O mundo já estava se industrializando, precisava de consumidores e trabalhadores assalariados, e a Guarda Nacional já se recusava a "caçar" os escravizados fugitivos.

Pela liberdade dos escravos sem indenização, os escravocratas se juntaram aos abolicionistas e derrubaram o Império. Assim, nascia a República a partir de um golpe, o 1º da República.

Com a abolição, nos anos seguintes, a região rica e poderosa passou a sentir o esvaziamento econômico, diferentemente de outras regiões do país.

Luta, resistência e sobrevivência até hoje. "Não vamos aceitar voltar para o tronco nem para a senzala", disse a deputada federal e ex-governadora do estado, Benedita da Silva, no Congresso Nacional, se referindo à perda dos direitos trabalhistas que estão sendo revogados.