Voltar

Como a China se tornou um parceiro confiável...

... em um território tradicionalmente de influência dos americanos e europeus?

Edição: 445
Data da Publicação: 14/04/2023

A influência da China na América Latina cresce sem parar, fruto de uma estratégia pensada e implementada ao longo dos últimos 20 anos e sem alarde, um processo que não só enfrentou crises graves como a de 2008 e a pandemia, como se aproveitou delas para se consolidar.

Há 20 anos, Pequim colocou a América Latina no mesmo estágio de desenvolvimento que a China, e, por isso, ambas as regiões estavam em condições de cooperar em todos os campos, da segurança e comércio até saúde e proteção climática. Segundo o relatório chines, os dois lados só têm a ganhar. É o famoso negócio "lua-de-mel" quando as duas partes ganham...

Essa aproximação funcionou. Hoje a China é o maior parceiro comercial, não só do Brasil, mas como de toda a América do Sul. No ano 2000, todos os países da região eram mais alinhados economicamente aos EUA. Em 2020, apenas a Colômbia, Equador, Guiana e Suriname vinham mantendo esse padrão, todos os demais tinham se alinhado a economia chinesa. Quando levamos a América Latina como um todo, a China só fica em segundo lugar por causa da relação EUA e México.

De 12 bilhões de dólares para 450 bilhões

Em 2002, o fluxo comercial entre China e América Latina era de 12,2 bilhões de dólares. Em 2010, subiu para 180 bilhões de dólares. Hoje já chega a 450 bilhões de dólares, ou seja, é mais do que 30 vezes maior do que no ano 2000. Economistas preveem que até 2035 esse comércio bilateral pode chegar a 700 bilhões de dólares.

Mas como isso foi possível?

Com a chegada de Barack Obama ao poder, os EUA priorizaram a Ásia e deixaram a América Latina em segundo plano. A China aproveitou bem essa brecha. Outro fator importante foi o espaço deixado pela Europa. A União Europeia, muitas vezes em crise, negligenciou a América Latina e priorizou países mais próximos, como no Oriente Médio e nações na órbita da Rússia. O próprio bloco reconheceu isso em seus documentos internos, conseguido pelo jornal espanhol "El país" em agosto. No texto, enquanto o bloco minava acordos com o Mercosul, a China foi se tornando o maior parceiro comercial de vários países e com influência política crescente. O documento diz ainda que, com o retorno, em massa, da esquerda ao poder na região, isso marcou uma transição notável que foi coroada com a vitória de Lula no Brasil, e segundo a União Europeia, isso deve jogar ainda mais a região nos brações da China.

Hoje mais de 20 países da América Latina e do Caribe integram a chamada "Nova Rota da Seda", que é um megaprojeto chinês de infraestrutura que prevê a construção de estradas, portos, aeroportos e outras obras em países estrangeiros.

A China se tornou ainda uma grande financiadora da região. Entre 2005 e 2020, a China emprestou quase 140 bilhões de dólares a governos latino-americanos. Os empréstimos eram voltados principalmente a projetos de infraestrutura e energia.

No início da pandemia, quando a primeira vacina chegou ao Brasil e a outros países? Pois é, ela já fazia parte da diplomacia da Covid. Pequim ajudou países com doação de máscaras, luvas, aparelhos de proteção e vacinas. Tornou-se uma protagonista no meio do caos gerado pela crise sanitária. Economistas dizem que ainda tem muito espaço para o avanço. A China tem, hoje, acordos de livre comércio com apenas três países da região: Chile, Peru e Costa Rica, e vem flertando com outros como o Uruguai, algo que poderia rachar o Mercosul e abrir ainda mais espaço para os chineses. O desafio é o protecionismo de alguns países como Argentina que temem a queda das indústrias locais com a enxurrada de produtos chineses mais baratos.

É isso, enquanto EUA e Europa ignoraram a região, Pequim conseguiu se apresentar como um parceiro alternativo, viável e promissor, com o crescimento do comércio bilateral aumentando a dependência dos países latino-americanos e, por tabela, sua influência política sobre eles. Nos últimos 4 anos, países com República Dominicana, El Salvador, Panamá e Nicarágua mudaram de postura em relação a Taiwan e cortaram relações diplomáticas com a ilha. Os novos parceiros também podem trazer votos de apoio à posição chinesa na ONU e isso tem consequências geopolíticas importantes.

O próprio documento conseguido pelo jornal "El país" revela que a União Europeia vem enfrentando crescentes dificuldades de conseguir apoio latino-americano em fóruns internacionais. O alerta é bem sério e afirma: "a credibilidade, o poder e a influência da Europa no cenário internacional estão em jogo". Não foi por outra razão que o presidente francês, Emmanuel Macron, foi fazer uma visita ao presidente chinês Xi Jinpin, esse mês. Mesmo porque a França não esqueceu a traição dos EUA e Austrália no caso da construção dos submarinos franceses com a Austrália.

E a visita do presidente Lula à China, colocará fogo nas pretensões chinesas não só na América Latina, mas no Brasil também. Lula é um excelente negociador, sabe vender os produtos brasileiros. Não foi por outra razão que deixou em caixa mais de 370 bilhões de dólares em reservas internacionais.

Enquanto isso, os EUA continuam gastando os dólares dos americanos em suas 900 bases militares ao redor do mundo, derrubando governos e invadindo países.