Voltar
Império exibe golpismo sem pudor
Por paulo Moreira Leite
Edição: 306
Data da Publicação: 21/08/2020
"Ao assumir seu papel
na queda de Evo Morales, executivo da Tesla confirma a responsabilidade de
empresas multinacionais nas derrotas da democracia", escreve Paulo
Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia.
Num sinal de enfraquecimento
da democracia, nesta segunda década do século XXI, patrocinadores de golpes de
Estado já não pedem desculpas. Ao contrário, exibem seu feito sem remorso -
forma de deixar clara a disposição de fazer tudo outra vez.
Foi assim que, ao ler no Twitter
uma crítica à atuação de sua empresa na queda do governo Evo Morales, na
Bolívia, o bilionário Elon Musk, executivo da Tesla, um dos gigantes de
tecnologia do planeta, reagiu em tom de ameaça. Afirmou que é capaz de "dar
golpe em quem quiser".
Para deixar claro que não vê
motivo para mudar de atitude, ainda acrescentou: "Lidem com isso",
com uma arrogância típica de quem está pouco ligando para possíveis
consequências - políticas e diplomáticas - de uma confissão com tamanha
gravidade.
Ninguém irá negar a presença
de interesses imperiais em golpes de Estado ocorridos na América do Sul,
inclusive em países de maior peso geopolítico - como no Brasil de João Goulart
e Dilma Rousseff, na Argentina peronista e no Chile de Salvador Allende, para
ficar em casos clássicos.
Na Bolívia, onde um golpe
militar derrubou Juan José Torres e fechou a Assembleia Popular em 1971, o
governo foi assumido por Hugo Banzer, oficial de ideias fascistas e declarado
respaldo norte-americano, atraído por outra riqueza mineral do país - as
reservas de estanho.
Mesmo alimentado por uma
grande hipocrisia, o respeito à autonomia dos povos, que está na base da
diplomacia e do convívio civilizado entre os povos, impedia manifestações de
tamanho descaramento. Não mais - mostra Elon Musk.
Por que a pequena Bolívia?
Matéria prima das baterias de
automóveis e também de aparelhos celulares, as reservas de lítio boliviano,
entre as maiores do mundo, estavam na base do projeto econômico do governo Evo
Morales, derrubado quando sua reeleição representava a continuidade de um
programa de desenvolvimento autônomo, capaz de beneficiar uma população
historicamente excluída.
Nomeada presidente após o
golpe, candidata numa eleição presidencial já adiada duas vezes, a senadora
Jeanine Añez formou uma chapa onde o candidato a vice, Samuel Doria Medina, faz
campanha como testa de ferro da Tesla e propõe abrir o país para a empresa de
Elon Musk explorar diretamente as reservas de lítio.
A Bolívia de hoje até parece
uma fábula colonial da qual todos conhecem o desfecho, mas a história pode
produzir novas surpresas.
Em eleição marcada para 18 de
outubro, o economista Luiz Arce, candidato do MAS, partido de Evo Morales,
aparece como favorito absoluto. Apesar da tradição golpista e da eterna arrogância
imperial, nesta conjuntura precisa, a vontade da Casa Branca não é garantia
absoluta.
Personagem indispensável para
intervenções externas, na segunda quinzena de outubro, Donald Trump estará
ocupado demais com a própria sobrevivência diante do favorito Joe Biden - ou
seja, talvez impedido de prestar o auxílio que Elon Musk e sua turma
precisariam.
Alguma dúvida?