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A Justiça que condenou Tiradentes

Um julgador convencido sem prova causa maior dano à legitimidade da Justiça do que à liberdade de uma pessoa

Edição: 446
Data da Publicação: 21/04/2023

Em 1792, o Tribunal da Relação do Estado Português, instalado no Rio de Janeiro desde 1752, condenou Tiradentes à forca, ao açoite depois de morto, ao esquartejamento, à exposição das partes do seu corpo ao longo do caminho que levava até a Vila Rica, atual Ouro Preto, bem como demolição de sua casa e salgamento do terreno para que nele sequer nascesse mato.

Os desembargadores que condenaram Tiradentes eram serviçais dos interesses dominantes, sem qualquer relação com o conceito de justiça. Alguns pediram posteriormente a permanência como desembargadores, pois sequer tinham esta qualidade quando do veredicto.

Julgamentos injustos tanto podem ser feitos para atender aos donos do poder quanto aos apelos populares. A multidão insuflada contra as pessoas apontadas como inimigas públicas não é boa juíza. As maiorias circunstanciais e enfurecidas são tão danosas à Justiça quanto o são os juízes corrompidos pelo poder. Sócrates foi condenado por uma multidão enraivecida no ano 399 a.C., assim como Cristo.

Para evitar os linchamentos e os julgamentos politizados que marcaram a história é que a civilização construiu princípios que devem orientar os juízes. É a procedimentalidade que todo juiz intelectualmente honesto segue. Diz a Constituição que não há crime sem lei que o defina, nem pena sem prévia previsão legal. Aos acusados há de ser assegurados o contraditório e a ampla defesa. Uma condenação há de ser baseada em fato descrito na acusação.

Fato é ocorrência concreta no mundo natural. Tem que ter acontecido inequivocamente. E para tanto são necessárias provas suficientes capazes de convencer não apenas os julgadores, mas a todos que lerem os autos do processo. Na dúvida, há de se absolver. Um julgador convencido sem prova pode até produzir julgamento eficaz e causar dano à liberdade de uma pessoa. Mas causa maior dano à legitimidade da Justiça.

Para a condenação de uma pessoa que exerça função de chefia, por atos praticados por seus subordinados, é preciso inequívoca demonstração de sua participação em cada um dos atos praticados. Não basta dizer que um chefe, por esta qualidade, é garantidor de esquema de seus subordinados, quando a ação destes tenha por finalidade incrementar ganhos ilícitos. Não basta dizer que a falta de prova das condutas é porque age nos bastidores. Isto é fantasia punitiva. Não é julgamento.