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Cais do Valongo, símbolo de um crime contra a humanidade
Porto de entrada dos escravos africanos no Brasil é reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Unesco
Edição: 146
Data da Publicação: 14/07/2017
Salve o navegante negro
que tem por monumento
as pedras pisadas do cais.
Os versos de João Bosco foram uma
homenagem a João Cândido, o filho de escravos que comandou a Revolta da
Chibata, em 1910, contra os castigos físicos na Marinha. Mas poderiam
igualmente ter sido escritos em honra dos milhares de africanos escravizados que,
muito antes, entraram no País pelo antigo Cais do Valongo, na zona portuária do Rio, reconhecido como Patrimônio Mundial da
Humanidade no domingo 09/07/17. É o primeiro da América relacionado diretamente
à escravidão.
Diferentemente de outros 20 sítios no
Brasil igualmente reconhecidos pela ONU, as pedras pisadas do cais por mulheres
e homens trazidos à força da África em navios negreiros foram eleitas não apenas
por seu valor arqueológico, arquitetônico ou mesmo histórico, mas,
principalmente, por formarem um local considerado de "memória sensível" - mesmo caso, por exemplo, do
campo de extermínio nazista de Auschwitz. Um lugar, portanto, de sofrimento,
símbolo de um crime contra a humanidade.
"O Valongo é o mais importante, o
mais significativo sítio de memória da diáspora africana na América. É o único
vestígio material que temos do desembarque de africanos escravizados por
aqui", afirma o antropólogo Milton Guran, coordenador do grupo de trabalho
que elaborou o dossiê da candidatura do cais à Patrimônio Mundial da
Humanidade.
Não se trata de um ponto de desembarque
qualquer: dos 4 milhões de africanos escravizados que vieram para o Brasil em
300 anos de tráfico, 2,4 milhões entraram no País pelo Rio de Janeiro, 1 milhão
deles pelo Valongo, entre 1774 e 1831 - muito mais gente do que os Estados
Unidos receberam (cerca de 400 mil) em toda a sua história de tráfico.
"O Cais do Valongo é o mais
importante complexo negreiro do mais importante País na história da diáspora
africana na era moderna, que é o Brasil", resume o historiador Carlos
Eugênio Líbano Soares, da UFRJ. "Nunca antes tantos africanos chegaram em
tão pouco tempo a uma região do mundo atlântico."
Dedico o espaço do Editorial de hoje ao texto de Roberta Jansen sobre o reconhecimento,
pela ONU, da importância histórica do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro (1ª
parte).