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Por que o Brasil não é um país rico?

Em 1980, a produção industrial brasileira era maior do que a da China e da Coreia do Sul juntas; a indústria brasileira era muito mais poderosa do que as indústrias da China e da Coreia do Sul juntas.

Edição: 296
Data da Publicação: 12/06/2020

Em 1980, o Brasil exportava 20 bilhões de dólares. Por sua vez, a China exportava 17 bilhões e a Coreia do Sul exportava outros 18 bilhões de dólares. Em 1980, a produção industrial brasileira era maior do que a da China e da Coreia do Sul juntas; a indústria brasileira era muito mais poderosa do que as indústrias da China e da Coreia do Sul juntas. Nossa capacidade produtiva e nossa capacidade tecnológica eram maiores e mais importantes do que as dos dois países. Passados 40 anos, hoje a China exporta 2 trilhões de dólares por ano, a Coreia do Sul exporta quase 700 bilhões de dólares e o Brasil 220/230 bilhões.

A China conseguiu esse salto porque se tornou uma economia altamente complexa e sofisticada. Ela faz produtos de toda natureza que se pode imaginar, principalmente industrial e manufatureira, e a Coreia do Sul também.

200 Petrobras

Junto com a Petrobras, a Embraer era a única empresa de ponta altamente sofisticada no Brasil. Por sua vez, a Petrobras era responsável por quase 50% dos investimentos públicos no Brasil e, para efeito de comparação, hoje a China possui cerca de 200 empresas como a Petrobras.

O Brasil regride

Já o Brasil regrediu, perdeu a capacidade de produzir coisas. O Brasil não consegue fazer coisas como ele conseguia no passado. Ele caiu na cilada das commodities (minério, bens agrícolas) e não consegue progredir do ponto de vista produtivo. O que aconteceu no Brasil foi um processo de reprimarização da pauta de exportação. O Brasil deixou de produzir produtos manufaturados para exportar commodities. Os grandes países exportadores de commodities são os países africanos.

Por incrível que possa parecer, a pequena Costa Rica, na América Central, foi o único país que conseguiu se sofisticar. A Intel foi levada para lá e hoje, quando se olha os indicadores de complexidade e sofisticação, a Costa Rica é abundante, pois o país deu um salto fenomenal, é uma diferença gritante.

A diferença entre países como Suíça, Suécia, Alemanha, Japão e Coreia do Sul e o Brasil é que os primeiros têm uma estrutura produtiva muito mais sofisticada e complexa e o Brasil não tem mais - já teve. É preciso entender a complexidade para entender a riqueza e a pobreza dos países.

Esses países dominam técnicas produtivas e tecnológicas que o Brasil não consegue dominar. No fundo, a estrutura produtiva desses países é que é mais rica do que o Brasil.

Suíça

É um erro pensar que a Suíça é um país rico porque o mundo coloca dinheiro lá. Não é verdade. A estrutura produtiva do país é sofisticadíssima, como por exemplo as indústrias química, farmacêutica e de precisão. Os suíços têm uma habilidade impressionante de produzir bens complexos e sofisticados.

Coreia do Sul

O mesmo vale para a Alemanha, Suécia, Noruega, Japão e Coreia do Sul. O exemplo da Coreia do Sul é interessante, pois nas décadas de 60/70 ela tinha uma complexidade baixa, seus principais produtos de exportação eram a seda, guarda-chuvas, perucas etc.

A China é outro caso importante. Hoje, a China é capaz de fazer submarino, avião, carro ou qualquer outra coisa.

Agronegócio

Os produtos agrícolas são os menos complexos do mundo e, por azar, a soja é o produto mais simples. Todo mundo consegue fazer soja, basta ter clima e solo fértil. Por que a agricultura brasileira é considerada "agricultura 4.0"? É uma agricultura que usa trator com ar-condicionado, operando com GPS, mapa de topografia, tudo digital, uma tecnologia high-tech, mas, paradoxalmente, tudo para produzir soja. Não há país que se tornou rico produzindo apenas "agronegócio".

O Brasil parou no agro é pop

O Brasil precisa produzir tratores eficientes, plantadeiras, colheitadeiras, químicos etc. Não é fácil, só alguns países conseguiram isso, como Alemanha, Espanha, Canadá e EUA. Esses países desenvolveram o agronegócio, mas também desenvolveram a indústria que gira ao redor do agro, mesmo porque a agricultura emprega muito pouco, já a indústria manufatureira não. A agricultura representa 5% do PIB e o agronegócio outros 20%. Já o emprego fica na casa de 1 ou 2% da população. Se o Brasil tem uma agricultura 4.0, a indústria brasileira é 1.0. Ela já foi 4.0 no início da década de 80, mas nós perdemos o bonde da internet e dos serviços integrados, por exemplo. A indústria 4.0 surgiu na Alemanha e é uma indústria de ponta, mas esse é um fenômeno majoritariamente asiático.

Achar que um Estado mínimo significa zerar tarifas, fazer uma simples abertura e um livre comércio e que isso vai produzir uma complexidade é de uma ingenuidade total. Por outro lado, fechar a economia também não é o caminho, proteger a indústria nacional através de tarifas e dar subsídio e tentar construir complexidade na marra não é o caminho. A complexidade é uma solução de centro, é preciso que o Estado esteja  ajudando, é preciso de uma relação simbiótica entre o Estado e a iniciativa privada; é preciso se unir, se articular para conquistar essas tecnologias inovadoras e conquistar os mercados. O Estado indica setores, articula, financia e incentiva no âmbito tecnológico. Foi assim com os países asiáticos e temos exemplos como a Samsung e a Hyundai. No Brasil, temos a Embraer (filha do ITA), que é uma empresa de alta complexidade made in Brasil. Mas hoje, a complexidade da indústria nacional se assemelha mais a dos países africanos, que são basicamente extrativistas - commodities.

A conclusão de todo esse estudo prova que os países que têm a economia mais complexa são os países menos desiguais, e os menos complexos são os países mais injustos e desiguais, com a menor distribuição de renda, como Brasil e grande parte dos países da África e América Latina.