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A história da Embraer é a história do Brasil que pode dar certo*
Embraer KC-390: Avis rara brasileira feita por Estado e Mercado
Edição: 323
Data da Publicação: 11/12/2020
Esse avião multi tarefa, projetado pela Embraer, lançou desafios
aos engenheiros brasileiros desde sua concepção: nunca havia sido feito um
avião tão grande e complexo em solo tupiniquim. Conceber, projetar, construir e
certificar um cargueiro de médio porte, com objetivo de substituir os Lockheed
C-130 Hécules da FAB (nada mais nada menos do que o avião militar mais vendido
na história na sua categoria) não foi tarefa fácil. O KC-390 traz no currículo
características impressionantes, tais como capacidade de carga de até 23
toneladas, velocidade máxima de cruzeiro de Mach 0,8 (955km/h) e teto de voo de
36.000 pés (10,9 km). Além disso, o cargueiro brasileiro oferece uma notável
flexibilidade de missões, podendo ser usado tanto para transporte logístico
civil e militar, com possibilidade de lançamento de carga e paraquedistas, como
também para operações de busca e resgate, evacuação médica e reabastecimento em
voo de outras aeronaves e do próprio cargueiro.
Seu projeto foi desenvolvido pela Embraer em conjunto com a
Força Aérea Brasileira (FAB), e seu custeio foi feito pelo Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal. Esse modelo de
financiamento, com participação do Estado Brasileiro, é semelhante àquele
adotado nos EUA, guardadas as devidas proporções em termos de orçamento. Todo o
ano o Governo Norte Americano injeta centena de bilhões de dólares no setor
privado para que esse desenvolva soluções de engenharia para suas forças
armadas. Em setores intensivos em capital e que trabalham na fronteira tecnológica,
como o caso da indústria aeronáutica, é essencial a participação do Estado como
fiador dos riscos envolvidos nesse tipo de negócio. A aviação militar possui um
mercado pouco rentável quando comparado ao mercado de aviação comercial, mas
possui um significado estratégico. Além de produzir produtos que protegem o
espaço aéreo do País, esse setor também serve como um grande laboratório para
inovações tecnológicas, que posteriormente podem ser aplicadas no meio civil.
Essa característica de incubadora de novas tecnologias confere ao setor militar
grande importância estratégica.
O projeto de um avião cargueiro, de asa alta, com
reabastecimento e deslocamento de carga em pleno voo, com missão de operar em
pista semi preparada (não pavimentada), era totalmente novo para a Embraer. O
KC-390 é o maior avião de seu portifólio e diferente de tudo o que a empresa
fez até hoje. Por exemplo, desenvolver um trem de pouso baixo, típico de aviões
cargueiros para facilitar seu carregamento em solo, capaz de trabalhar em condições
severas (altos esforços e altas oscilações devidas ao terreno não pavimentado),
requereu soluções inovadoras da equipe da engenharia na elaboração de seus
mecanismos. Além disso, seus sistemas de controle tiveram que ser desenhados
considerando os grandes deslocamentos no centro de gravidade do avião nas
missões de lançamento de carga, garantindo a aeronavegabilidade e segurança de
voo do cargueiro. Seus dois motores a jato tiveram que ser especialmente
projetados pela IAE (International Aero Engines), dado que motores desse tipo
(motores a reação) são altamente sensíveis à poeira e detritos que podem ser
ingeridos durante pousos e decolagens em pistas não pavimentadas. A fabricante
dos motores V2500-E5, que equipam o KC-390, optou por revestir a superfície de
suas palhetas com um material cerâmico especial, de modo a aumentar a
resistência à abrasão de suas partes móveis.
Dainte de tantas incertezas e escopos de projeto tão
desconhecidos, que exigiram soluções inovadoras e desafiadoras, a tomada de decisão
de seguir com o projeto poderia ter sido outra, não fosse a contribuição do
governo garantindo o orçamento e a encomenda do cargueiro pela FAB. Muito
provavelmente, se a Embraer tivesse que empregar 100% do seu capital no
desenvolvimento desse avião, com certeza hoje o KC-390 seria apenas uma ideia e
não uma realidade. E valeu a pena, pois ao certificar esse cargueiro pelo
conjunto de requisitos do FAA 14 CFR Parte 25, emitido pela autoridade de
aeronavegabilidade norte americana, a Embraer se capacita tecnicamente para
certificar um avião de médio porte, o que configura feito importante caso a
empresa decida futuramente desenvolver jatos dessa categoria, colocando a
empresa como concorrente direta da Boeing e Airbus. O cargueiro brasileiro é
mais do que um exemplo da competência técnica da engenharia brasileira, é
também um exemplo de como a parceria entre o setor público e privado é
essencial para promoção do desenvolvimento tecnológico e aumento da
complexidade produtiva da economia.
Escrito por Rodrigo Motta
*Paulo Gala