O Casarão da Rede Ferroviária em Miguel Pereira
Graças a ferrovia, desenvolveram-se diversas localidades ao longo do trecho escolhido pela ferrovia
Historiador Sebastião Deister
Edição 441
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A chamada Linha Auxiliar da Estrada de Ferro D.
Pedro II (estruturada pelo Dr. André Gustavo Paulo de Frontin a mando do
Imperador D. Pedro II nas décadas finais do século XIX) foi idealizada para
estabelecer uma conexão ferroviária definitiva entre a localidade de Belém
(hoje Japeri) e a cidade de Paraíba do Sul, atravessando as serras da Viúva e
do Couto - no acidentado reverso da Serra do Tinguá - e o vale do rio Santana.
Graças a ela, desenvolveram-se diversas localidades
ao longo do trecho escolhido pela ferrovia, tais como as paradas de
reabastecimento de Paes Leme, Santa Branca, Monte Líbano e Barão de Javary, e
as estações de Conrado (ex-Sertão), Arcádia (ex-Bomfim), Vera Cruz, Francisco
Fragoso (ex-Conrado), Governador Portela e Estiva (atual Professor Miguel
Pereira), além de outros pátios de embarque e desembarque atualmente situados
no território do vizinho município de Paty do Alferes.
Estiva - sede administrativa
No contexto desse quadro organizacional, a direção
da Estrada de Ferro optou por eleger a Estiva como sede de sua administração no
trecho serrano, ali alocando prédios especiais para os engenheiros residentes,
escritórios de controle de tráfego, gabinete de recursos humanos, salão de
almoxarifado e oficinas de carpintaria, metalurgia, tornearia e funilaria. Muitas
dessas instalações desapareceram, e o local hoje abriga um grande complexo
comercial chamado Rua Coberta.
Por sua vez, Governador Portela viu-se contemplada
com a construção de um imenso depósito de manutenção (também não mais
existente) voltado para o resguardo e a reparação de locomotivas e vagões
deteriorados, além de se responsabilizar pelo gerenciamento de uma vasta
plantação de eucaliptos destinados à produção de dormentes. Registre-se, ainda,
que nos dois distritos ergueram-se diversas casas destinadas ao abrigo dos mais
importantes chefes setoriais da Linha Auxiliar, como, por exemplo, moradias
para o mestre-de-obras, para o chefe das estações, para o supervisor da soca
(equipe de colocação e manutenção de trilhos) e para os funcionários mais
graduados do depósito de Portela, conjunto que até hoje é conhecido pelo rótulo
de Vila Operária.
1930
Até a década de trinta do século passado, a estação
ferroviária de Miguel Pereira compunha-se tão-somente de um modesto prédio
central destinado a abrigar um gabinete administrativo que implementava o
controle do tráfego ferroviário e a venda de passagens para os usuários dos
trens. A partir dessa época, os diretores da Estrada de Ferro deram início às
obras de ampliação do complexo predial da estação, levantando ali diversos
espaços de trabalho, entre eles um grande almoxarifado e oficinas de
metalurgia, serralheria, tornearia e carpintaria, além de um confortável
escritório central para uso imediato de escriturários e funcionários
burocráticos chefiados pelos engenheiros da ferrovia. Em tempo, todo esse
complexo já desapareceu, restando da estação apenas seu corpo central que hoje
abriga o atrativo museológico Museu Ferroviário.
Os casarões da ferrovia foram levantados em estilos
distintos. Um, em linhas neoclássicas, com grande varanda, ampla sala de
recepção, pequena saleta de estar, cozinha de vastas dimensões, área para
estacionamento, garagem particular e cinco cômodos para a família, além de dois
anexos externos e amplos jardins, dos quais era possível acessar todas as
estruturas da estação e até mesmo a estrada de ligação com Paty do Alferes. A
outra construção apresentava aspecto mais moderno, com várias divisões internas
e uma pequena área para prática de esportes. Entretanto, ambo serviam aos
engenheiros e diretores da ferrovia. Este segundo casarão, hoje, abriga o
restaurante Relíquia.
Já o primeiro grande prédio serviu a outro belo
propósito. Em 1955, ocorreu o desabamento da precária casa que acomodava o
Colégio Estadual Dr. Antônio Fernandes, à Rua Áurea Pinheiro. Em face desse
contratempo, José Bento Martins Barbosa, então prefeito de Vassouras (à época
cabeça de município responsável por Miguel Pereira), solicitou ao engenheiro
residente, Dr. Antônio Soares Belford, a cessão temporária do grande casarão
para instalação dos alunos enquanto eram completadas as obras definitivas do
colégio no centro da cidade. Por essa razão, as salas de aula funcionaram
naquelas dependências até 15 de novembro de 1957, quando Frederico Augusto da
Senna Wängler, o primeiro prefeito miguelense, e a diretora Jandira Telles Leme
Pragana deram por inaugurado o prédio próprio do colégio no centro da cidade.
Em 2015, a Rede Ferroviária Federal, dentro do
programa de venda dos seus prédios situados junto à Linha Auxiliar, ofereceu à
Prefeitura, administrada à época pelo Dr. Cláudio Valente, a posse do primeiro
casarão, visto que o segundo já se encontrava em mãos de um proprietário
particular. Algumas atividades foram desenvolvidas junto ao IPHAN objetivando
repassar o prédio para o poder público, mas alguns entraves burocráticos foram
surgindo ao longo do processo, até porque a casa estava ocupada pela família do
Sr. José Carlos Pureza. Assim, nada ficou resolvido durante o governo Valente,
a despeito das orientações e do interesse de Isabel Cristina da Rocha,
Supervisora do Escritório Técnico do IPHAN para o Vale do Paraíba, localizado
em Vassouras.
Por sua vez, o novo prefeito, André Pinto de
Afonseca, mostrou-se preocupado com o futuro do belo casarão, dando marcha a
procedimentos destinados a inseri-lo no patrimônio municipal. Além de entabular
negociações visando à desocupação do prédio pela família Pureza, o poder
municipal conseguiu, em 6 de junho de 2018, a posse do casarão. Com efeito,
nessa data oficializou-se a assinatura, na Superintendência de Patrimônio da
União (SPU), do contrato de municipalização não apenas da chamada casa do
engenheiro, mas também de 4 imóveis pertencentes ao Governo Federal que se
encontravam arrolados no espólio da antiga Rede Ferroviária Federal S/A. Foram
passados para o patrimônio de Miguel Pereira o campo de futebol do Central
Atlético Clube e duas áreas em Governador Portela que pertenciam à fazenda
Monte Sinai (gleba A com 152.095,50 m2 e gleba C com 174.340 m2,
totalizando, assim, 326.435,50 m2), ou seja, mais de 32 hectares
dentro da cidade de Governador Portela com valor aproximado de 1 milhão de
reais. Por sua vez, o campo do Central, com quase 10.000 m2 (atualmente objeto
de um projeto urbanístico e esportivo da Prefeitura), viu-se avaliado em R$
300.000,00. A partir da posse do casarão, a prefeitura empenhou o máximo de
esforços em trabalhos de restauração e recuperação arquitetônica de todo o
complexo predial do casarão, trazendo novamente à luz a beleza e as cores de um
patrimônio datado de 1939 que, hoje, 82 anos depois, novamente domina, com sua
elegância, parte do centro de Miguel Pereira, abrigando em suas confortáveis e
arejadas dependências alguns departamentos municipais. Suas reformas e o novo
ajardinamento foram inaugurados em 29 de junho de 2020.
IMAGEM: 1956 - A professora Jandira Telles Leme
Pragana organiza as filas do Colégio Dr. Antônio Fernandes no pátio do casarão
ferroviário de Miguel Pereira
Na
próxima edição: Casa de Saúde e Maternidade Santa Therezinha