A Casa Grande e D. Maria Pinheiro da Fonseca
A localização da Casa-Grande no morro central dos três que ladeavam a chamada Praia da Barca e apontavam a saída para as Minas Gerais dividia muito bem a Paraíba do Sul na época inicial de sua colonização
06/09/2024
Historiador Sebastião Deister
Edição 510
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A localização da
Casa-Grande no morro central dos três que ladeavam a chamada Praia da Barca e
apontavam a saída para as Minas Gerais dividia muito bem a Paraíba do Sul na
época inicial de sua colonização. Seu espaço público podia ainda ser utilizado
de todas as formas pelos tropeiros e viajantes que por lá passavam, mas sua
área particular - isto é, os canaviais, as roças, os engenhos, os moinhos e a
própria Casa-Grande construída por Garcia Rodrigues Paes - era exclusiva de sua
família. Como consequência de tal separação, por trás daquelas colinas
limitadas pela lagoa de Santo Antônio (nas proximidades da qual atualmente
existe a Praça Garcia) e pelo vale do ribeirão Limoeiro, as atentas milícias criadas
pelo bandeirante impediam a passagem de qualquer pessoa não autorizada e
eventuais viajantes que demonstravam a intenção de por ali montar qualquer tipo
de construção. Tem-se como certo que toda a zona onde se hoje se ergue a
estação ferroviária (conhecida como Campinho nos primórdios do século XIX) também
era uma área proibida. Por conseguinte, todos os forasteiros só conseguiam
acesso às vendas e aos ranchos de pernoite abertos junto à praia do rio, ou
então em outros postos liberados rio-abaixo, se pagassem um "pedágio" a Garcia,
senhor então absoluto de todas as terras a ele concedidas pelo Reino.
Durante as ausências
de Garcia, a matriarca Maria Pinheiro da Fonseca, sua esposa, confirmava, com
suas atitudes de comando, ser a senhora todo-poderosa daquele pequeno, porém
ativo mundo agrícola e comercial, não tivesse ela em suas veias o sangue colonizador,
prepotente e autoritário das valentes e pioneiras famílias que tinham povoado
São Vicente e o Planalto de São Paulo de Piratininga. De fato, seu prestígio
era tão alardeado pelo sertão que, em um dos primeiros roteiros do Caminho do
Ouro confeccionado em 1731, já apunha o nome de D. Maria a sete roças e vendas
distribuídas em seu entorno. Até mesmo a arrecadação dos quintos passava pelo
controle rígido da mulher do sertanista. Deve-se lembrar a importância de tal
fiscalização e vistoria, uma vez que o quinto era um imposto cobrado pela Coroa de Portugal e
pelas casas de contratação sobre o ouro encontrado
em suas colônias, correspondendo a uma quinta parte, ou seja, 20% do metal e
demais pedras extraídos, em especial, em Minas Gerais. Tamanha era sua respeitabilidade que, em 1711 - estando Garcia Rodrigues
Paes em Portugal à busca das recompensas pelos caminhos que abrira -, guardou
ela em sua fazenda praticamente todo o ouro retirado às pressas da Corte do Rio
de Janeiro em razão da invasão da cidade pelas tropas francesas comandadas por
René Duguay-Trouin. Também nas dependências de sua casa, D. Maria abrigou e
alimentou por longos dias as tropas que desciam de Minas em socorro da capital
saqueada. Na ausência temporária de Garcia, era D. Maria quem controlava a
então jovem Paraíba do Sul e comandava todos os agregados do marido.
Há que se registrar
que o rossio montado por Garcia Rodrigues Paes em 1683 chegou a ser conhecido
como "Parahyba Nova", mais tarde como "meio da jornada" e "Guarda do Parahyba",
para finalmente ser consagrada como PARAÍBA DO SUL. Segundo o historiador Mário
Nogueira, citado pelo professor Arnaud Pierre, a localidade foi ainda designada
simplesmente como "Caminho Novo" e também como "Vila de Garcia Rodrigues Paes"
por um bom período de anos.
A origem do topônimo
Paraíba sempre suscitou curiosidade e dúvidas - além de interessantes polêmicas
- entre os pesquisadores que se dispuseram a estudar sua etimologia. Assim,
Macedo Soares afirma que o termo significa tão simplesmente Mar Pequeno, mas de
acordo com sua origem Tupi, temos que P'A'RA traduz-se por RIO e A'IBA por ruim,
imprestável, força de correntes, o que é corroborado por J. P. Macedo, que
interpreta esse nome por PARA=RIO e AHYBA=RUIM, NÃO NAVEGÁVEL.
Por seu turno,
Paraibuna também derivou da língua Tupi, significando GRANDE RIO ESCURO E RUIM
à navegação, uma provável alteração do vocábulo PARAYVUNA aglutinação
de P'A'R'A e IWA (inavegável) e UNA (escuro, lamacento).
O fato é que,
segundo a tradição e consoante todos os estudos efetuados até hoje sobre aquele
sertão, Garcia Rodrigues Paes construiu, entre 1683 e 1688, uma fazenda nas
terras circunscritas pelos rios Paraíba e Paraibuna, junto à qual ainda ergueu
uma capela dedicada ao culto de Nossa Senhora da Conceição e dos Apóstolos São
Pedro e São Paulo. Arruinada essa Capela - diga-se de passagem, a primeira a
ser edificada em terras da "Parahyba" e, por certo, nas vertentes internas da
Serra do Tinguá - Pedro Dias Paes Leme, o filho primogênito de Garcia, deu
partida, algum tempo após a morte do pai, à construção de uma outra ermida no
Morro da Pitangueira (ponto onde existiu o cemitério velho e hoje encontra-se a
Escola Estadual Andrade Figueira).
Por outro lado, uma
Provisão de 10 de novembro de 1745 designava o Padre Manuel Gonçalves Viana
para abençoar esse novo templo e assumir, de imediato, a condição de Capelão do
Curato, ou seja, exercer as funções de pároco ou vigário, à época conhecido
como Cura. De fato, o Curato ou Curado era uma larga zona geográfica
eclesiástica da Igreja Católica provida de um cura residente
para cuidar das atividades religiosas sob a dependência de uma paróquia,
mas com ampla autonomia. O Curato normalmente era dotado de uma igreja menor ou
de uma simples capela que abrigasse um Batistério. O pequeno
templo foi elevado à categoria de Freguesia pelo
Alvará expedido em 2 de janeiro de 1756 e, por conseguinte, aquela Jurisdição
Eclesiástica de pronto passou a englobar as fazendas da Várzea, da Paraíba e de
Paraibuna, estendendo-se até o outro lado do rio Paraibuna, já em terras
mineiras, e alcançando a Freguesia de Nossa Senhora da Glória dos Reis, esta já
em terras mineiras, hoje constituindo o município de Simão Pereira.
Lembremos que a
segunda Igreja de Nossa Senhora da Conceição, substituindo a Freguesia descrita
acima, foi erguida exatamente sobre o jazigo de Garcia Rodrigues Paes, ganhando
sua consagração como Matriz em 1756, quando da criação da Paróquia da Conceição
da Virgem e dos Santos Apóstolos São Pedro e São Paulo.
Imagem: Matriz de Paraíba do Sul hoje