Dois Nobres do Sul Fluminense e sua participação nos movimentos pró-Independência do Brasil

Texto especial sobre a nossa Independência

 09/09/2022     Historiador Sebastião Deister      Edição 414
Compartilhe:       

1 - Ações do Marquês de São João Marcos

 

Ao longo da trajetória da família Paes Leme pelas terras adstritas ao Vale do Paraíba, destacaram-se vários personagens nascidos do casamento de Garcia Rodrigues Paes com a prima Maria Antônia Pinheiro da Fonseca. Dentre os vários descendentes do casal, importa-nos, no momento, o neto Fernando Dias Paes, casado com a portuguesa Francisca Peregrina de Souza e Melo com ela gerando nove filhos. Pedro Dias Paes Leme, o primeiro filho do casal Fernando/Francisca, veio a ser uma das figuras mais ricas e conhecidas no Brasil ao longo do século XIX, em especial na área do Sul-Fluminense circunscrita pelas Freguesias de Sacra Família do Tinguá, Vassouras e Paraíba do Sul, estendendo ainda sua influência para a atual região do Município de Rio Claro.

Titulado marquês de São João Marcos, foi também agraciado com as honrarias de Gentil-Homem da Imperial Câmara Brasileira, Reposteiro-Mor do Império, Grande do Império, Chefe da 4ª Guarda Geral das Minas, 3º Senhor do Morgado de Belém e 4º Senhor da Vila de São João Marcos, tendo nascido no Rio de Janeiro em 1768, cidade em que também faleceu aos 100 anos de idade. Administrou, também, uma das 24 propriedades ligadas à Fazenda da Paraíba aberta em 1683 pelo bisavô Garcia Rodrigues Paes. Foi feito barão por D. João VI, e em 1826 comprou de D. Pedro I o título nominativo de marquês ligado às terras alocadas em parte da baixada fluminense, em especial aquelas onde atualmente se insere o município de Japeri.

As terras de Pedro Dias Paes Leme englobavam uma vastíssima que alcançavam a atual área de Sacra Família do Tinguá, descendo para a baixada que compreende o atual distrito miguelense de Conrado e o logradouro vizinho de Paes Leme, atravessava terras de Japeri e Paracambi para então atingir o município de Rio Claro, em cujo território nasceu o distrito de São João Marcos, cidade que foi submersa em 1940 pelas águas da represa de Ribeirão das Lajes administrada pela Light.

Como se pode depreender, Pedro Dias Paes Leme exerceu um papel preponderante na colonização de quase toda a baixada hoje pertencente a Miguel Pereira, tanto que, em finais do século passado, uma parada da ferrovia viria a ser denominada Paes Leme em homenagem à família, e a estação e cidade que conhecemos como Japeri nasceram nas terras formadoras de sua famosa fazenda chamada Belém. Sendo um Gentil-Homem do Império, participou com desenvoltura dos movimentos políticos que agitavam os últimos anos do 1º Reinado, convivendo com as figuras políticas mais expressivas da época que objetivavam a Independência do Brasil. De fato, Pedro Dias Paes Leme envolveu-se nas ações palacianas destinadas a fazer com que o Imperador permanecesse no Brasil, naquilo que ficou simbolicamente conhecido como o Dia do Fico. Aliás, o notável historiador Pedro Calmon assinala tal participação em artigo publicado no dia 10 de janeiro de 1972, página 7, no jornal O Globo, sob o título "A INDEPENDÊNCIA MADRUGA EM 9 DE JANEIRO", cujo excerto principal transcreveremos a seguir:


"(...) as Cortes Soberanas de Lisboa não se insurgiam apenas contra o poder autônomo do Príncipe; rebelavam-se contra o legado e a política de três séculos de criação, integração, unidade da América Portuguesa (...) O ajuntamento patriótico teve nome, CLUBE DA RESISTÊNCIA; nome e retórica: Frei Francisco de Jesus Sampaio redigiu o requerimento de 8 mil assinaturas (...) Logo, dois emissários atiraram-se, a todo pressa, a Ouro Preto e São Paulo: Paulo Barbosa da Silva e Pedro Dias Paes Leme. Este, noite alta de 23 de dezembro, bateu à porta de José Bonifácio de Andrada e Silva. Não havia tempo a perder. Já o velho Andrada (...) tinha resolvido escrever concitando o príncipe a resistir às pressões vindas da Corte Portuguesa (...) Paes Leme, munido do manifesto (de 24 de dezembro) voltou urgentemente ao Rio".

         

2 - Ações do 2º Barão de Paty do Alferes 

Francisco Peixoto de Lacerda Werneck nasceu em 6 de fevereiro de 1795 na Fazenda Nossa Senhora da Piedade de Vera Cruz, hoje em território de Miguel Pereira, à época parte integrante da Freguesia de Paty do Alferes de Serra Acima. Era filho único Ana Matilde Werneck (filha do Capitão de Ordenanças Inácio de Souza Werneck e de Francisca das Chagas) e do Capitão Francisco Peixoto de Lacerda, este nascido em 1770 na Freguesia de São Salvador da Vila de Horta, no Faial, sendo filho do Capitão André Peixoto de Lacerda e de D. Gertrudes Mariana da Silveira Bittencourt, ambos descendentes de conhecidas e importantes famílias portuguesas radicadas nos Açores. Em suas terras, Francisco Peixoto de Lacerda e Ana Matilde Werneck fizeram fortuna, implantaram seus nomes e sua fama e criaram, com todo zelo e toda cultura de que podiam dispor, o único filho que um dia seria agraciado pelo Império com o título de 2º barão de Paty do Alferes.

Assim, o único filho de Francisco e Ana Matilde recebeu o respeitado nome do pai e o famoso sobrenome da mãe. Ainda muito jovem, seguiu para o Rio de Janeiro, onde se dedicou ao estudo de Humanidades no Seminário São José, mas, por razões de saúde, logo retornou para Paty com a intenção de dedicar-se à lavoura cultivada pelos pais sobre as plantações implantadas anteriormente pelo avô Inácio.

Francisco tornou-se, em terras patienses, um poderoso senhor de fazendas e pai de família exemplar, abastado e generoso. Além de militar dedicado e perseverante em suas funções, consagrou os melhores anos de sua vida à Pátria, que punha à frente de todas suas atividades, e ao Imperador, a quem devotava uma lealdade profunda e sem meias medidas. Por conseguinte, desde a época da Independência do Brasil - quando contava apenas 27 anos - o então Tenente da Cavalaria de Milícias avançou com impressionante rapidez em sua carreira de armas: foi Deputado Provincial pelo Rio de Janeiro e Comandante da Guarda Nacional de Vassouras e Paty do Alferes.

Em 12 de junho de 1822, contagiado pelos movimentos de buscavam a independência do Brasil, assinou um manifesto de peso elogiando o Dia do Fico publicado no número 76 da Gazeta do Rio em 25 de junho seguinte, apoiando irrestritamente a causa de D. Pedro I, e cooptando o esteio humano e político de dois outros vereadores de Paty (Manoel Antônio Barboza e Antônio Delfim Silva) ao lado de dezenas de próceres vassourenses. Posteriormente, participou com destaque no cerco do então chamado "Quilombo de Paty" e na luta travada contra os negros fugidos das Fazendas de Paty, nos finais de 1838, durante a rebelião comandada pelo escravizado Manoel Congo. Com o passar dos anos, tornou-se íntimo amigo de D. Pedro II, a quem recepcionou com um banquete em seu solar em Paty do Alferes no ano de 1859.

 

Imagem - Cópia do manifesto assinado pelo barão de Paty apoiando a causa da Independência. Observe com atenção o terceiro parágrafo