A Família Werneck no contexto histórico de Paty do Alferes

Memórias de Paty do Alferes

 05/04/2024     Historiador Sebastião Deister      Edição 495
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A família Werneck originou-se de uma secular estirpe europeia cujos nomes já eram conhecidos desde a Idade Média em algumas regiões da Alemanha do Sul. No Brasil, ela surgiria em meados do século XVII graças a Gaspar Werneck, cujo filho - ou neto - de nome João Werneck (ou mesmo Berneque ou Verneque) apareceria anos depois no recôncavo do Rio de Janeiro. Casado com D. Isabel de Souza, João teve quatro filhos e duas filhas, indo a família morar no Pilar (atual Duque de Caxias). Contudo, em 1711, em consequência da invasão do Rio de Janeiro pelas tropas francesas comandadas por Duguay-Trouin, a família fugiu para o alto da Serra do Couto através do Caminho Novo de Minas.

As duas filhas prosseguiram viagem para Vila Rica, sendo que em Minas Gerais, Antônia casou-se com o sesmeiro português Manoel de Azevedo Mattos, com o qual veio construir, em 1770, a primeira moradia da Fazenda de Nossa Senhora da Piedade de Vera Cruz (atual Fazenda Santa Cecília), o embrião de Miguel Pereira.

Dali, a família Werneck espalhou-se então por toda a área do Vale do Paraíba e mesmo para outras regiões do Brasil, constituindo uma das famílias mais numerosas de nosso país. Como curiosidade, devemos lembrar que, na época, os filhos recebiam o sobrenome da mãe e não do pai, razão pela qual Inácio de Souza Werneck, o Sargento-mor do Império e uma das figuras mais respeitadas na Serra do Tinguá, chamava-se Inácio de Souza Werneck em função do nome da mãe, Antônia Ribeiro ou da Ribeira (do Pilar) Werneck.

Inácio nasceu em 25 de julho de 1742 na Freguesia da Borda do Campo, Vila de Barbacena, Bispado de Mariana (MG), sendo ali batizado em 12 de agosto do mesmo ano. Bem cedo, demonstrou profunda vocação para a vida religiosa. Disposto a ingressar no Curso de História Sagrada e Eclesiástica do Seminário São José, no Morro do Castelo, aos 25 anos seguiu para o Rio de Janeiro na firme intenção de se tornar padre, hospedando-se na casa do ajudante de ordens Francisco das Chagas Monteiro, que mantinha com o pai de Inácio (o citado Manoel de Azevedo Mattos) diversos negócios comerciais e uma amizade de muitos anos.

Mesmo ciente de seu forte desejo de cursar o seminário, o rapaz não teve como resistir aos encantos de Francisca Laureana das Chagas Monteiro, a filha de seu anfitrião, nascida no Rio de Janeiro e batizada na Igreja da Candelária em 24 de abril de 1746. Assim, Inácio abriu mão de sua carreira religiosa para com ela se casar no dia 26 de setembro de 1769 na Igreja de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito dos Homens Pretos, na antiga Rua da Vala (hoje Rua Uruguaiana, no centro do Rio de Janeiro), tendo como testemunhas o padre Manoel Pinto da Cunha e Pedro Nolasco de Mendonça.

Inácio tinha, então, 27 anos e Francisca, apenas 23. O casal veio fixar-se na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Serra Acima da Roça do Paty do Alferes, sendo ele já reconhecido como um rico e respeitado senhor de terras e herdeiro legítimo das propriedades até ali amealhadas pelo pai e daquelas que Azevedo Mattos iria adquirir na área de Vera Cruz a partir de 1770. Assim, no ano seguinte ao casamento de Inácio, Manoel de Azevedo Mattos (já viúvo, pois sua esposa Antônia morrera em 1765), os filhos Ana Ribeiro de Jesus, Manuel de Azevedo Ramos e Inácio de Souza Werneck, ao lado da esposa Francisca - já grávida do primeiro filho -, iniciavam a construção da "primeira moradia da Piedade" que seria bastante ampliada nos anos seguintes em função do aumento da família. Portanto, de 1788 em diante Inácio, praticamente sozinho, assumiu a administração das vastas terras da Piedade, cujas paredes viram crescer seus doze filhos (8 mulheres e 4 homens). 

Além de abastado fazendeiro e pai de numerosa prole, Inácio ostentou, sucessivamente, as patentes de Alferes, Tenente e Capitão de um Corpo de Milícias da Corte, terminando sua vida militar com a reforma no alto posto de Sargento-mor de Ordenanças em 20 de outubro de 1809.

Com efeito, em 1788 Inácio fora indicado pelo Vice-Rei para tal cargo que abrangia o chamado Termo de Nossa Senhora da Conceição de Serra Acima da Roça do Alferes (hoje Paty do Alferes), até porque ele conhecia muito bem toda a região da serra, naquela época um vasto sertão de florestas virgens habitadas por muitos índios Puris e por um grande contingente de animais selvagens.

O distrito de Sacra Família do Tinguá

Com o posto oficializado, logo foi incumbido de defender o distrito de Sacra Família do Tinguá dos esporádicos ataques de alguns indígenas insatisfeitos com a presença do homem branco no local. Posteriormente, o governo decidiu aldear os índios Coroados na região de Valença, nos limites com o Rio Preto, e para tanto determinou que Inácio fizesse a abertura de caminhos que facilitassem o deslocamento de tropas por aquele desconhecido sertão. Na região, Inácio apoiou o fazendeiro José Rodrigues da Cruz e o Padre Manoel Gomes Leal tanto na catequização dos Coroados quanto na organização da futura Freguesia de Nossa Senhora da Glória de Valença. Por essa época, abriu o caminho conectando a incipiente Aldeia de Valença até a aldeia dos índios Araris, terras hoje formadoras de Conservatória, estabelecendo assim ampla ligação com a Estrada Geral para as Minas e também com os caminhos auxiliares do Pilar do Tinguá. Registre-se, ainda, que algumas glebas da Freguesia de Santa Teresa, hoje Rio das Flores, foram colonizadas por Inácio, o que nos dá bem a dimensão da sua importância para grande parte do Sul Fluminense.

Inácio, entretanto, decepcionou-se muito com tal tipo de trabalho. Ele temia que o recrutamento forçado dos indígenas para a Armada da Corte e seu aldeamento em áreas menores da região pudessem levá-los a uma revolta incontrolável. Não concordando com os métodos abusivos da Corte, Inácio rogou às autoridades, em 1808, a demissão de seus cargos, mas Sua Majestade D. João VI - que acabara de chegar ao Brasil fugindo das tropas de Napoleão - não só indeferiu seu pedido como lhe exigiu o cumprimento das promessas feitas anteriormente ao Vice-Rei. Ainda mais entristecido pelo não reconhecimento de seus leais serviços, Inácio, de pronto, solicitou sua reforma no posto de Sargento-mor, alegando, em especial, sua idade avançada. Tal reivindicação, porém, só lhe foi deferida pela Corte no dia 20 de outubro de 1809, quando já contava 67 anos.

Uma vez reformado, Inácio retornou para sua querida Piedade de Vera Cruz, onde o esperavam a amada Francisca, seus filhos e netos. Apesar de se afastar dos exaustivos trabalhos impostos pela Corte e a despeito de sua idade, o poder de seus títulos continuava concentrado em suas mãos, e o prestígio do seu nome impunha respeito e temor em muitas regiões da Província Fluminense.

Inácio faleceu no dia 2 de julho de 1822, aos 80 anos de idade. Atendendo a um último pedido seu, o corpo foi sepultado em Paty do Alferes. Torna-se fundamental assinalar, no entanto, que a inumação de Inácio ocorreu na antiga capela de Arcozelo (em terras da centenária Fazenda da Freguesia) e não atual Matriz de Nossa Senhora da Conceição, já que esta se encontrava apenas esboçada em 1822.

 

Imagem: Brasão da Família Werneck