Paschoal Carlos Magno, um visionário
Criação da Aldeia de Arcozelo em Paty do Alferes
15/03/2024
Historiador Sebastião Deister
Edição 492
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Filho dos imigrantes
italianos Nicola Carlomagno e Filomena
Campanella, o ator, poeta, teatrólogo e diplomata brasileiro Paschoal
Carlos Magno nasceu no Rio de Janeiro em 13 de janeiro de 1906, falecendo na
mesma cidade em 24 de maio de 1980. Exerceu, também, o cargo de vereador pelo
antigo Distrito Federal. Foi ainda embaixador e vice-cônsul na Inglaterra,
embaixador em Varsóvia (Polônia) e diretor do consulado brasileiro em Milão.
Posteriormente, durante o governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira, ocupou a
importante função de chefe de gabinete da presidência. A propósito, Juscelino
tinha por ele profunda amizade e o reconhecimento de seus dotes intelectuais,
tanto que o transformou num "agitador cultural oficial",
encarregando-o de dinamizar a cultura e buscar talentos artísticos em todos os
recantos do país. Imbuído deste espírito, Paschoal organizou em Recife o primeiro Festival Nacional de Teatros de Estudantes, que
reuniu mais de 800 jovens e que perduraria por seis edições de grande sucesso.
Até hoje, é considerado como um dos maiores
renovadores do teatro brasileiro, tendo sido, inclusive, o responsável direto
pela criação no país da ainda incipiente função de diretor teatral. Com apenas
26 anos iniciou sua carreira no teatro atuando como ator na peça Abat-Jour. Dois anos depois, em 1928, começou a escrever crítica
literária para O
Jornal. No ano seguinte, formou-se em direito e
iniciou uma campanha de coleta de fundos para a instituição da Casa do Estudante do Brasil (TEB),
inaugurada em 1937. Anteriormente, em 1930, fora premiado pela Academia
Brasileira de Letras por sua peça Pierrot.
Em 1946, sua obra Tomorrow Will Be
Different (Amanhã Será Diferente) foi apresentada em Londres e em outras cidades
europeias, com boa repercussão da crítica. Através do TEB, montou em 1948 a
peça Hamlet, de William
Shakespeare, na qual foi revelado o talentoso ator Sérgio Cardoso. Em 1949,
Magno criou um Festival
Shakespeare no Rio de Janeiro, quando foram encenadas as famosas
peças Romeu e Julieta, Macbeth e Sonho de
Uma Noite de Verão. Em 1952, além
de realizar uma extensa turnê com o TEB pelo norte do Brasil, Magno inaugurou o
Teatro Duse (hoje Teatro Duse -
Casa Pascoal Carlos Magno) em sua residência, em Santa
Teresa. O Teatro Duse,
que revelou, entre outros, autores como Antônio Callado e Rachel de Queiroz funcionou até
1956 com entrada franca.
Foi nomeado secretário-geral do Conselho Nacional
de Cultura, em 1962, quando então organizou a Caravana da Cultura que percorreu os estados do Rio de
Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas com 256 jovens que
apresentaram espetáculos de teatro, dança e música.
Criação da Aldeia de
Arcozelo em Paty do Alferes
Sua última grande realização como agitador cultural
ocorreu em 1965, ao criar a Aldeia de
Arcozelo em Paty do Alferes, uma fazenda
histórica do século XVIII, onde ocorreu a revolta
de Manuel Congo. A grande propriedade foi
doada pelo seu amigo João Pinheiro Filho para que Paschoal ali implantasse um
centro de treinamento de teatro e retiro para artistas. O empreendimento
dilapidou sua fortuna e o obrigou inclusive a vender seu casarão de Santa
Tereza. Segundo seu amigo e estudioso patiense Carlos Augusto Celino Bastos
Lisboa, ele pretendia transformar a fazenda em um templo que abrigasse todas as
artes, criando ali albergues para hospedar 250 estudantes, museu, teatro com
300 lugares, biblioteca, refeitório, capela em honra de São Francisco, salas para
oficinas e aulas de teatro, música, dança e pintura. Foram sete anos de muito
trabalho e arrecadação de recursos, elaboração de projetos, restauro
arquitetônico dos prédios e aprimoramento da área destinada a um estacionamento,
totalizando 100 mil m2 de terras e 40 mil m2 de área
construída.
A falta de recursos financeiros e a repressão da
ditadura militar, que fechou centenas de teatros no país, causaram decepção e
desespero em Paschoal. Segundo Carlos Celino, "(...) depois de implorar por ajuda em uma edição do Fantástico,
chorando e abatido, praticamente gritou, desesperado, que iria botar fogo na
Aldeia e incendiar tudo!" Seu grito comoveu muitos artistas e autoridades,
surgindo, então, muita pressão sobre o governo federal "(...) que prometeu ajuda. Contudo, o dinheiro custou tanto a chegar que
Paschoal acabou morrendo em 1980."
Contudo, nem este gesto foi capaz de saldar todas
as dívidas, e a Aldeia de
Arcozelo ficou fechada por vários anos, até ser
repassada para a FUNARTE que também não implantou nenhuma das medidas
determinadas por uma Ação Publica Civil. Hoje, a Aldeia de
Arcozelo é o Centro
Cultural Pascoal Carlos Magno, um sítio permanente de atividades artísticas sob
a administração da Prefeitura de Paty do Alferes.
Paschoal foi afastado da carreira diplomática
pelo Golpe Militar de 1964. Em 1974, ainda lançou um novo projeto, a Barca da Cultura, que desceu o rio São
Francisco de Pirapora a Juazeiro, porém sem a mesma
dimensão grandiosa dos projetos anteriores. Em 16 de janeiro de 1976, ao completar 70 anos de idade, foi homenageado
com uma crônica no Jornal do Brasil escrita
por Carlos
Drummond de Andrade. Nela, o poeta comenta que "(...) por sua vida curtida e generosa, tal data devia ser feriado nacional ".
Em 5 de abril de 1982 foi inaugurado, na cidade
de Novo Hamburgo, no Rio
Grande do Sul, o Teatro Paschoal Carlos Magno, homenagem mais do que justa
ao notável teatrólogo. Com capacidade para 400 pessoas sentadas, o espaço já
recebeu grandes nomes da cultura nacional.
Paschoal escreveu, entre muitas outras obras, as seguintes peças teatrais:
A Torrente (1918); Pierrot (1931); O Brasil é Nosso (1932); Tomorrow will
be Be Different (1946, Londres) e Seremos Sempre Crianças (1947).
Lançou, ainda, as obras poéticas Tempo que Passa (1922); Chagas de Sol (1925); Esplendor (1932); Poemas do Irremediável (1972) e Cantigas do Cavaleiro (1981).
Em 1944 editou seu único romance, intitulado Sol Sobre as Palmeiras.
No prefácio do seu
valioso trabalho biográfico sobre Paschoal, Carlos Celino afirma:
"A relação de amizade entre pessoas sempre
carrega em si respeito e admiração (...) De fato, Paschoal Magno foi um ser de
rara bondade e persistência. Com sua insaciável vontade de fazer acontecer,
enfrentou dificuldades de todas as ordens: econômica, financeira, política e,
por fim, de saúde, mas manteve a chama acesa por um sonho maior: o teatro e a
sua Aldeia de Arcozelo, dedicando amor ao seu sonho: garantir que Paty do
Alferes não seja jamais esquecida."
Felizmente, hoje a
Prefeitura de Paty detém a titularidade da Aldeia (graças a uma decisão
judicial), o que lhe confere o direito jurídico de nela implantar as obras
necessárias que promovam sua restauração e, assim, contribuam para o seu
merecido e tão desejado renascimento.
IMAGEM:
Paschoal e a Aldeia de Arcozelo