O Grande Armazém

As Origens de Arcádia - Parte 4

 13/01/2023     Historiador Sebastião Deister      Edição 432
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Como por vezes a compulsória parada em Arcádia mostrava-se demorada em função das atividades de manutenção dos trens, seus passageiros davam-se o luxo de visitar o comércio de subsistência instalado bem ao lado da estaçãozinha, representado por um grande e confortável empório de produtos variados, cujas dependências, que sofreram muito as injúrias do tempo e um lamentável abandono, mas agora, felizmente, em restauração, abrigavam um posto comercial que atendia também algumas famílias instaladas pelas proximidades da estação.

O armazém, erguido quase inteiramente em um misto de pau-a-pique e adobe com pesados alisares de pedra de cantaria sustentando oito largas portas (cinco frontais e três laterais) fornecia aos visitantes múltiplos artigos de alimentação e materiais básicos para as atividades domésticas, como insumos de limpeza e higiene, além de ferramentas e artefatos sortidos, entre eles tesouras, pregos, parafusos, serrotes, martelos, arame, linhas para costura, carreteis, tecidos, botas etc. Toda sua estrutura apoiava-se em enormes barrotes capazes de suportar, inclusive, o choque das águas do rio Santana quando de suas cheias assustadoras, como aconteceu em 1945 por ocasião da terrível inundação que atingiu vastas áreas de Paty do Alferes, Miguel Pereira, Vera Cruz, Arcádia e baixada de Paes Leme, levando consigo, inclusive, a ponte de Arcádia que conectava as duas margens do rio.

 

Inspiração na arquitetura romana

 

Por outro lado, o prédio destacava-se na paisagem por peculiaridades remetidas ao neoclássico, como, por exemplo, sua clareza construtiva e sua evidente inspiração na arquitetura romana caracterizada pelo uso direto e visível de formas geométricas bem definidas nas quais sempre se destacam os contornos e esquadrias retangulares e simétricas. Outro detalhe que chama a atenção na obra é o seu expressivo aspecto linear em que foram utilizados alguns objetos mais sofisticados e resistentes como pedra de cantaria, granito e imitação de mármore no entablamento superior da estrutura.

 

Fachada principal, encobrindo com elegância todo o contorno do prédio e ocultando, assim, a presença da telharia

 

Com efeito, a estruturação de sua platibanda encimava a fachada principal, encobrindo com elegância todo o contorno do prédio e ocultando, assim, a presença da telharia. Todo esse debrum tinha a cobertura de uma decoração artificialmente marmorizada habilmente manipulada em estuque, isto é, uma bordadura que, à primeira vista, de fato oferecia o nítido e belo aspecto de placas de mármore mas que, na realidade, nada mais era do que um desenho caprichoso e de muito bom gosto que saltava à vista. Por cima da cornija, ao longo de todo o frontão, apareciam vinte e dois óculos que permitiam a entrada de ar, refrescando assim todo o ambiente de serviço. Internamente, madeiras nobres como pinho-de-Riga, peroba e cedro foram fartamente utilizadas na confecção de elementos decorativos, portas de circularidade entre os vários ambientes e balcões de atendimento, atestando assim a qualidade e o refinamento daquela belíssima obra, cujos construtores, infelizmente, não puderam ser identificados.

 

1938 - 85 anos

 

Registre-se, ainda, que em 1938 os sócios Pullig e Rizzo, oriundos de duas tradicionais famílias de Avelar, montaram um posto de desnatamento em um anexo do armazém valendo-se da produção leiteira provinda de pecuaristas da região periférica de Bom Fim, em especial das fazendas do Livramento e Capote localizadas na estrada de ligação com o Lago das Lontras. O empreendimento durou cerca de sete anos, uma vez que após a grande enchente de 1945 toda a estrutura do prédio mostrou-se bastante comprometida, e os prejuízos causados pela perda de equipamentos levaram os sócios a encerrar suas atividades

Devido à sua posição geográfica, Arcádia foi a única estação da Linha Auxiliar levantada paralelamente ao rio Santana, cujas águas por vezes eriçadas e violentas podiam ser vislumbradas dos trilhos a partir de sua modesta plataforma de embarque.

 

Engenheiro Bernardo Sayão

 

Esse logradouro teve ainda outra significação especial para Miguel Pereira nas décadas iniciais do século XX. Caixa de Texto: Figura 11Dali partiu a estrada de terra que ligou a base da Serra da Viúva com a localidade de Governador Portela, muito utilizada pelos tropeiros da região ao longo dos primitivos tempos de colonização de tal área. Alargada e bem melhorada em seu piso lá pelos anos quarenta (inclusive com a efetiva participação do conhecido engenheiro Bernardo Sayão à frente de vários moradores de Miguel Pereira), a primeva estrada de rodagem - hoje Rodovia RJ-125 - acabou sendo o principal elo terrestre com Japeri, configurando, desde a década de cinquenta, o eixo econômico-financeiro e turístico dos distritos miguelenses, muito embora tal atividade rodoviária, representada, principalmente, pela chegada de transportes coletivos e pelo fluxo de caminhões mais rápidos que o trem, determinasse a desativação dos comboios ferroviários que por muitos anos ligaram nossa cidade à Baixada Fluminense.

 

Imagem: O grande armazém. À frente, parte da estrada de ligação com a serra