Apepi, em Paty, se torna a primeira fazenda legalizada para cultivo de maconha do estado do Rio
Paty entra para a história fazendo ciência, desenvolvendo pesquisa científica de cannabis no Brasil. No estado, a história da cannabis está sendo reescrita a partir do município
04/03/2022
Maconha
Edição 387
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Em julho de
2019, a Apepi conseguiu uma liminar da Vara Federal do Rio de Janeiro
autorizando o cultivo, pesquisa, manipulação e fornecimento de produtos à base
de cannabis aos seus associados. Todavia, após 3 meses, a liminar foi derrubada
por um recurso da Anvisa. Entretanto, a Apepi tem em seu cerne a desobediência
civil pacífica e no seu DNA o desejo de construir um mundo melhor. Seu processo
que estava concluso para sentença, saiu nessa sexta-feira, dia 25/2. Nesse período,
da perda da liminar até dia 25/2, a Apepi continuou a fabricar o óleo da
maconha, com o apoio e a anuência da sociedade civil brasileira.
A sentença
Foi nos
últimos minutos de sexta-feira, 25/2, às 23h53, que saiu a sentença proferida
pelo juiz federal Mario Victor Braga Pereira Francisco de Souza, da 4ª Vara
Federal do Rio de Janeiro, que declarou o direito da Apepi, (associação autora
da ação) de realizar pesquisar, plantio, colheita, cultivo, manipulação,
transporte, extração de óleo, o acondicionamento, a embalagem e a distribuição
do extrato de canabidiol, oriundo de cannabis sativa, exclusivamente
para fins medicinais e para destinação a pacientes associados a ela ou a
dependentes destes que demonstrem a necessidade do uso do extrato.
Lei já autoriza
Na sentença, o
MPF destacou a existência de autorização legislativa para o plantio de Cannabis
com fins medicinais como está disposto no Parágrafo único, do artigo 2º, da Lei
Federal nº 11.343/2006, onde estabelece que a União pode autorizar o plantio, a
cultura e a colheita dos vegetais, referidos no caput deste artigo,
exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo
predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas
supramencionadas.
Margarete Brito
O teor da sentença
foi o que Margarete Santos de Brito, fundadora da Apepi (Associação de Apoio à
Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicinal), tanto esperava. Segundo
Margarete e o marido, Marcos Langenbach: "Foi do jeitinho que
precisávamos para que sigamos nos moldes da RDC 18, ou seja, farmácia viva".
A Apepi foi
fundada em 2014, e, apenas sete anos depois, que a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) regulamentou a fabricação e a venda de produtos
para uso medicinal nas farmácias brasileiras pela Apepi. No entanto,
recentemente, a liminar havia sido derrubada por um recurso da própria Anvisa.
Desde então, a Apepi estava trabalhando sem respaldo ou segurança jurídica.
"Mais uma vitória até aqui e, por tudo isso, queremos agradecer ao
juiz, ao MPF, ao nosso advogado, aos nossos colaboradores e a todos nossos
Associados. A luta está só começando. Viva as Associações!",
finalizaram.
Paty entra na história
No fim de
2019, o casal adquiriu a propriedade, na zona rural de Paty do Alferes, com 42
hectares, cerca de 420.000 metros quadrados, para cultivar maconha em escala
suficiente para fornecer remédio para os 1.000 associados.
De 1.000 a 3.000 associados
atendidos
Um ano após o
início da produção de maconha da fazenda, houve a possibilidade de que a Apepi
aumentasse o número de associados atendidos, que, hoje, são cerca de 3.000, e
saltou de 3 para quase 30 funcionários.
Mas a
plantação precisa ser ampliada para que as inscrições de novos associados
possam ser retomadas. Segundo Marcos Langenbach, "quando as inscrições estão
abertas, a entidade recebe cerca de 500 novos associados por mês. A pandemia da
Covid-19 e o excesso de chuvas atrapalharam muito a produção da planta da
cannabis e a produção do óleo em Paty".
Apepi (RJ) e a Abrace (PB)
A meta da
Apepi é plantar 10.000 pés de maconha (cannabis). O potencial da fazenda é de 50.000
pés. Em Campina Grande, na Paraíba, existe também a Abrace (Associação
Brasileira de Apoio Cannabis Esperança), que já chegou à marca de 25.000 pés e
produz óleo medicinal para milhares de pacientes.
1ª fazenda a plantar maconha
no estado
Na fazenda da
Apepi são quase 30 funcionários com carteira assinada. É a Apepi gerando
emprego em uma região do município de Paty do Alferes, local onde é difícil
abrir vagas de emprego, e mais ainda, com carteira assinada.
Segundo
Margarete, hoje, a Apepi investe na fazenda cerca de R$ 100.000,00 por mês, com
material de construção para ampliação dos laboratórios, área de clonagem das
melhores mudas de cannabis, mais a folha de pagamento. Toda maconha plantada em
Paty é transformada em óleo no laboratório da fazenda, onde ele é extraído da
cannabis.
As fases da produção do óleo
que trata 3.000 pessoas
A produção
começa no clone da muda mãe (as madres), porque todas as plantas têm que ter um
padrão, pois é para fazer remédio, esse clone é colocado para enraizar por 15
dias. Após o enraizamento, a muda clonada vai para o vaso crescer. Em seguida,
em uma segunda fase, já em um vaso maior onde a planta vai ficar mais 60 dias,
chega o momento de florir, quando ela vai para o platô de Flora, um local
cercado, com segurança, circuito de câmeras, vigia noturno etc. para evitar
roubos.
O ciclo
inteiro gira em torno de 100 dias. As flores são colhidas e seguem para a
secagem em armários por 7 dias, quando ela é embalada e armazenada em
geladeiras no laboratório. Nesse momento, tem início a parte da extração dos
canabinóides da flor que vão dar origem ao óleo. Após isso, uma amostra do
extrato é enviada à Unicamp, em São Paulo, para ser analisada e atestada sua
composição. Ao final, o extrato é diluído em azeite extra virgem, para então
ser embalado e enviado aos mais de 3.000 associados da Apepi no Rio de Janeiro.
Somente a Unicamp responde por 8% da pesquisa acadêmica de todo Brasil.
Rastreabilidade
Todas as
plantas são rastreadas através de QR Code, tecnologia que a Apepi implantou a
partir do know how da Abrace e que permite o acompanhamento e
rastreabilidade do remédio dando segurança ao sistema. Toda a cadeia produtiva
da semente da cannabis ao frasco de remédio tem que ser rastreável. Também é
nesse sistema que os associados são cadastrados, e onde receitas e laudos são
encaminhados para a área de pedido e dispensação do remédio, conforme a
prescrição do médico.
O que é cannabis medicinal?
É o termo
usado para se referir à Cannabis (maconha) quando ela ou produtos
fabricados com ela são usados com finalidade terapêutica. Sua indicação para
diversas enfermidades tem se popularizado graças aos avanços da ciência que
explicam seu mecanismo de ação e confirmam seus benefícios.
A Cannabis
sativa produz uma resina rica em canabinóides, moléculas que têm a
capacidade de regular nossa fisiologia de várias maneiras. Essas substâncias
são especialmente concentradas nas flores das plantas fêmeas da espécie.
Princípios Ativos
A Cannabis
produz mais de 80 tipos de canabinóides. Os que têm propriedades medicinais
mais conhecidas são o CBD e o THC.
Quem é a Apepi?
A Apepi foi
fundada, em 2014, pela advogada Margarete Brito e seu marido, o designer Marcos
Lins Langenbach, pais de Sofia Langenbach. Ao descobrirem que a maconha poderia
ser remédio para o controle das convulsões de sua filha decidiram lutar pelo
que era considerado tráfico internacional de drogas.
A Apepi é uma
associação civil, de direito privado, sem fins lucrativos e que, hoje, conta
com cerca de três mil associados e possui duas sedes: a sede administrativa
localizada na Rua do Ouvidor, Centro do Rio de Janeiro, e a
Fazenda-laboratório, localizada na cidade de Paty de Alferes, que busca ser
referência no cultivo de cannabis com foco nos estudos e pesquisas da
cadeia produtiva de produtos à base de cannabis, cujo produto seja de
baixo custo.
Objetivos
"Queremos
entender a cadeia produtiva, suas particularidades, custos, caminhos, o que
essa atividade pode ajudar onde ela está inserida, modificando a realidade e
das pessoas, principalmente as da zona rural. Nosso objetivo é ser um centro de
referência. Quando o projeto de lei 399 virar lei, talvez no próximo governo,
já estaremos muito avançados" diz Margarete.
Centro tecnológico de Paty de
Alferes
Hoje o sonho e
o desejo da entidade são transformar os laboratórios da Apepi em um parque
tecnológico para incentivo à pesquisa. Para Margarete, a produção do tomate e
da maconha são muito parecidas, principalmente quanto ao clima, à terra, à
umidade, quantidade de sol, etc. "Queremos que a Apepi se torne um modelo a
ser replicado no Brasil" disse Margarete.
Parcerias
A Apepi tem
contrato de parceria com a FIOCRUZ, UNICAMP, UFRRJ, IFRS, entre outras que
estão tramitando.
Associações de cannabis
medicinal são um modelo brasileiro em construção
Apesar da
proibição, as associações de cannabis medicinal como a Apepi - RJ, Abrace - PB,
Flor da Vida - SC, Maleli e Cultive - SP continuam a plantar cannabis, além de
oferecerem cursos de cultivo, extração e remédios a baixo custo para seus
associados. Estima-se que, hoje, mais de 36 Associações, de norte a sul do
Brasil, atendem mais de 50 mil pacientes - fonte: FACT (Federação das
Associações de Cannabis Terapêutica).
Potencial terapêutico
dos canabinoides mais conhecidos
THC
Dor
crônica, inflamações, anorexia, espasticidade muscular, náusea induzida por quimioterapia.
CBD
Convulsões, autismo, inflamações, ansiedade, psicose, neuroproteção.
Como funciona?
A ação medicinal da cannabis é
explicada por sua interação com o sistema endocanabinoide, um mecanismo de
regulação do metabolismo presente em todos os vertebrados e invertebrados.
Esse sistema é composto por canabinoides produzidos pelo nosso próprio
organismo - os endocanabinoides - e receptores específicos.