Os cinemas na serra
Foi durante o Festival que despontou, para o Brasil, um nome que se tornaria conhecido e respeitado até hoje: Milton Nascimento
24/11/2023
Historiador Sebastião Deister
Edição 476
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A hstória do cinema mundial só
foi possível com a invenção do cinetoscópio, em 1889, por William Dickson, o
criativo assistente de Thomas Edison que criou o primeiro instrumento capaz de
capturar imagens em movimento. Aos poucos, esse instrumento passou a ganhar
vários aprimoramentos e acabou por moldar a grande e milionária indústria
mundial de entretenimento que é o cinema.
Por sua vez, os irmãos Auguste Marie
Louis Nicholas Lumière (nascido em Besançon em 19 de outubro de 1562 e morto em
Lyon a 10 de abril de 1954) e Louis Jean Lumière (nascido também em Besançon no
dia 5 de outubro de 1864 e falecido em Bandon em 6 de junho de 1948),
apaixonados por inventos e fotografia, desenvolveram o cinematógrafo, uma
máquina pioneira destinada a filmar e projetar imagens.
Ressalte-se que tal mecanismo foi historicamente atribuído aos irmãos, mas na verdade ele
havia sido inventado por Léon Bouly no ano de 1892, que por descuido ou negligência teria perdido sua
patente, razão pela qual os Lumière registraram o cinematógrafo em 13 de
fevereiro de 1895. Isto explica porque os dois irmãos são considerados até hoje
os país do cinema moderno.
Ao contrário de outros aparelhos da época, este
permitia gravar e lançar as imagens em uma tela tornando a atividade mais
prática. Claro está que ambos estavam a par das descobertas de Thomas Edison e
Dickson, e cautelosos e responsáveis introduziram pequenas alterações nos
fotogramas para evitar problemas legais com os direitos autorais. Com isso, o
invento dos irmãos franceses superou os concorrentes e transformou-se no
aparelho preferido daqueles que desejavam registrar imagens em movimento.
Essas primeiras investidas em direção ao cinema
foram facilitadas pelo fato de os irmãos Lumière serem filhos de um fabricante
de materiais fotográficos, cuja fábrica localizava-se em Lyon, uma importante e
progressista cidade francesa. Dotados de muita imaginação, os irmãos também
trabalharam sobre as primeiras câmeras fotográficas, aperfeiçoando-as e assim
contribuindo para o surgimento da fotografia colorida. Por outro lado, através
do seu cinematógrafo começaram a realizar então seus primeiros filmes, captando
com êxito cenas variadas com o aparelho fixo e dessa forma evitando oscilações
que poderiam prejudicar a nitidez das imagens.
Em 28 de dezembro de 1895, no Grand Café de Paris
foi exibida a primeira projeção cinematográfica tal qual a conhecemos. Assim,
numa sala escura, foram projetados dez filmes de curta duração como "A
chegada do trem à estação de La Ciotat" ou "A saída
dos operários da fábrica", produções
que, é claro, constituíram os embriões das grandes películas atuais.
Curiosamente, esses notáveis pioneiros não
prosseguiram em suas carreiras exclusivamente com trabalhos no cinema. Louis
ainda inventaria o fotorama (tipo especial de máquina destinada a captar e
projetar fotografias panorâmicas), dedicando-se também à ciência em geral,
enquanto Auguste continuaria seus estudos em bioquímica e fisiologia.
O cinema é tido atualmente como a Sétima Arte,
fabricando ídolos e artistas de enorme capacidade de interpretação, mas também
mostrando ao mundo atores de talento duvidoso. Trata-se, de fato, de um
passatempo agradável, lúdico, informativo, educativo e cultural constituindo,
naturalmente, uma verdadeira e irresistível fábrica de ilusões. É um
entretenimento que o mundo todo aprecia, e raramente encontra-se alguém que diz
não gostar de cinema.
Miguel
Pereira, Portela e Paty
Tanto Miguel Pereira quanto Portela e Paty do
Alferes experimentaram uma época áurea de cinema. Fizeram sucesso os Cine Norma
(depois Cine Miguel Pereira), Cine Império (em Portela) e Cine Paty do Alferes.
Ofereciam sessões diariamente, exibindo um naipe variado de filmes, indo de
clássicos dos anos cinquenta até os anos oitenta (como Sansão e Dalila,
Spartacus, ... e o Vento Levou, Psicose, Ben-Hur, Amor, Sublime Amor, 2001: Uma
Odisseia no Espaço, Alien, Era uma Vez no Oeste e tantos outros). Não se tem
como certo quem criou tais casas de diversão em Portela e Paty, mas em Miguel
Pereira um dos seus primeiros proprietários foi o empresário Francisco
Perriconi.
Na verdade, antes do advento da televisão os
moradores das três cidades (e de seus distritos, é claro) tinham nas sessões de
cinema seu único atrativo, ou então precisavam ficar em suas casas acompanhando
notícias veiculadas pelo famoso programa Repórter Esso (da não menos famosa
Rádio Nacional) ou seguindo as emotivas radionovelas (muitos hão de se lembrar
da lacrimosa O Direito de Nascer). Por conseguinte, o escurinho do cinema (como
bem cantou a saudosa Rita Lee) serviu para consolidar muitos namoros, alguns
até furtivos. Além disso, era sempre um prazer acessar o hall do cinema para comprar drops
e outras balas, além da inefável e onipresente pipoca. Aliás, parece que ao
longo dos tempos cinema e pipoca acabaram se tornando praticamente sinônimos.
Em 1958, a revista Copacabana Ilustrada (que
mensalmente publicava dezenas de reportagens sobre Miguel Pereira e Paty), fez
o seguinte registro sobre o Cine Império de Portela:
"Quanta evocação ao
veranista de Miguel Pereira, Portela, Pedras Ruivas, Javary, Paty do Alferes a
simples menção do nome do CINE IMPÉRIO... Quanto "flirt", quanta ternura não tiveram
como cenário o simpático cineminha de Portela. Por isso as casas de diversão
são as queridas do povo. O CINE IMPÉRIO é o melhor da Linha Auxiliar. Grandes
filmes vão à cena. Quando lá estivemos estavam levando "Sansão e Dalila". E
para fim de conversa: Francisco Perriconi, dono do Cine Norma, de Miguel
Pereira, é frequentador assíduo do CINE IMPÉRIO".
Em 1972,
o 1º Festival do Cinema Nacional
Por seu turno, o Cine Norma (já rebatizado como Cine
Miguel Pereira) foi palco de um notável evento cultural. Durante as
comemorações do 17º Aniversário do Município em outubro de 1972, a então
prefeita Aristolina Queiroz de Almeida promoveu na cidade o 1º FESTIVAL DO
CINEMA NACIONAL, acontecimento inédito e raro que atraiu para Miguel Pereira
grandes atores, repórteres, cantores, cineastas e empresários de comunicação
que, durante três dias, circularam pela cidade e a tornaram ainda mais
conhecida depois da eleição da primeira prefeita do estado do Rio de Janeiro.
Apenas como lembrança, foi durante tal evento que despontou para o Brasil um
nome que se tornaria conhecido e respeitado até hoje: Milton Nascimento.
Atualmente, o Cine Miguel Pereira alberga uma
sapataria, o Cine Império (que durante algum tempo serviu como sede local do
INSS) agora é uma propriedade particular e o Cine Paty do Alferes abriga um
templo da Igreja Universal.
Imagem
1: Festival de Cinema de 1971 - A comemoração do encerramento do Festival
Imagem
2: Cine Império, em Portela, em 1958
A
partir da próxima edição: Bonifácio Portella, Farmacêutico, Político e Mecenas