Sítio Santa Thereza e suas conexões com a Fazenda Freguesia

Memórias de Paty do Alferes - 13

 14/06/2024     Historiador Sebastião Deister      Edição 504
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Não são de conhecimento público dados cronológicos confiáveis relacionados à época de criação do Sítio Santa Thereza hoje inserido no território de Arcozelo, em Paty do Alferes, mas o que se tem como certo é que, desde seus primórdios na centúria dezenove, a propriedade e sua produção agropastoril sempre estiveram intimamente ligadas à existência da pioneira Fazenda Freguesia, aglutinada, em vários aspectos fazendários, sociais, antropológicos e comerciais à história que abraça a gênese de Paty do Alferes.

De fato, a propriedade ganhou seus primeiros contornos no ano de 1730 graças aos trabalhos implementados pelo Alferes Francisco Tavares que comprara uma vasta gleba de terras ao tabelião Leonardo Cardoso da Silva às margens do Caminho Novo de Minas. Já em 13 de março de 1739, lavrava-se uma escritura pela qual Leonardo hipotecava parte daquelas terras para o pagamento de Rs. 100$000 (cem mil réis), quantia de pronto doada a Tavares para a construção de uma ermida católica na nascente Freguesia.

Ato contínuo, o Bispo D. Frei Antônio de Guadalupe referendou, através de Ofício Divino, a criação da Capela de Nossa Senhora da Conceição de Serra Acima da Roça do Paty do Alferes, obra primeva recentemente restaurada pela prefeitura patiense, cuja santa é até hoje reverenciada como padroeira da cidade. A Freguesia logo se transmutou em um conhecido albergue de tropas, sendo assim parada obrigatória de tropeiros, mascates, missionários, aventureiros, sertanistas e demais viajantes que demandavam o Caminho Novo tanto no trajeto Rio-Minas quanto em sentido contrário, atendendo a todos com hospedagem, alimentação, comércio de cereais e descanso de suas alimárias.

As fazendas Freguesia e Maravilha (cujo somatório de terras e gente perfazia 547,8 alqueires geométricos - (cerca de 26.513.520 m2 - e 452 escravos) foram adquiridas, nas décadas inicias do século XIX, junto aos herdeiros de Tavares pelo capitão-mor Manuel Francisco Xavier e sua esposa D. Francisca Elisa Xavier, responsáveis, inclusive, pela edificação da nova Matriz de Nossa Senhora da Conceição, iniciada em 1820 no topo do Morro de São Paulo, no centro da vila patiense. Acredita-se que, a este tempo, o Sítio Santa Thereza já estivesse em atividade, até porque muitos dos escravizados de Xavier ali trabalhavam, inclusive alguns que acompanharam Manoel Congo em sua audaciosa fuga em 1838, considerada por muitos historiadores como a maior de todas as rebeliões negras ocorrida no Sul Fluminense.

O capitão-mor era antipatizado pelos demais fazendeiros em função de sua arrogância e dos suplícios que aplicava aos escravos, o que levou o barão de Paty (Francisco Peixoto de Lacerda Werneck), então dono de várias fazendas na região e morador da Fazenda Monte Alegre a afirmar que "(...) Há muito tempo que se receava o que hoje acontece, por fatos que se têm observado entre esta escravatura (...)". A revolta escrava, portanto, não chegou a surpreender os poderosos senhores, mas levou Paty e até mesmo Vassouras a um estado de pânico. Foi brutalmente debelada pelo barão de Paty e seus subordinados lotados na Guarda Nacional. Manoel Congo, seu líder, foi enforcado em Vassouras em 4 de setembro de 1839 e seus companheiros submetidos a um cruel período de suplícios físicos.

Manuel Francisco Xavier faleceu em 20 de agosto de 1840. Sua viúva, D. Francisca Elisa Xavier, tornou-se a baronesa de Soledade por deferência de D. Pedro II em reconhecimento pelos seus trabalhos de benemerência em Paty capitaneadas, em especial pelas obras de conclusão da igreja local. O casal chegou a criar 8 filhos adotivos, que alguns pesquisadores acreditam terem sido filhos bastardos do capitão-mor. Por sua vez, a baronesa faleceu em seu palacete localizado em Niterói no dia 12 de outubro de 1855. Por testamento, as fazendas Freguesia, Maravilha e o Sítio Santa Thereza couberam a um dos filhos de criação, o tenente-coronel Gil Francisco Xavier, conhecido como Gil da Freguesia.

Em fins do século XIX, este hipotecou a Fazenda Freguesia (na ocasião com 360 alqueires e 202 mil pés de café) ao Dr. Joaquim Teixeira de Castro (mais tarde Visconde de Arcozelo), como garantia de um empréstimo para saldar dívidas de jogo. Não tendo condições de resgatar a hipoteca feita, Gil então repassou as propriedades para o visconde, casado à época com Maria Isabel Peixoto de Lacerda Werneck, a filha caçula do barão de Paty. Por seu turno, Gil, casado com D. Enidia Francisca Feijó Xavier, acabou morrendo com apenas 53 anos no dia 19 de novembro de 1880 na mais profunda miséria, não deixando descendentes. Só não foi enterrado como indigente graças à caridade do coronel Manoel Francisco Bernardes, um rico latifundiário na região e patriarca do clã Bernardes.

Em 1874, Joaquim Teixeira de Castro solicitou ao Rei de Portugal, D. Luiz I, o título de Visconde de Arcozelo, nome retirado da vila da Freguesia de São Miguel de Arcozelo, Conselho de Vila Nova de Gaia, em Portugal, onde nascera em 14 de fevereiro de 1825, alegando que o título já era de sua família. O título foi concedido pelo Rei e Joaquim passou a ser o visconde de Arcozelo por nomeação real de 7 de maio em 1874. Na mesma época, ele trocou o nome da Fazenda para Arcozelo.

Ao chegar ao Brasil, Joaquim foi convidado pelo barão de Paty para exercer o cargo de médico em suas fazendas. Com a morte do barão em 22 de novembro de 1861, o visconde e a esposa receberam de herança Rs. 62:005$120 (sessenta e dois contos, cinco mil e cento e vinte réis), tornando-se, simultaneamente, proprietários das fazendas Monte Alegre (com todos os seus pertences, terras, café e 131 escravos); Manga Larga (com 74 escravos, animais, gado, móveis, terras e cafezais) e Palmeiras (com casa de negócio e moradia, benfeitorias, 10.000 pés de café e mais 86,25 alqueires), entre outros bens. Com a morte da baronesa de Paty do Alferes em 7 de maio de 1866, o casal Arcozelo recebeu nova herança. O visconde ainda adquiriu do cunhado Luiz Peixoto de Lacerda Werneck (primogênito do barão de Paty) a Fazenda Nossa Senhora da Piedade (hoje Santa Cecília, em Vera Cruz, Miguel Pereira), recebida como herança do pai. Por essa transação, Joaquim Teixeira de Castro também se tornou dono da fazenda mais tradicional da família Werneck, construída pelo bisavô do barão de Paty, Manoel de Azevedo Mattos, em 1778. Em 1 de maio de 1891, o visconde faleceu vitimado pela febre amarela.

O Sítio Santa Thereza, inteiramente restaurado em suas características históricas, pertence a particulares quer não mantêm laços familiares com os ex-proprietários da Fazenda Freguesia.

 

IMAGEM: Aspecto do Sítio Santa Thereza