Entrevista com o advogado Marcello Oliveira
"Hoje, o advogado está pagando para trabalhar, muitas vezes arcando com as custas processuais iniciais (as mais caras do Brasil, segundo o CNJ) e com o risco de insucesso da causa. Em outras palavras, o TJRJ está drenando a renda do advogado"
06/09/2024
Entrevista
Edição 510
Compartilhe:
Os 25 anos de profissão do advogado Marcello Oliveira foram
marcados por vitórias e reconhecimento de seus pares. Nos últimos 17 anos, ele
atuou continuamente na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), tendo iniciado sua
trajetória como presidente da Comissão de Exame de Ordem. Depois, foi
diretor-tesoureiro da OAB-RJ e presidente, por dois mandatos, da CAARJ,
retornando à posição de diretor-tesoureiro da Seccional em 2019. Sobre o acesso
à Justiça pela população, Marcello reconhece que há dificuldades.
"Temos que democratizar o acesso ao
judiciário"
1) Vale a pena ser advogado? Qual o futuro da advocacia?
Quais as perspectivas de mercado para os recém-formados
em início de carreira?
Marcello - A advocacia
é a profissão mais bonita que existe por assegurar aos cidadãos o exercício dos
direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição e nas leis do País.
Nesse sentido, sempre será necessária e gratificante. O mercado, porém, foi
severamente impactado pela tecnologia e mais ainda por uma política excludente
e elitista do TJRJ, que tenta, a todo custo, reduzir artificialmente o acervo
de processos, aumentando custas sem proporcionalidade com o serviço prestado.
Hoje, o advogado está pagando para trabalhar, muitas vezes arcando com as custas
processuais iniciais (as mais caras do Brasil, segundo o CNJ) e com o risco de insucesso
da causa. Em outras palavras, o TJRJ está drenando a renda do advogado. Não
apenas temos que fazer o enfrentamento sério e profundo desse tema, mas
trabalhar para o Rio de Janeiro voltar a ser referência em muitas áreas do
Direito, evitando o êxodo de profissionais para São Paulo e outros estados.
Ainda há esperanças, mas precisamos de uma OAB independente ao nosso lado.
2) Muita gente ainda considera difícil o acesso à
Justiça. Qual a sua avaliação quanto ao funcionamento do poder judiciário?
Marcello - Nunca
esteve tão difícil. Houve uma queda enorme do número de servidores nos
cartórios do TJRJ. Alguns milhares deixaram o serviço público, mas o Presidente
não renovou o último concurso. Acredita que resolverá todo o problema com
inteligência artificial, o que vai apenas desumanizar o serviço público e
afastá-lo ainda mais da população. Além disso, há uma clara política não
escrita em vigor de reduzir as indenizações concedidas em matéria de direito do
consumidor para também desestimular novas demandas, como se isso fizesse os
problemas de consumo desaparecerem. A questão mais crônica é a grande
morosidade. O TJRJ é o quarto mais congestionado do País. E, apesar das
autoridades falarem em litigância predatória para se escusarem da
responsabilidade, o maior litigante no RJ é o próprio Estado: 49% do acervo do
TJRJ de primeiro grau é de execuções fiscais.
3) Qual o papel da OAB para o bom funcionamento do
sistema de justiça?
Marcello - A
OAB deve funcionar como uma grande mediadora do mercado e sua atuação nunca foi
tão necessária como agora, diante da escassez de oportunidades no Estado. Temos
que democratizar o acesso ao judiciário, às autoridades, criar laços
institucionais e não pessoais. Não podemos aceitar conviver no Rio de Janeiro,
o segundo PIB do País, com uma concentração de poder e riqueza que se apresenta
como via exclusiva de acesso ao serviço público. A Ordem existe para lutar por
um ambiente de trabalho inclusivo e um mercado saudável, no qual todos possam,
igualmente, competir sem privilégios. A Ordem tem que olhar para a advocacia
real e não para a realeza.
4) A Ordem pode melhorar sua prestação de serviços ao
advogado? O que poderia ser criado?
Marcello - Muito.
A OABRJ está defasada em termos de serviços. Não conseguiu sequer concluir a
implementação do seu processo eletrônico interno. A resistência é gigantesca.
Por isso, até hoje, se exige o protocolo físico na sede da entidade para várias
demandas. A verdade é que ainda são ofertados os mesmos serviços criados 15
anos atrás. Na época da digitalização dos processos pela Justiça, esses
serviços eram suficientes, mas, hoje, não são mais. Você precisa conhecer seu
usuário, saber suas necessidades específicas e entregar produtos customizados
no formato mais acessível possível. Assim, ficará muito mais perceptível o
valor devolvido ao colega. Aliás, essas medidas abrem, inclusive, a possibilidade
de redução de gastos e, consequentemente, da anuidade cobrada. Muitos desses
projetos foram apresentados, mas ignorados.
5) Há um crescimento da presença feminina na advocacia. O
que precisa ser aperfeiçoado para recebê-las em maior quantidade?
Marcello - O Conselho
Federal estabeleceu a paridade de presença feminina no Conselho. Isso
representou um avanço gigantesco, mas ainda não se reflete em políticas
concretas para reduzir as diferenças salariais e de ascensão profissional no
mercado. Cerca de 80% das colegas relatam já terem sofrido violência de gênero
no trabalho e 45,5% dizem que pensaram em desistir da profissão por isso. É
algo inadmissível. Então, a paridade apenas produzirá efeitos consistentes
quando houver uma política que assegure isonomia no mercado de trabalho. E isso
ainda não se tornou prioridade para a OABRJ.
Entrevista
concedida ao jornalista Sidney Rezende do jornal O Dia.