Cachaça Magnífica, de Miguel Pereira para o mundo

João Luiz foi mais do que o produtor da melhor cachaça brasileira, ele organizou o setor de cachaça no Brasil e é respeitado em todo o mundo

 02/10/2020     Economia municipal      Edição 312
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"Se o Brasil fosse um país sério, a cachaça seria a bebida mais consumida no mundo"

jurista Sobral Pinto

A Cachaça Magnífica completou seus primeiros 35 anos. Ela nasceu na Fazenda do Anil, na junção dos municípios Miguel Pereira, Paty do Alferes e Vassouras. São 90 alqueires, cerca de 4.300.000 m, de canaviais que geram mais de 1 milhão de litros por ano da mais pura cachaça consagrada no Brasil e exportada para o mundo - especialmente para Inglaterra, França, Alemanha e Itália.

O projeto teve início com os amigos Paulo Sérgio Cerveira e Marcelo Barreto - este que foi administrador da Fazenda Cachoeira, em Vassouras, durante muitos anos, e esta, por sua vez, produz cachaça desde 1755, há quase 300 anos. João Luiz estava em busca de uma atividade econômica que o prendesse mais a Miguel Pereira, e por isso topou o negócio.

A Fazenda do Anil não tinha nenhuma benfeitoria, só se percorria a fazenda a cavalo. Hoje, a Fazenda tem quilômetros e mais quilômetros de estradas em montanhas com altitudes variadas - 750 a 850 metros acima do nível do mar.

Em 1986, a montagem do alambique foi executada por ciganos que acamparam na Fazenda e trabalharam com o cobre para a montagem das panelas. Na verdade, são três corpos que proporcionam maior aproveitamento do caldo fermentado da cana sem perda de qualidade. Esse tipo de alambique, chamado de Alambique Alegria, é cada vez mais raro, e hoje, operando no Brasil, só o da Magnífica. O resto dos equipamentos foram sendo comprados em Minas Gerais, como caldeira, moenda, motor a vapor, esteiras (servem para alimentar a moenda e levar o bagaço para a queima na caldeira), dornas (fermentação do caldo da cana) e tonéis (armazenamento da cachaça). O engenheiro João Luiz se envolveu diretamente na montagem dos equipamentos idealizados por Marcelo.

Presidente da Finep

Em 1990, com a nomeação de João Luiz para a presidência da Finep, do Ministério da Ciência e Tecnologia, o projeto foi abandonado. Marcelo voltou para São Paulo e Paulo Sérgio Cerveira, na verdade, nunca realmente chegou a se interessar, Paulo estava mais interessado em montar um haras. A Fazenda foi colocada à venda e ficou parada quatro anos. Os canaviais e o estoque de cachaça se perderam, e o engenho, ainda sem cobertura, foi danificado pelas chuvas. Nesses quatro anos, não se encontrou nenhum comprador para a Fazenda. Então, João Luiz resolveu salvar o investimento sozinho e a empresa foi reformulada em 1994. Para gerar receita para a reconstrução, ele vendeu apartamentos na Zona Oeste do Rio. Nesse momento, ficaram apenas João Luiz e sua esposa Cau.

Em 1995, a Fazenda começou a produzir novamente depois de muito trabalho, novos canaviais e a reconstrução dos equipamentos. Nessa época, decidiu-se sair da clandestinidade, formalizar a empresa e solicitar o registro da marca. Então, em 2002, a empresa ganhou endereço no Rio. Os primeiros vendedores começaram a atender o mercado já aberto e ampliá-lo. João Luiz pôde, finalmente, se concentrar na produção e na Fazenda.

Uma dose de cachaça valia menos que um cafezinho

O trabalho de João Luiz foi muito além de iniciar um alambique partindo do zero duas vezes. Naquela época, a dose da cachaça não valia mais do que um cafezinho, era coisa de trocados. O setor era desorganizado e dominado pela produção industrial que inundava o mercado. A cachaça era a bebida alcoólica mais barata do Brasil. Os produtores de alambiques pequenos vendiam o produto na porta de suas fazendas ou nas vendas da redondeza, escondendo-se dos fiscais. Não havia política pública para o setor, a não ser fiscalização e penalização, que fez muitos fecharam as portas.

O começo da mudança

A grande virada começou em outubro de 1996, com uma "Missão de Negócios" enviada do Brasil à Escócia. A missão foi proposta pelo Sindicato de Bebidas do Ceará, com apoio do Sebrae Nacional, da Associação das Indústrias do Ceará e da Universidade Federal do Ceará. O grupo foi composto também por representantes da Ypioca, Targino & Filhos, JP Industrial, Grupo Intersindical de Bebidas, GIB, Nutec e Finep (João Luiz). Lá, foram recebidos pela Associação do Whisky Escocês, que os levou para conhecer os principais produtores de whisky e para entender as políticas públicas de proteção e promoção do produto escocês.

O exemplo que veio do Reino Unido inspirou o Brasil

Eles conheceram como o produto contribuía decisivamente para a economia do país e como o país desenvolveu uma política para cuidar da qualidade e desenvolver a produção e a exportação do whisky. Em 100 anos, o produto escocês deixou de ser clandestino, sujeito à fiscalização e sufocado pelos impostos e passou a ser um dos principais itens de exportação do Reino Unido.

Depois da missão ao Reino Unido, João Luiz voltou com a crença de que tinha um produto com potencial inexplorado da cachaça de alambique. Para ele, tornou-se evidente que o país dispunha de uma riqueza relegada ao esquecimento e um mercado promissor de ser explorado.

Em 1997 veio o Programa Brasileiro

Em 26 de novembro de 1997, foi lançado o Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Aguardente de Cana, Caninha ou Cachaça. O lançamento foi na sede da Confederação Brasileira da Indústria (CNI), em Brasília. Estavam presentes produtores de todo Brasil, diversos ministros da área e o presidente da República em exercício, Marco Maciel.

Em 1999 foi a vez do estado do Rio

Em 1999 foi a vez do estado do Rio de Janeiro se organizar e então ocorreu o 1º Fórum sobre a Produção Qualificada de Cachaça e Derivados de Cana de Açúcar, em Itaperuna, sob a coordenação do Ministério da Agricultura, Sebrae, CNI, Firjan, UFRRJ e prefeitura. Ao final do evento, em 10/12/1999, foi criada a Associação dos Produtores e Amigos da Cachaça do Estado do Rio de Janeiro, e João Luiz foi escolhido, por aclamação, como primeiro presidente da entidade. Já na sua criação, reuniu 64 associados de 31 municípios de diversas regiões do estado.

A marca Magnífica

Depois de muitas sugestões e consultas ao INPI, um amigo da família sugeriu "magnífica" em função da esposa de João Luiz ter sido reitora da Universidade Santa Úrsula, no Rio. Como os reitores de universidades são tratados por Magnífico Reitor, Cau era carinhosamente chamada entre os amigos de "magnífica". A sugestão emplacou, colou e virou um sucesso nacional.

A embalagem

Até esse momento, a cachaça era comercializada em bombonas de plástico a granel e em garrafas de cerveja fechadas com rolha de cortiça, sem marca e com nomes engraçados e pitorescos. João Luiz sacou que seu produto era diferenciado e, por isso, pedia uma nova atitude à altura do produto que produzia.

Escolhida uma garrafa quadrada, João Luiz decidiu que a impressão do nome (rótulo) seria em silk screen, um diferencial para a época, e que no desenho teria um alambique em preto e amarelo para a cachaça armazenada em barris de madeira de Ipê, um diferencial importante sugerido pelo sobrinho Marcelo, estudante de design.

O presidente da República posa com a garrafa

Tais modificações chamaram tanta atenção que quando o presidente da República  Marco Maciel foi tirar a foto do encontro, foi a garrafa da Magnífica que ele pegou para a foto. João estava certo e, de lá para cá, a maioria das cachaças "premium" adotam garrafas diferenciadas.

A Cachaça Magnífica e seus tipos

Hoje, são quatro tipos de cachaça: a Magnífica Tradicional, que descansa no mínimo dois anos em tonéis de ipê de 50.000 litros; a Magnífica Envelhecida, que permanece em barris de carvalho de 200 litros pelo mesmo prazo; a Magnífica Soleira, que passa por 236 barris de carvalho de 200 litros por um período médio de 6 anos; a Magnífica Bica do Alambique, que tem o máximo de teor alcóolico permitido para a cachaça e a Magnífica Safra do Ano, que foi criada em 2017 e é armazenada sem qualquer contato com a madeira.

Cachaça Magnífica 12 anos - Magnífica Single Cash

Por acaso do destino, também em 2017, foram descobertos barris que estavam em local de difícil acesso e que não eram mexidos há 12 anos. Quando importadores italianos tomaram conhecimento do fato, resolveram lançar a Magnífica One Cash, uma edição especial com garrafas numeradas e exclusivas para o mercado italiano.

Restaurante Las Iguanas, na Inglaterra: um caso de amor

A exportação para a Inglaterra é um caso especial e uma relação de amor. Em 2002, um grupo de ingleses, donos de uma rede de restaurantes de comida típica mexicana na Inglaterra, vieram ao Brasil conhecer a comida e a cachaça brasileira, e foi assim que o casal João Luiz e Cau conheceu a rede Las Iguanas. Em 2003, eles levaram algumas amostras para a Inglaterra. Em retribuição, o sócio Ajidth veio ao Brasil e foi visitar a Fazenda. Hoje, a rede Las Iguanas, com 40 restaurantes, mantem um canavial em Miguel Pereira, onde sua cachaça é produzida, e isso é sinônimo de orgulho para os ingleses.

Onde se encontra a Cachaça Magnífica no mundo

Ela é distribuída, sobretudo, para o mercado do Rio de Janeiro, mas é exportada regularmente para a Inglaterra (desde 2003), Alemanha (desde 2010), Itália e França (ambas desde 2016).

SHINY NAIL

O coquetel de cachaça criado pelos ingleses

1 dose da cachaça Magnífica Soleira

1/2 dose do licor Cointreau ou Drambuie

5 gotas de limão (inclusive na borda do copo)

3 pedras de gelo

Saravá meu pai!