O assalto ao trem pagador em Miguel Pereira completou 60 anos
Considerado como um dos mais audaciosos da história, que levou 27 milhões e 600 mil cruzeiros, ele só é comparado ao recente assalto ao Banco Central
03/07/2020
Cultura
Edição 299
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O assalto ao trem pagador completou 60
anos no dia 14 de junho. O assalto ocorreu em Paes Leme, Miguel Pereira, por
volta das 8h30min, por mascarados armados com metralhadora e revólveres de
grosso calibre. O local escolhido foi denominado popularmente como "Curva da
Morte" - era o quilômetro 71 da linha auxiliar da Central do Brasil.
O assalto foi um dos mais audaciosos
da história policial brasileira, pois esse trem levava o pagamento de mais de
mil ferroviários de várias estações. Todo o dinheiro estava contido em uma
caixa de madeira guardada pelo funcionário Cícero de Carvalho e mais dois
auxiliares.
Para facilitar o ataque, os
assaltantes dinamitaram os trilhos e fizeram descarrilhar a locomotiva e o
vagão (pagador). Eles entraram no trem disparando, levando em poucos minutos
todo o dinheiro que havia dentro do trem.
Esse assalto surpreendeu até os mais
experientes policiais relacionados a tal tipo de crime pela audácia e precisão.
A direção da Central do Brasil foi pega de surpresa e não passava na cabeça dos
seus executivos que tal fato pudesse acontecer, tanto é que o trem (pagador)
circulava todos os meses nos mesmos dias e horários, e exatamente na mesma
linha - esse foi o erro!
O assalto
Tudo começou na altura do km 72 da
linha auxiliar entre a estação de Japeri e Paes Leme. O trem estava levando um
volume de dinheiro três vezes maior do que o de costume para pagar, além do
salário normal, mais dois meses de abono, decretado dias antes pelos diretores
da Rede Ferroviária Federal. Segundo relatos, tudo estava tranquilo como sempre.
No último dos vagões, os funcionários separavam o dinheiro, este que, ao invés
de estar trancado dentro do cofre existente no vagão, estava em caixas e latas,
exatamente para facilitar o trabalho do pagador e de seus auxiliares.
Repentinamente, ouviram-se algumas
explosões seguidas de ruídos nas rodas, aparentemente descarrilhadas do trem.
Aos solavancos, a composição ia, aos poucos, parando, deixando os ocupantes do
trem perplexos e sem saber o que acontecia.
Tão logo o trem parou, uma voz
imperiosa, forte e aparentemente distante gritou, através de um megafone, no
melhor estilo cinematográfico: "Isso é um assalto! Desçam já do trem! Se
reagirem, serão mortos sem piedade". Paralelamente, ouviram-se tiros e mais
tiros, enquanto as vozes se aproximavam do vagão onde se encontrava o dinheiro.
O saldo do tiroteio
Eusébio Galvão, guarda da linha da
Central, levou um tiro na boca; Sebastião Alvarenga Vale ficou ferido; Leonel
Esteves foi baleado na coxa; e Círio Antônio da Silva levou muitas coronhadas.
Leonel disse que assim que pulou do trem levou um tiro na coxa e, com medo,
escondeu-se perto dos trilhos enquanto assistia a toda a cena. Segundo ele,
deveriam ter uns seis assaltantes à vista. Ele viu também um homem alto (talvez
com mais de 1,80 m de altura), negro, parrudo e com sotaque nordestino que
usava como máscara uma meia feminina que lhe cobria o rosto, além de luvas
pretas. Este era o líder que dava as ordens. Usando uma pistola automática de
grosso calibre em cada mão, ele foi o primeiro a entrar no vagão do dinheiro.
Seu auxiliar, o segundo no comando, era magrinho, baixinho e muito nervoso; não
se preocupou em esconder seu rosto, sempre repetindo que iria executar os
trabalhadores, porque "morto não fala". Foi ele que levou o pessoal do
trem para perto do barranco, repetindo sempre que iria matar todo mundo, mas
era impedido pela maioria dos companheiros. Dizia também que iria jogar bananas
de dinamite na composição e mandar tudo pelos ares.
As vítimas
Quando
Leonel, escondido, ouviu essas ameaças, saiu de seu esconderijo pedindo
clemência, dizendo que não queria morrer. Ele achou que seus dias haviam
terminado. Porém, o chefe disse "deixa pra lá", e logo fugiram
carregando todo o dinheiro, um total de 27 milhões e 600 mil cruzeiros. Círio,
que levou as coronhadas, contou uma história semelhante: ele estava no vagão quando
dois mascarados apareceram, um deles investindo contra ele, gritando que "muita
gente vai morrer" e desmaiando a coronhadas. Eusébio Galvão, que levou um tiro
na boca, entrou em estado de coma, mas conseguiu sobreviver. O único que
faleceu não era funcionário da Central do Brasil: o operário Francelino
Correia, que viajava de carona, levou um tiro na testa, não resistiu e morreu
na hora.