Sardoal e Sertão do Calixto

Paraíba do Sul, no Tempo e na História

 20/12/2024     Historiador Sebastião Deister      Edição 516
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O topônimo Sardoal identifica uma vila portuguesa pertencente ao distrito de Santarém, na província do Ribatejo, integrando a região do Oeste e do Vale do Rio Tejo com menos de 2. 000 habitantes. É sede do pequeno município do mesmo nome com 92,15 km² de área e cerca de 4.000 habitantes, subdividido em 4 freguesias. O município é limitado a norte pelo município de Vila de Rei, a leste pelo de Mação e a sul e oeste pelo de Abrantes, Portugal.

Perderam-se no tempo as origens da vila de Sardoal, e não são conhecidas memórias que, por escrito ou tradição, possam detalhar seus primeiros momentos como parte integrante da vida portuguesa. O documento mais antigo existente no Arquivo Municipal em Santarém é uma Carta da Rainha Santa Isabel, datada de 1313. É da tradição que o Sardoal teve o seu primeiro foral (isto é, atestado que fixava os direitos e deveres dos moradores entre si e em relação ao concedente e que definia as regras de administração do território), dado por esta rainha, no mesmo ano de 1313, fato do qual, contudo, não há evidência histórica segura.

D. João III elevou a povoação de Sardoal à categoria de Vila em 22 de setembro de 1531, e demarcou os seus limites territoriais por carta de 10 de agosto de 1532. No entanto, o mais importante de tais terras é que muitos imigrantes portugueses vindos para o Brasil acabaram por se estabelecer na região sul da província do Rio de Janeiro, vindo, por fim - no que se refere ao território de Paraíba do Sul - escolher como pouso a fecunda área média do rio Fagundes localizada a aproximadamente de 300 metros de altitude. Esta vasta região, ostentando o nome tão tipicamente português de Sardoal, caracterizou-se sempre por uma proveitosa atividade agrícola. Suas belíssimas a agradáveis várzeas - Membeca, Rio Manso, Sertão do Calixto e Matosinhos, principalmente - serviram de berço para muitas famílias importantes e pioneiras, como as de Caetano Borges da Costa, Calixto Cândido Gonçalves, Francisco Rodrigues Manso, Joaquim José dos Santos Silva e especialmente Pedro da Costa Lima, este o fundador do Santuário de Matosinhos.

Na larga esplanada englobada sob o nome genérico de Sardoal, o latifundiário Manuel Vieira Afonso adquiriu, em 1768, um sítio na periferia do Caminho do Major Bernardo Soares Proença, ampliado em 1780 para constituir a Fazenda do Córrego Seco, vendida em 1830 a D. Pedro I e posteriormente urbanizada por Júlio Frederico Köeller para a formar o núcleo urbano da cidade de Petrópolis sob ordens e supervisão direta de D. Pedro II.

Ao longo do Caminho Novo de Minas...

Ao longo da primeira metade do século XVIII, todas as amplas e férteis áreas de terra situadas ao sul das bacias dos rios Fagundes e Secretário já se encontravam ocupadas pelas sesmarias abertas ao longo do Caminho Novo de Minas, nas quais seus proprietários aos poucos implantavam os engenhos que iriam produzir o açúcar tão solicitado pelos comerciantes do Rio de Janeiro. Por conseguinte, os novos desbravadores que por ali aportavam viram-se na contingência de penetrar ainda mais pelos grotões que delimitavam as nascentes daqueles rios e, por via de consequência, acabaram por se estabelecer junto às vertentes da Serra da Sucupira, nas quais abriram suas roças de subsistência e deram início à criação de gado, aves e outros pequenos animais.

Tais atividades ensejaram o nascimento de alguns arraiais humildes, posto que bem produtivos, centralizados em especial em Matosinhos, Sardoal, Membeca e Rio Manso. Já no século XIX, surgia na região o logradouro de Sertão do Calixto, fundado por pioneiros chegados principalmente do já bem estabelecido Arraial de Sebollas.

Caracterizadas como uma zona puramente rural controlada por algumas poucas famílias, e tendo como fulcro um humilde centro urbano, tais localidades nada de interessante ofereciam a moradores e visitantes,  a não ser o refrigério de uma igreja católica abençoada pelo orago São Sebastião, as instalações de uma escola muito simples e desaparelhada de qualquer conforto maior, um ou outro entreposto à guisa de mercearia e, como não poderia deixar de ser, as casas mais humildes dos desbravadores que por ali sobreviviam a duras penas. A cavaleiro de tudo, naturalmente, erguia-se, senhorial e poderosa, a casa-vivenda de um fazendeiro por vezes mais abastado e generoso.

Talvez por apresentar uma vale bem mais extenso e fecundo, e por ser o vilarejo mais bem centralizado de todos naquele perdido rincão fluminense, em determinada época o chamado Sertão do Calixto viu-se beneficiado pela Câmara Municipal de Paraíba do Sul, que ali mandou construir um cemitério que substituísse aqueles que, por tradição, tinham sido organizados em fazendas periféricas, até porque, na década de 1810, a secularização das inumações determinava a desativação de as necrópoles alocadas junto aos grandes latifúndios da região.

De fato, o Sertão do Calixto até hoje mostra sua perfeita face de ontem histórico: de um lado da estrada que conduz a Sardoal e ao Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, eleva-se a Igreja do Padroeiro São Sebastião e o decrépito prédio onde funcionava o primevo armazém local, este marginando outras vias de contato com o Rio Manso e Avelar. Já na outra margem do caminho, repousa seu multitudinário cemitério separado da escola local pela estreita e sinuosa estradinha que conduz a Cavaru. E, no entanto, sem que o viajante se dê conta, naquela centenária e ainda verdejante planície dormem os ecos de grande parte da História do Sertão da Paraíba desbravado há mais de três séculos pelo sertanista Garcia Rodrigues Paes.