Gonzagão e Gonzaguinha entre nós

Não conseguindo resolver tantos problemas, Gonzaga radicalizou e matriculou o jovem no Internato Ginásio Barão de Paty do Alferes para desespero dos padrinhos

 26/05/2023     Historiador Sebastião Deister      Edição 451
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Para entendermos melhor como Gonzaguinha criou um relacionamento com nossa região, devemos inicialmente recordar sua origem e seus primeiros tempos de vida. Com efeito, em 22 de setembro de 1945 uma cantora de coro chamada Odaléia Guedes dos Santos deu à luz um menino, no Rio de Janeiro. Luiz Gonzaga mantinha um caso amoroso havia meses com a moça, iniciado, a bem da verdade, quando ela já estava grávida.

Contudo, tomando conhecimento de que sua amante teria de assumir a condição de mãe solteira, honradamente assumiu a paternidade da criança, adotando-a e dando-lhe seu nome: Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior. Odaléia, que também era sambista, fora expulsa de casa por ter engravidado do namorado, que não quis assumir sua gravidez e muito menos a criança.

Ela acabou parando nas ruas do Rio, sofrendo bastante e tentando sobreviver, até que, com a ajuda de alguns amigos, conseguiu direcionar seu talento para o canto e a dança, passando a se apresentar em casas de samba no centro da cidade, onde, por fim, conheceu Luiz Gonzaga. Suas relações eram muito conturbadas e recheadas de brigas, desencontros e discussões, tudo alternado com forte atração física e intensa paixão.

Após o nascimento de Gonzaguinha, as brigas tornaram-se ainda mais violentas, uma vez que o ciúme teimava em se interpor entre eles. Depois de apenas dois anos de convivência, decidiram que seria melhor enfrentar a separação: Odaléia encarregou-se de criar Gonzaguinha, mas Luiz Gonzaga, vez por outra, ia visitá-los no morro de São Carlos, local escolhido por ela para morar e onde Gonzaguinha passou praticamente toda sua infância.

Em 16 de junho de 1948, Luiz Gonzaga casou-se na Igreja de Nossa Senhora Aparecida, no Méier, com a também pernambucana Helena Cavalcânti, professora que tinha se tornado sua secretária particular e por quem Luiz se apaixonara tão logo ela iniciara seu trabalho. O casal viveu junto praticamente até o fim da vida, muito embora no outono de sua vida, Gonzaga se separasse da esposa e passasse a viver ao lado de Edelzuita Rabelo (a Zuita). Helena não lhe deu filhos, mas adotaram uma menina, a quem batizaram de Rosa Maria Gonzaga do Nascimento, a Rosinha.

No mesmo ano de 1948, Odaléia morreu de tuberculose, provocanmdo uma crise de desespero em Gonzaga, até porque o menino, que ainda não completara 3 anos, teria de enfrentar a dura condição de órfão. Luiz envidou todos os esforços no sentido de levar o garoto para viver com ele e Helena, no Cachambi, mas esta não concordou com  tal pedido. A própria mãe de Helena - Marieta - considerou a ideia um verdadeiro absurdo pelo fato de Gonzaguinha não ser filho biológico de Gonzaga.

Sem saída, ele entregou o filho para Henrique Xavier Pinheiro e a esposa Leopoldina, padrinhhos da criança, para terminarem de criá-lo no Morro de São Carlos, porém Luiz não deixava de visitar a criança e de prestar-lhe a devida assistência financeira. Apesar dessa situação um tanto crítica para o garoto - agravada pelo fato de Gonzaga viajar muito e, por vezes, não aparecer no morro -  Luizinho (que adotaria o nome Gonzaguinha apenas quando adulto) foi criado como muito amor e sem experimentar maiores dificuldades. Xavier o considerava como um filho de verdade, e o introduziu no mundo da música, ensinando-lhe viola, enquanto o menino tinha na madrinha uma guardiã amorosa que cuidava de seus estudos e de sua adolescência.

É também fato que Luiz não se dava bem com o garoto. Embora procurasse vê-lo e atender suas exigências como filho, foi rareando suas visitas, pois sempre que o via brigava com ele. Gonzaga confundia amor com um ar autoritário que se complicava com suas ausências, e deixava claro seu temor de que o rapazola se tornasse um malandro ao crescer, visto que Luizinho por vezes se via envolvido com amizades suspeitass no morro, além de viver tocando viola pelos becos da favela, numa malandragem inimaginável para o austero Gonzaga. Leopoldina tentava unir pai e filho, mas enfrentava a resistência de Helena, que demonstrava claramente não gostar da proximidade do menino e dos seus padrinhos. Este clima de desarmonia por certo foi um dos fatores que provocaram a rebeldia de Gonzaguinha quando ele se tornou adolescente. Com efeito, ele não aceitava morar com o pai, já que amava os padrinhos e odiava ser órfão e esquecido, afirmando para todos que o cercavam que Luiz não era seu pai biológico, situação que deprimia o pai e constrangia seriamente o filho. Helena detestava o menino e parecia ter prazer em implicar com ele, rejeitando-o e muitas vezes humilhando-o. Claro está que a recíproca era verdadeira por parte de Gonzaguinha. Por conseguinte, essas divergências familiares afastaram ainda mais pai e filho, acirrando as brigas e os desentendimentos entre os dois pelo fato de Luiz sempre dar razão à esposa.

Não conseguindo resolver tantos problemas, Gonzaga radicalizou e matriculou o jovem no Internato Ginásio Barão de Paty do Alferes para desespero dos padrinhos, mas, um ano depois, aos 14 anos, Gonzaguinha contraiu tuberculose e ficou à beira da morte, logo retornando ao Rio. Quando completou 16 anos, o rapaz foi levado à força para morar em Cocotá, na Ilha do Governador, onde Gonzaga possuía uma casa, porém a situação se complicou novamente: o autoritarismo do pai e o desprezo de Helena serviram apenas para a explosão de brigas e a intensificação de inimizades, e o rapaz, sempre vítima, voltou ao internato.

Gonzaguinha passou todo o ano de 1958 no internato em Paty, revelando-se um aluno normal como todos os outros e atravessando seus 13 anos de modo simples e até mesmo retraído. Não mostrava, ainda, a veia artística que o consagraria, embora demontrasse inspiração na escrita de pequenos poemas, obtendo bom aproveitamento nos estudos de Língua Portuguesa. Gonzagão mantinha o pagamento das mensalidades riogorosamente em dia, mas faltava a ambos o essencial: amor e o convívio.

Depois de passar pelo inernato no Rio, e já adulto, Gonzaguinha transformou sua relação com Gonzagão ainda mais confusa e difícil, pois decidiu viver na malandragem e dedicar seu tempo à bebida. Foi um período amargo de dores, tristezas e desencontros. Felizmente, a veia artística do rapaz pontificou em determinado momento, e ele então passou a se tratar, buscando, em seguida, concluir a universidade, demonstrando seu desejo de se tornar músico como o pai.

A reunião dos dois fortaleceu-se bastante quando, em 1980, viajaram juntos pelo Brasil, com o filho compondo músicas para o pai gravar (inclusive uma famosa falando de persoagens de Miguel Pereira). O dom artístico, o respeito mútuo e a compreensão trazidos pelo amor fizeram, enfim, com que ambos vivessem em paz e mergulhados em grande amizade.

Deles ficaram para Miguel Pereira e Paty duas ternas lembranças: a fazenda Santo Antônio de Gonzagão (na estrada para Vassouras) e os documentos que comprovam a passagem em nossa terra de um compositor de alto nível que abrilhantou com seu talento uma bela fase da música poopular brasileira. Como registro final, lembremos que Gonzaguinha morreu em um acidente automobilístico no Paraná em 29 de abril de 1991. Deixou os filhos Daniel, Amora Pêra, Mariana Gonzaga e Fernanda Gonzaga. Daniel ainda mantém um sítio em Miguel Pereira.

IMAGEM: Recibo de pagamento do colégio onde Gonzaguinha estudou, em Paty do Alferes.

 

Na próxima edição: O Carnaval e as Escolas de Samba do Município