A grande farsa do 13 de Maio
Abolição de que, afinal?
17/05/2024
Historiador Sebastião Deister
Edição 500
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No
período pós-abolição, surgiram no país muitas tentativas de mascarar, encobrir
ou negar as atrocidades cometidas contra os negros, todas buscando desaguar em
um processo que conduzisse ao esquecimento do execrável e vergonhoso passado
escravista. Por conseguinte, o desaparecimento de provas constituía uma atitude
lógica e necessária.
Dentre
tais medidas, causou alvoroço a queima de arquivos proposta por Ruy Barbosa, um
dos homens mais insignes e respeitados no Brasil em finais do século XIX. A queima de centenas e importantes documentos
da escravidão no Brasil ocorreu no dia 13 de maio de 1891 (exatamente no aniversário da Lei Áurea) por decisão
de Ruy,
então ministro da Fazenda do presidente Deodoro da Fonseca. Meses
antes, ou mais exatamente em 14 de dezembro de 1890, uma ordem por ele assinada
anunciava a incineração de todos os documentos cartoriais que contivessem
registros sobre compra e venda de escravos no Brasil, incluindo livros de
matrícula, controles aduaneiros, assentos de tributos e outros
papéis correlatos. O infausto e surpreendente decreto também determinava que
todo o conjunto documental fosse enviado para o Rio de Janeiro, capital
da República, onde
seriam devidamente exterminados.
Alguns estudiosos afirmam que o ministro decidiu-se
por tal documento acreditando que assim evitaria que os ex-proprietários de
escravizados (em especial os ricos fazendeiros) tentassem direitos a
indenização após a vigência da Lei Áurea. Outros historiadores, no entanto,
acreditam que a eliminação dos registros também tenha impedido que ex-cativos
pudessem ter acesso às datas das suas compras, anotações que poderiam ser
usadas para exigir recompensa por terem sido ilegalmente escravizados, já que
desde 7 de novembro de 1831 o tráfico de
escravos para o Brasil fora proibido. Com efeito, havia a
possibilidade de pedido de ressarcimento por parte de muitos negros porque a
determinação do fim do tráfico não teria sido integralmente cumprida, até
porque sabia-se que, depois de 1831, cerca de 300 mil africanos escravizados
entraram por meio do tráfico no Brasil. Na verdade, o número total de
negros desembarcados no Brasil jamais será concretamente contabilizado. Afinal,
as estatísticas disponibilizadas atualmente talvez se aproximem da realidade,
pois morriam tantos escravizados na travessia do Atlântico que seu quantitativo
nunca corresponderá aos números de homens e mulheres capturados e embarcados
nos portos africanos.
De qualquer forma, alguns documentos ficaram
preservados pelo Poder Judiciário, entre eles o famoso decreto de Rui Barbosa
determinando a queima de livros e demais papéis que confirmavam a odiosa
escravatura brasileira. Segue abaixo, com a ortografia de época, a cópia do
Decreto de Ruy Barbosa.
Decisão s/n. de 14 de dezembro de 1890
Manda queimar todos os
papéis, livros de matrícula e documentos relativos à escravidão, existentes nas
repartições do Ministério da Fazenda.
RUI BARBOSA,
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda e Presidente do
Tribunal do Tesouro Nacional,
CONSIDERANDO
que a Nação Brasileira, pelo mais sublime lance de sua evolução histórica,
eliminou do solo da Pátria a escravidão, instituição funestíssima que por
tantos anos paralisou o desenvolvimento da sociedade, infeccionando-lhe a
atmosfera moral;
CONSIDERANDO, porém, que dessa nódoa social ainda ficaram
vestígios nos arquivos públicos da administração;
CONSIDERANDO
que a República está obrigada a destruir esses vestígios por honra da Pátria e
em homenagem aos nossos deveres de fraternidade e solidariedade para com a
grande massa de cidadãos que pela abolição do elemento servil entraram na
comunhão nacional, resolve:
Serão
requisitados de todas as Tesourarias da Fazenda todos os papéis, livros e
documentos existentes nas repartições do Ministério da Fazenda relativos ao
elemento servil, matrículas dos escravos, dos ingênuos, filhos livres de
mulheres escravas e libertos sexagenários, que deverão sem demora ser remetidos
a esta capital e em lugar apropriado reunidos na recebedoria.
Uma comissão
composta dos senhores João Fernando Clapp, Presidente da Confederação
Abolicionista, e do administrador da Recebedoria desta capital dirigirá a
arrecadação dos referidos livros e papéis e procederá à imediata queima e
destruição deles, que se fará na casa de máquina da Alfândega desta capital,
pelo modo que mais conveniente parecer à Comissão.
Capital
Federal, 14 de dezembro de 1890.
Rui Barbosa