O Casarão da Rede Ferroviária em Miguel Pereira

Graças a ferrovia, desenvolveram-se diversas localidades ao longo do trecho escolhido pela ferrovia

 17/03/2023     Historiador Sebastião Deister      Edição 441
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A chamada Linha Auxiliar da Estrada de Ferro D. Pedro II (estruturada pelo Dr. André Gustavo Paulo de Frontin a mando do Imperador D. Pedro II nas décadas finais do século XIX) foi idealizada para estabelecer uma conexão ferroviária definitiva entre a localidade de Belém (hoje Japeri) e a cidade de Paraíba do Sul, atravessando as serras da Viúva e do Couto - no acidentado reverso da Serra do Tinguá - e o vale do rio Santana.

Graças a ela, desenvolveram-se diversas localidades ao longo do trecho escolhido pela ferrovia, tais como as paradas de reabastecimento de Paes Leme, Santa Branca, Monte Líbano e Barão de Javary, e as estações de Conrado (ex-Sertão), Arcádia (ex-Bomfim), Vera Cruz, Francisco Fragoso (ex-Conrado), Governador Portela e Estiva (atual Professor Miguel Pereira), além de outros pátios de embarque e desembarque atualmente situados no território do vizinho município de Paty do Alferes.

 

Estiva - sede administrativa

 

No contexto desse quadro organizacional, a direção da Estrada de Ferro optou por eleger a Estiva como sede de sua administração no trecho serrano, ali alocando prédios especiais para os engenheiros residentes, escritórios de controle de tráfego, gabinete de recursos humanos, salão de almoxarifado e oficinas de carpintaria, metalurgia, tornearia e funilaria. Muitas dessas instalações desapareceram, e o local hoje abriga um grande complexo comercial chamado Rua Coberta.

Por sua vez, Governador Portela viu-se contemplada com a construção de um imenso depósito de manutenção (também não mais existente) voltado para o resguardo e a reparação de locomotivas e vagões deteriorados, além de se responsabilizar pelo gerenciamento de uma vasta plantação de eucaliptos destinados à produção de dormentes. Registre-se, ainda, que nos dois distritos ergueram-se diversas casas destinadas ao abrigo dos mais importantes chefes setoriais da Linha Auxiliar, como, por exemplo, moradias para o mestre-de-obras, para o chefe das estações, para o supervisor da soca (equipe de colocação e manutenção de trilhos) e para os funcionários mais graduados do depósito de Portela, conjunto que até hoje é conhecido pelo rótulo de Vila Operária.

 

1930

 

Até a década de trinta do século passado, a estação ferroviária de Miguel Pereira compunha-se tão-somente de um modesto prédio central destinado a abrigar um gabinete administrativo que implementava o controle do tráfego ferroviário e a venda de passagens para os usuários dos trens. A partir dessa época, os diretores da Estrada de Ferro deram início às obras de ampliação do complexo predial da estação, levantando ali diversos espaços de trabalho, entre eles um grande almoxarifado e oficinas de metalurgia, serralheria, tornearia e carpintaria, além de um confortável escritório central para uso imediato de escriturários e funcionários burocráticos chefiados pelos engenheiros da ferrovia. Em tempo, todo esse complexo já desapareceu, restando da estação apenas seu corpo central que hoje abriga o atrativo museológico Museu Ferroviário.

Os casarões da ferrovia foram levantados em estilos distintos. Um, em linhas neoclássicas, com grande varanda, ampla sala de recepção, pequena saleta de estar, cozinha de vastas dimensões, área para estacionamento, garagem particular e cinco cômodos para a família, além de dois anexos externos e amplos jardins, dos quais era possível acessar todas as estruturas da estação e até mesmo a estrada de ligação com Paty do Alferes. A outra construção apresentava aspecto mais moderno, com várias divisões internas e uma pequena área para prática de esportes. Entretanto, ambo serviam aos engenheiros e diretores da ferrovia. Este segundo casarão, hoje, abriga o restaurante Relíquia.

Já o primeiro grande prédio serviu a outro belo propósito. Em 1955, ocorreu o desabamento da precária casa que acomodava o Colégio Estadual Dr. Antônio Fernandes, à Rua Áurea Pinheiro. Em face desse contratempo, José Bento Martins Barbosa, então prefeito de Vassouras (à época cabeça de município responsável por Miguel Pereira), solicitou ao engenheiro residente, Dr. Antônio Soares Belford, a cessão temporária do grande casarão para instalação dos alunos enquanto eram completadas as obras definitivas do colégio no centro da cidade. Por essa razão, as salas de aula funcionaram naquelas dependências até 15 de novembro de 1957, quando Frederico Augusto da Senna Wängler, o primeiro prefeito miguelense, e a diretora Jandira Telles Leme Pragana deram por inaugurado o prédio próprio do colégio no centro da cidade.

Em 2015, a Rede Ferroviária Federal, dentro do programa de venda dos seus prédios situados junto à Linha Auxiliar, ofereceu à Prefeitura, administrada à época pelo Dr. Cláudio Valente, a posse do primeiro casarão, visto que o segundo já se encontrava em mãos de um proprietário particular. Algumas atividades foram desenvolvidas junto ao IPHAN objetivando repassar o prédio para o poder público, mas alguns entraves burocráticos foram surgindo ao longo do processo, até porque a casa estava ocupada pela família do Sr. José Carlos Pureza. Assim, nada ficou resolvido durante o governo Valente, a despeito das orientações e do interesse de Isabel Cristina da Rocha, Supervisora do Escritório Técnico do IPHAN para o Vale do Paraíba, localizado em Vassouras.

Por sua vez, o novo prefeito, André Pinto de Afonseca, mostrou-se preocupado com o futuro do belo casarão, dando marcha a procedimentos destinados a inseri-lo no patrimônio municipal. Além de entabular negociações visando à desocupação do prédio pela família Pureza, o poder municipal conseguiu, em 6 de junho de 2018, a posse do casarão. Com efeito, nessa data oficializou-se a assinatura, na Superintendência de Patrimônio da União (SPU), do contrato de municipalização não apenas da chamada casa do engenheiro, mas também de 4 imóveis pertencentes ao Governo Federal que se encontravam arrolados no espólio da antiga Rede Ferroviária Federal S/A. Foram passados para o patrimônio de Miguel Pereira o campo de futebol do Central Atlético Clube e duas áreas em Governador Portela que pertenciam à fazenda Monte Sinai (gleba A com 152.095,50 m2 e gleba C com 174.340 m2, totalizando, assim, 326.435,50 m2), ou seja, mais de 32 hectares dentro da cidade de Governador Portela com valor aproximado de 1 milhão de reais. Por sua vez, o campo do Central, com quase 10.000 m2 (atualmente objeto de um projeto urbanístico e esportivo da Prefeitura), viu-se avaliado em R$ 300.000,00. A partir da posse do casarão, a prefeitura empenhou o máximo de esforços em trabalhos de restauração e recuperação arquitetônica de todo o complexo predial do casarão, trazendo novamente à luz a beleza e as cores de um patrimônio datado de 1939 que, hoje, 82 anos depois, novamente domina, com sua elegância, parte do centro de Miguel Pereira, abrigando em suas confortáveis e arejadas dependências alguns departamentos municipais. Suas reformas e o novo ajardinamento foram inaugurados em 29 de junho de 2020.

 

IMAGEM: 1956 - A professora Jandira Telles Leme Pragana organiza as filas do Colégio Dr. Antônio Fernandes no pátio do casarão ferroviário de Miguel Pereira

 

Na próxima edição: Casa de Saúde e Maternidade Santa Therezinha