Glória do Mundo - Último Engenho de Paraíba do Sul

Paraíba do Sul, No Tempo e na História

 21/03/2025     Historiador Sebastião Deister      Edição 519
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O belo engenho, implantado paralelo a uma estrada de terra e ao um curso d'água, no limite de uma modesta elevação, pode ser acessado através de via de ligação ao centro do distrito paraibano de Werneck. Ostenta dois pavimentos em sua fachada lateral esquerda e um pavimento na fachada lateral direita, estando voltado para o antigo terreiro de café, hoje ocupado por currais e uma oficina, faceando também a casa-sede construída em 1846. O amplo prédio possui, nos dois andares, talhes autenticamente coloniais, nele se destacando a cobertura de telhas francesas de Marselha circundadas por lambrequins.

O grande prédio, ainda resistente às injúrias do tempo, configura um imenso galpão, com estrutura de madeira aparente e paredes de vedação em taipa de mão. Nas empenas do oitão há óculo em losango, com o telhado apresentando duas águas recobertas por telhas cerâmicas de naipe francês. Acoplada ao galpão surge a chaminé em tijolos, de base quadrada e altura significativa.

O sistema construtivo mantém estrutura em madeira, com frechais, pilares, madres, terças, tesouras e caibros formando uma estrutura coesa, o que até hoje permitiu a solidez da construção, apesar do estado de degradação em que o engenho se encontra. A pedra foi usada no embasamento, nas paredes de arrimo e da roda d'água. Já a madeira se faz presente em todos os elementos estruturais, inclusive nas paredes de pau-a-pique. Parece ser uma estrutura pré-fabricada, como havia nas antigas estações de trens da região.

No referencial existente do antigo engenho, os beirais eram forrados em madeira e arrematados em lambrequins, sendo que os beirais das empenas, em maior balanço, ostentam belas peças torneadas que funcionam como mãos-francesas.

A fundação é em pedra, terra, cal e areia, mantendo esta mesma conformação nas paredes que servem de arrimo para a fachada lateral direita, que apresenta diferença de nível. Já a fachada frontal destinava-se a receber a água que movimentava a roda do engenho. Lamentavelmente, há trincas no embasamento na área voltada para a estrada de terra, existindo manchas de umidade ascendente e descendente, externa e internamente.

A antiga fazenda Glória do Mundo foi fundada pelo capitão Inácio José Werneck em terras desmembradas da fazenda da Várzea, de Garcia Rodrigues Paes. A enorme propriedade passou depois às mãos de Manuel Gomes Ribeiro Leitão, casado com Cláudia Joaquina da Conceição que, ao enviuvar, negociou-a com o tenente-coronel Luís Quirino da Rocha em 29 de outubro de 1851 por Rs. 34:000$000 (trinta e quatro contos de réis). Ali trabalhavam, então, mais de 250 escravos. Luís Quirino era filho de José Quirino da Rocha, titulado 1º barão de Palmeiras, tendo se casado em primeiras núpcias com Francisca das Chagas Werneck, com ela formando o tronco Rocha Werneck estabelecido em Paraíba do Sul.

Luís Quirino exerceu importantes cargos no Partido Conservador de Paraíba do Sul e também na Freguesia de Santo Antônio da Encruzilhada, desde inspetor de porteiras até o elevado posto de Juiz de Paz. Da sua união com Francisca nasceram Francisco Quirino da Rocha Werneck (bacharel em direito e fidalgo da Casa Imperial); José Quirino da Rocha Werneck (bacharel em direito e titulado barão de Werneck por decreto de 24 de agosto de 1882); Luís Quirino da Rocha; Francisca Augusta da Rocha Werneck; João Quirino da Rocha Werneck (nomeado 2º barão de Palmeiras por decreto de 13 de setembro de 1882) e Inácio Quirino da Rocha Werneck.

O 2º barão de Palmeiras, na verdade, nasceu em Paty do Alferes em 19 de setembro de 1846, mas passou a mocidade em Valença, onde participou da fundação da Estrada de Ferro de Rio das Flores. Mudou-se para Paraíba do Sul aos 35 anos, já casado com Carolina Peregrina de Souza Werneck, sua contraparente e filha do visconde de Ipiabas (Peregrino José d'América Pinheiro). Possuía a patente de coronel da Guarda Nacional de Paraíba do Sul, tendo sido presidente da câmara local por muitos anos e representante do município na Assembleia Estadual por duas legislaturas, além de militar na política desde a monarquia até o último governo republicano de Nilo Peçanha. No atual distrito de Werneck facilitou bastante a construção da Linha Auxiliar da Estrada de Ferro Melhoramentos do Brasil, cedendo parte de suas terras para a passagem dos trilhos, razão pela qual o engenheiro André Gustava Paulo de Frontin batizou a estação local como Werneck em homenagem ao seu sobrenome.

A família do 2º barão de Palmeiras vivia na fazenda Glória do Mundo, e junto dela foi mandado erguer aquele que veio a ser o último engenho de açúcar da Paraíba, o qual entrou em operação no ano de 1867. O elegante prédio, apesar de se encontrar em estado de completo abandono, ainda pode ser visitado em Werneck, e nele é possível vislumbrar, com respeito e admiração, sua elegante e retilínea chaminé de tijolos aparentes que relembra a última obra dos escravos da Paraíba, já que a propriedade teve negros ali trabalhando pelo menos até 1887, quando toda a chaminé realmente ficou pronta.

Em face de várias dívidas, o barão hipotecou a fazenda ao Dr. Randopho Pena, que dois anos depois a presenteou à filha Judith Campos Pena Valadares que, por seu turno, vendeu-a a José da Mota Vizeu em 1919. Este, por sua vez, repassou-a para o filho Joaquim Moraes Vizeu. A partir de então, a propriedade funcionou como usina de açúcar até 1930, e desse ano até 1974 como simples alambique.  Com efeito, após ser proibida a produção de açúcar por pequenos engenhos durante o governo de Getúlio Vargas, a fazenda passou a produzir cachaça, aproveitando, assim, toda sua estrutura montada para tal fim e a plantação de cana cultivada em sua periferia.

O agradável Distrito de Werneck está situado a apenas 9 quilômetros do centro de Paraíba do Sul, bem junto à encruzilhada que leva a Sardoal, ao Santuário de Matosinhos e à área dos hotéis-fazendas (Jataí e São Romão) instalados em Cavaru.