Apogeu e queda da Sociedade Força e Luz Vera Cruz - Parte 5
Trajetória Política e Social de Miguel Pereira
25/08/2023
Historiador Sebastião Deister
Edição 464
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A
Sociedade Anônima Força e Luz Vera Cruz aos poucos deitou suas fecundas raízes
pelas nossas montanhas até espalhar suas benéficas ramificações para outras vilas
e logradouros serranos, inclusive favorecendo, dentro de suas possibilidades,
as quase esquecidas populações rurais alocadas nas zonas mais interioranas de
Arcozelo e Avelar.
Por
outro lado, contudo, é preciso lembrar que ainda não havia em nossa terra uma
luz de forte intensidade e muito menos uma corrente elétrica de grande
durabilidade. As usinas careciam de geradores e dínamos de alta potência, a
fiação era bem simples e ocasionalmente desencapada, os cabos de condução eram
precários e quebradiços, nem sempre protegidos por isolantes adequados e
normalmente presos a postes toscos feitos com troncos de aroeiras ou afixados
em árvores mais resistentes. Ao longo dos trechos mais extensos que circundavam
algumas montanhas, não havia transformadores aptos a sustentar plenamente a
corrente elétrica ou modificá-la em sua voltagem, para com isto proporcionar
aos logradouros mais remotos uma corrente forte e duradoura. Perdia-se, assim,
muita carga pelas colinas e várzeas, tempestades e raios frequentemente
derrubavam o sistema, e em função de tais deficiências as quedas de tensão e os
súbitos cortes de fornecimento mostravam-se bastante comuns. Todavia, os
moradores da serra aceitavam tais contratempos com o máximo possível de
mansuetude e resignação, pois para quem sempre vivera à luz dos antiquados e
taciturnos lampiões de querosene ou sob a palidez de uma vela tremeluzente, a
eletricidade - mesmo fraca e intermitente - era uma bênção dos céus.
1ª rua a receber
iluminação pública
A
primeira rua de Miguel Pereira a receber iluminação pública foi a então chamada
Rua da Estação, atualmente rua General Ferreira do Amaral, na qual o bar do
imigrante turco Nagib Ahouage atendia a turistas e ferroviários, habitantes da
cidade e veranistas, donas de casa e agricultores, mascates e pecuaristas, até
porque tal via de circulação em Miguel Pereira era fundamental no recebimento
de cargas e passageiros trazidos pelos comboios ferroviários.
1º refrigerador
comercial
Assim,
com a chegada regular de energia elétrica, finalmente Nagib pôde comprar no Rio
de Janeiro o seu imenso e desejado refrigerador comercial, abastecendo seu pequeno empório com refrigerantes, cervejas e
dezenas de outras bebidas geladas, ampliando de tal maneira seus negócios que o
bar passou a ser, por muito tempo, um dos estabelecimentos mais frequentados e
conhecidos da região, a ponto de obrigar seu proprietário a abri-lo aos sábados
e domingos à noite para receber os primeiros boêmios da cidade. De fato, os
contumazes beberrões da serra para lá se dirigiam a fim de promover suas
alegres farras de fim de semana ou então para cantar suas serenatas, beber sua
cachaça preferida, chorar suas mágoas de amor, discutir as medidas políticas
emanadas por Vassouras, propor nomes para a vereança do município, comprar o
fumo Caporal Amarelinho para preparar seus cigarros de palha, discutir os
resultados do futebol do Miguel Pereira AC ou do Estiva FC, assuntar algumas
fofocas escabrosas, dirigir galanteios a alguma senhorita que por ali passava
após a ladainha das sete horas na Igreja de Santo Antônio e até mesmo iniciar
algum importante negócio imobiliário com os primeiros negociantes de terrenos e
casas da cidade.
Em
consequência das esplêndidas possibilidades comerciais que apresentava, já que
por ali transitavam todas as pessoas que saltavam dos trens, a Rua da Estação
gradativamente foi recebendo outros estabelecimentos comerciais importantes
para a cidade: a Casa Nova (de Miguel Levy), o Açougue de Sebastião Portela
(transferido de seu ponto original à rua Luiz Pamplona), a loja de tecidos do
George Dau, o Bar e Mercearia de Marinho Andreiolo (futuro ponto de encontro do
cantor Francisco Alves), a barbearia do Augusto Lisboa, o bar da Maria
Portuguesa, o Armazém de Secos e Molhados de Irineu Pinto (em substituição ao
Armazém de Alberto Corrêa, este fundado em 1911), os escritórios da Imobiliária
e Incorporadora Summerville Ltda, o Clube União, a Cia. Telefônica Brasileira,
o belo Hotel Guaporé (da família Pereira Soares), as instalações do extinto
Banco Mandaro, o escritório imobiliário de J. S. Pimentel, o bar do Rui
Ribeiro, as clínicas do Dr. Muniz e do Dr. Zezé Ferreira Gomes e, tempos
depois, a pioneira agência do Banco de Crédito Real de Minas Gerais S/A.
À época
de iluminação da Rua da Estação, contudo, a Usina de Manga Larga de Cima já
acusava visíveis sinais de saturação, uma vez que seus velhos geradores de
apenas 15 HP não se mostravam capazes de atender à demanda que a cada mês se
acentuava em função do crescimento experimentado por Miguel Pereira e Paty do
Alferes. Governador Portela, por exemplo, encontrava-se involuntariamente
prejudicada pela Companhia, que, em virtude de suas deficiências estruturais,
mesmo tidas por todos como naturais e compreensíveis, fornecia energia tão-somente
para a área de sua estação ferroviária, distinção de certo modo bastante
explicável se considerarmos a importância dos trens para aquele distrito.
Contudo,
nos demais bairros de Portela os moradores e comerciantes não concordavam com tal
estado de coisas e não aceitavam mais uma situação que lhes parecia
discriminatória que privilegiava apenas Miguel Pereira e Paty do Alferes.
Embora procurassem compreender os problemas enfrentados pela empresa, a
comunidade portelense passou a exercer sobre ela uma pressão tão forte que suas
palavras de ordem acabaram ganhando caráter de protesto público com o passar
dos meses, envolvendo em tais querelas até mesmo alguns influentes políticos da
época.
Curiosamente,
as carências de Portela, a saturação dos equipamentos da Usina de Manga Larga e
todas as demais dificuldades da Sociedade Anônima Força e Luz Vera Cruz
viram-se sanadas por conta de uma inesperada tragédia que se abateu com
inaudita violência pela Serra do Tinguá, pelo Vale do Rio Santana e pelas
terras de Paty do Alferes: a grande inundação de março de 1945.
Imagem:
Funcionários da Cia. descarregando equipamentos em Miguel Pereira
Na próxima edição:
Apogeu e Queda da Companhia Força e Luz Vera Cruz - Parte 6