Em Portela, casas, ruas e loteamentos pioneiros - Parte 2

Trajetória Política e Social de Miguel Pereira

 25/11/2022     Historiador Sebastião Deister      Edição 425
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A melhor diversão em Portela, durante a semana, eram os filmes de ação oferecidos pelo Cine Império, que fazia acirrada concorrência com o Cine Norma, de Miguel Pereira. Após seu encerramento nos anos setenta, o espaço abrigou a agência local do INSS. Hoje pertence a particulares. A respeito dessa casa de lazer em Portela, em cujo escurinho revelaram-se alguns interessantes idílios, reproduzimos a seguir um pequeno trecho escrito pelo jornalista Nelson do Nascimento na edição especial de março de 1956 na revistas Copacabana Ilustrada:

 

"(...) quanta evocação ao veranista de Miguel Pereira, Portela, Javary, Pedras Ruivas e Paty do Alferes a simples menção do nome do CINE IMPÉRIO (...) Quanto "flirt", quanta ternura não teve como cenário o simpático cineminha de Portela. Por isso as casas de diversão são queridas do povo. O CINE IMPÉRIO é o melhor da Linha Auxiliar. Grande filmes vão à cena. Quando lá estivemos estavam levando "Sansão e Dalila" (...)

 

Governador Portela sempre se caracterizou por oferecer à região serrana excelentes serviços na área de serralheria e metalurgia, até porque os jovens formados pela Escola Profissional Carvalho de Souza, da Estrada de Ferro (posteriormente SENAI) representavam uma mão-de-obra de alta qualidade. Exemplo pioneiro de tais oficinas foi a Serralheria e Mecânica Luza, de Cavadas e Cunha & Companhia Ltda., que se estabeleceu nos anos cinquenta em Portela nos fundos do n­º 52 da rua Dr. Osório de Almeida

Outra especialidade do povo portelense era a organização de belas e movimentadas festas juninas, fossem consagradas a São Pedro e São Paulo, fossem para homenagear sua Padroeira Nossa Senhora da Glória. Pela sua tradição, as festas da santa, reverenciada em 15 de agosto, sempre são realizadas junto ao pátio da Igreja local e pelas ruas adjacentes, porém aquelas organizadas em louvor de qualquer outro santo tradicional - como São João, por exemplo -, costumavam ser montadas em outros espaços. Geralmente, isto acontecia no campo do Portela Atlético Clube, entidade que, normalmente, encarregava-se de patrocinar tais eventos juninos. Para gáudio da cidade, verificava-se sempre, em tais festas, uma maciça participação de seus moradores, tanto daqueles que decoravam suas simpáticas e coloridas barraquinhas quanto daqueles que visitavam o ambiente dos festejos, já que o período de comemorações estendia-se, via de regra, de quinta-feira até o domingo seguinte. Para os turistas, as festas juninas serranas eram uma tentação irresistível. Nas tendas alegres e profusamente enfeitadas podia-se tomar uma xícara de quentão perfumado e fumegante, em que a perfeita mescla de cachaça da serra com a canela odorosa afigurava-se como uma bebida quase afrodisíaca.

 

O pecado da gula

 

Era também permitido entregar-se ao pecado da gula apreciando pelas barraquinhas canjica acanelada, pés-de-moleque ao leite, cocadas crocantes, roletes de cana, munguzá de milho com coco, amendoim cozido ou torrado, bananas fritas, bolo de mandioca, caldo verde, paçoca açucarada, canja no capricho e - obviamente! - o milho, a batata-doce e o aipim preparados nas reconfortantes brasas de uma fogueira convidativa que, além de servir para assar tais delícias roceiras, ainda expulsava da festa um pouco do cortante frio das colinas.

Aos poucos, entretanto, o tempo, os modismos e as novas gerações seduzidas por influências alienígenas trazidas por outros ritmos de música e danças de cunho mais sensual e moderno acabaram por sepultar o tradicionalismo das festas do interior. De qualquer forma, o município ainda oferece alguns eventos populares e "roceiros" que preservam um pouco dos padrões puros de nossas origens, como a Festa de Santana (Padroeira de Conrado), a Festa de Nossa Senhora da Glória e a já centenária Festa de Santo Antônio, em Miguel Pereira.

Devemos ressaltar, também, que o carnaval sempre foi um atrativo turístico muito expressivo em nossa terra, desde o primeiro governo municipal comandado pelo buliçoso e participativo prefeito Frederico Augusto "Fritz" da Senna Wängler, que sempre fazia questão de abrir todos os desfiles de rua, tanto em Miguel Pereira quanto em Portela. Nas décadas de cinquenta e sessenta Miguel Pereira e Portela possuíam um carnaval de rua espontâneo, além dos clubes sociais que fervilhavam com a presença de centenas de animados foliões. Assim, concorriam democraticamente com seus animadíssimos bailes instituições como o Miguel Pereira Atlético Clube, a Sociedade Musical XV de Novembro e o Estrela Futebol Clube. Tais sedes sociais abriam suas portas já no sábado de carnaval, mantendo seus bailes noturnos e os bailes infantis - de domingo a terça-feira - absolutamente repletos. Já nos anos setenta, as escolas de samba ganharam corpo e prestígio no município. Tiveram início, assim, os grandiosos e ricos desfiles de rua que logo se tornaram fator de desenvolvimento turístico em face da qualidade de suas agremiações e das belas apresentações levadas a efeito em Miguel Pereira e Portela.

 

Escolas de samba

 

Uma das escolas pioneiras em Miguel Pereira foi o Grêmio Recreativo Escola de Samba Mocidade de Miguel Pereira (verde e branco). Em seguida, nasceu, também em Miguel Pereira, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Manga Rosa, que exibia em seu pavilhão e em suas fantasias as mesmas cores e características da famosa Mangueira, do Rio de Janeiro. Como não poderia deixar de ser, Portela também tratou de fundar sua própria agremiação, e de lá veio então para concorrer com as escolas de Miguel Pereira o Grêmio Recreativo Escola de Samba Sereno Serrano que, de fato, acabou competindo de igual para igual com a campeoníssima verde e branco, pelo menos por um ou dois anos. Nos anos oitenta, uma nova agremiação tornou-se o grande nome dos carnavais miguelenses, desbancando suas concorrentes e logrando amealhar o maior número de prêmios jamais oferecidos a uma escola de samba em nosso município. Oriunda do bairro Praça da Ponte, a Escola de Samba Unidos da Ponte trouxe para as avenidas de Miguel Pereira um pouco do luxo, do bom gosto e da ostentação tão típicos das grandes sociedades do Rio de Janeiro, com isso enriquecendo bastante o carnaval da cidade.

 

Unidos da Ponte

 

Campeã do carnaval por vários anos consecutivos, a Unidos da Ponte despertou muitas paixões, tanto para endeusá-la quanto para criticá-la. Por vezes acusada de favorecimentos políticos por parte da Prefeitura, já que um dos seus fundadores fora o vereador João Carlos "Taubinha" Barreto em 1988 e um dos seus maiores colaboradores era Antônio Arantes, Secretário de Turismo entre 1989 e 1992 e Prefeito Municipal de 1993 a 1996. Não se pode negar à escola, todavia, algumas dons notáveis: a dedicação dos seus diretores, a paixão dos seus componentes, as virtudes do seu trabalho comunitário, o envolvimento de toda a população do seu bairro de origem, o bom gosto de seus carnavalescos e, principalmente, a reviravolta que ela provocou nas demais associações da região, levando estas a buscar mais perfeição em seus trabalhos e assim colaborando para a elevação do nível do carnaval miguelense.

No entanto, nos últimos anos o carnaval de Miguel Pereira sofreu uma considerável perda de qualidade e até mesmo de interesse. É certo que dificuldades econômicas tiveram ação direta em tal declínio e que a concorrência da televisão sepultou a vontade das pessoas de irem para as ruas, mas somos obrigados a reconhecer que a falta de maior estímulo por parte do poder público, o desinteresse da população mais jovem em assumir o comando de tais agremiações, algumas administrações desastradas junto aos grêmios carnavalescos e até mesmo injunções políticas mais severas e demagógicas acabaram por minar a espontaneidade das nossas escolas, afastando de suas fileiras populares, folclóricas e culturais - e, pelo que parece, de maneira irreversível - os verdadeiros foliões e os apaixonados dirigentes que, de fato, mantinham suas instituições à base de muito trabalho e de muita paixão.

 

Imagem: Festa Junina no Campo do Portela Atlético Clube em 1949

 

Na próxima edição: Relação dos Prefeitos de Miguel Pereira