A criação da Irmandade de Paty do Alferes

A Irmandade responsabilizou-se pela conclusão da Igreja Matriz e pela construção do cemitério da cidade

 23/02/2024     Historiador Sebastião Deister      Edição 489
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Essa importante entidade social congregou em suas fileiras o mais respeitável grupo de cidadãos do lugar. Sua primeira reunião teve lugar nas dependências da Matriz de Nossa Senhora da Conceição no dia 17 de fevereiro de 1840, convocada e dirigida pelo padre Manoel Pinto de Azevedo, então pároco local.

Tal encontro pioneiro tinha por objetivo precípuo indicar a direção da futura irmandade, visto que somente mais tarde, com o aval de uma diretoria, poder-se-ia solicitar ao Reverendo Bispo a autorização para seu funcionamento no que se referia aos Cânones Católicos, e também o aval do Governo Provincial no que tangia ao campo civil.

A Irmandade, como órgão jurídico, detinha a posse de um terreno (com área de 8 x 12,5 metros quadrados), conforme doação estabelecida por Joaquim dos Santos Rodrigues, abaixo reproduzida (com sintaxe e grafia originais):

 

"Declaro que possuo uma fazenda na estrada com 180,80 metros de testada e 500 metros de fundo (para o poente, onde se acham casas de vivenda, um engenho de moer cana e pomares de frutas); e para a parte do nascente 901,80 metros de testada com 500 metros de fundos, ou que na verdade se achar, que principiam no marco que está ao pé do rio em L, o rumo do Escuro, dos quais deixo cerca de 180,80 metros no valor de dez tostões (cem reais hoje) cada metro, os quais principiarão no marco do Escuro, vindo para a parte da Rocinha, tendo as ditas 180,80 metros de testada e 500 metros de fundo para Camuan a confinar com as terras do Alferes Manuel Francisco Xavier; os quais 180,80 metros com seus competentes fundos já acima declarados deixo como obra pia ao reverendo pároco atual e a todos os seus futuros para nelas residirem, e fazerem suas plantações, com a pensão anual de dez missas pela minha alma e seis medidas de azeite para a lâmpada do Santíssimo dessa mesma freguesia, ficando livres as benfeitorias que cada um fizer para as haver por si  os seus herdeiros dos párocos sucessores e para maior firmeza deste legado a obra pia o tomo na minha força, da qual também, sairá a respectiva siza ou décima, que se costuma pagar, e para cumprimento da pensão das dez missas e das seis medidas cominadas nesta verba, encarrego as consciências dos ditos reverendos párocos, ficando eles por esta forma isentos de responderem no juízo da alternativa competente pela satisfação da mesma pensão."

 

A Diretoria da Irmandade, apontada no primeiro sufrágio, ficou assim composta:

- JUIZ (COM 35 VOTOS)

Joaquim Ribeiro de Avelar.

- JUÍZA (com 36 votos)

D. Joaquina do Bomsucesso

- TESOUREIRO (com 35 votos)

Francisco das Chagas Werneck

- SECRETÁRIO (com 35 votos)

Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, o 2º Barão de Paty do Alferes

- PROCURADOR (com 36 votos)

Inácio de Souza Lacerda Werneck

- ZELADOR (com 25 votos)

Joaquim de Faria Barros

- MESÁRIOS: José Gomes Ribeiro de Avelar (com 36 votos); Cláudio Gomes Ribeiro de Avelar, futuro Barão de Guaribu (com 35 votos); Agostinho Pinheiro de Souza (com 34 votos); Luís Quirino da Rocha Werneck (com 33 votos); Manuel Gomes Ribeiro Leitão (com 32 votos); Manuel Rodrigues dos Santos (com 29 votos); Francisco da Rocha Chaves (com 27 votos); Jooão Borges Damasceno (com 26 votos); Duarte José de Puga Garcia (com 24 votos); Antônio Carlos de Miranda Jordão (com 23 votos) e José Pinheiro de Souza Werneck (com 16 votos)

- MESÁRIAS: Felisberta Balbina de Avelar (com 36 votos); Cândida Maria Werneck (com 36 votos); Ana Rosa de Bomsucesso (com 36 votos); Mariana Luiza de Avelar (com 36 votos); Fancisca Lauriana das Chagas (com 36 votos); Maria Angélica da Conceição (com 34 votos); Maria do Carmo Werneck (com 34 votos); Joaquina Matilde d´Assunção (com 32 votos); Mariana Carolina Garcia (com 30 votos); Paulina Maria de Jesus (com 27 votos); Maria Joaquina da Encarnação (com 27 votos) e Maria da Conceição (com 27 votos)

Após o escrutínio, os eleitos foram juramentados e empossados de imediato em seus cargos, implantando-se assim, oficialmente, a primeira Irmandade de Paty do Alferes. Todavia, é muito curioso o fato de o capitão-mor Manoel Francisco Xavier e sua esposa, D. Francisca Elisa Xavier, não terem participado dessa reunião. É possível que ingerências políticas tenham afastado o capitão dos movimentos de criação da Irmandade.

É mais crível, porém, que ele já se encontrasse bastante adoentado nessa ocasião, visto que sua morte ocorreria seis meses depois, ou seja, em 20 de agosto, e que a esposa não mostrasse intenção de deixá-lo sozinho na Fazenda da Freguesia. De qualquer forma, a ausência daqueles nomes tão influentes em Paty causa profunda estranheza quando se analisa a presença dos personagens mais importantes da vila na lista de componentes da Irmandade então fundada, atentando-se, inclusive, para a participação do 2º Barão de Paty (Francisco Peixoto de Lacerda Werneck), do futuro Barão de Guaribu (Cláudio Gomes Ribeiro de Avelar) e de vários descendentes diretos do pioneiro Inácio de Souza Werneck, de Vera Cruz.

De qualquer forma, já na primeira reunião o irmão Pinheiro apresentava a todos os presentes as cópias da escritura do patrimônio da Matriz e da doação do terreno para a consagração da nova igreja. Frei Aurélio Stulzer assegura que esse Pinheiro era o Sr. José Pinheiro de Souza Werneck, o mesmo que promoveria, no dia 2 de novembro de 1845 - quando a Matriz já se encontrava concluída - o levantamento da hipoteca a pedido do procurador de D. Francisca Elísa Xavier a favor do patrimônio que onerava a Fazenda da Freguesia, patrimônio então estabelecido pelo seu primeiro proprietário, o Capitão Francisco Tavares, desconsagrando, assim, a pioneira igreja da área de Arcozelo e trazendo para Paty todos os seus direitos administrativos e canônicos.

Importante lembrar que a Irmandade, entre tantas atribuições sociais e religiosas, responsabilizou-se também pela conclusão da Igreja Matriz e pela construção do cemitério da cidade.

IMAGEM: A Matriz de Paty (sede da Irmandade) após sua conclusão em 1844