Casas, ruas e loteamentos pioneiros do município Parte 3

Com o passar dos anos, algumas dessas principais vias de ligação ganharam designações próprias, e consagradas pelo uso diário

 16/09/2022     Historiador Sebastião Deister      Edição 415
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Nas proximidades da Igreja de Santo Antônio, um dos irmãos de Calmério Rodrigues Ferreira, o Juju - chamado Dalvet Rodrigues Ferreira, porém conhecido como Vevete, casado com D. Julita Bernardes - levantou sua casa junto ao campo do Miguel Pereira Atlético Clube (que ele ajudara a fundar em 1930) gravando no pórtico da construção o nome da esposa como prova de seu amor. Bem defronte da casa de Vevete, seu sobrinho Calmerinho (filho de Juju e de D. Algecira Alarcão) seguia o exemplo do tio, construindo sua residência e escrevendo na fachada o nome da esposa Iza, filha do Dr. Osvaldo de Araújo Lima.

Na atual rua Machado Bitencourt - no início dos anos vinte tão-somente uma lamacenta estrada de ligação de Miguel Pereira com Barão de Javary - surgiram dezenas de casas acolhedoras, como a pequenina Meu Ninho (sem data precisa de construção, propriedade do Dr. Radamés Marzullo, um dos médicos mais conhecidos na metade do século XX); Meu Cantinho (1932 - defronte do Sítio Samambaia, da família Machado Bitencourt) e mais à frente a confortável e espaçosa Vila Santo Antônio (1937).

Já em Portela, nas proximidades do seu campo de futebol, levantaram-se diversas casas entre os anos 1925-1927, desbravando-se assim a rua que, a partir da travessia dos trilhos, passou a ser designada como rua das Palhas (hoje Bernardo Sayão). Naquele distrito, numerosos estabelecimentos comerciais apareceram ao longo de 1925 e um grande surto de construções tomou conta das atuais ruas Dr. Osório de Almeida e D. Carlota (a propósito, marido e mulher) entre os anos de 1933 e 1937.

Ainda no que concerne a tantas casas e ruas, torna-se fundamental prestar um esclarecimento. Na realidade, pouquíssimas vielas dos nossos povoados dispunham de denominações próprias no primeiro quartel do século XX. Afinal, Miguel Pereira e Portela pertenciam a Vassouras, e da Câmara de Vereadores daquele município dependia a aprovação dos nomes de ruas, praças e demais logradouros públicos, fato administrativo que se tornava ainda mais complicado em virtude da distância interposta entre tais localidades e também pela ausência de representantes de nossas vilas no legislativo vassourense. Assim, a população costumava referir-se às ruas miguelenses e portelenses em função de uma denominação criada ao acaso ou por um apelido bem específico e conhecido, tornando-se comum, dessa maneira, denominações como "rua da Estação, rua do Machado Bitencourt, rua da Igreja, rua do Jardim, rua do Manduca, rua Nova, rua da Vila Operária" etc.

Com o passar dos anos, algumas dessas principais vias de ligação ganharam designações próprias, e consagradas pelo uso diário acabaram sendo homologadas pela Câmara de Vassouras. Foi o caso, por exemplo, das ruas D. Carlota, Dr. Osório de Almeida, Dr. Paulo de Frontin e Darcy Trajano (em Governador Portela) e Alexandre Spino, General Ferreira do Amaral, Dr. Machado Bitencourt, Áurea Pinheiro, Luiz Pamplona e Maria José (em Miguel Pereira).

A falta de nomes nas ruas e a ausência de numeração nas casas implicava em sério problema para visitantes, veranistas e, em particular, para os funcionários do correio que, de forma ainda incipiente, instalara-se nas duas vilas lá pelos anos vinte. Como entregar encomendas ou cartas a uma família que morava numa rua anônima, numa residência sem número ou qualquer outro tipo de especificação?

A presença de espírito e a criatividade dos moradores logo resolveram o impasse: quase todos os proprietários instalados no centro dos povoados optaram por criar nomes próprios para suas residências, o que por certo facilitou não apenas sua localização imediata como ainda serviu de pretexto para embelezar suas fachadas, homenageando aqui um santo de sua devoção, ali uma pessoa amada e acolá um membro importante de determinada família. Surgiram então, como consequência dessa espontânea política de urbanização, dezenas de moradias cujos títulos até hoje permanecem em seus pórticos como um símbolo vivo, curioso e romântico daquele período tão fértil e alegre: Pinheiral, Solar, Meu Cantinho, Vila Celeste, Vila Santo Antônio, Shari-tô, Pintassilgo, Meu Lar, Marapá, Manacá, Macapá, Vila Alzira, Rancho Alto, Meu Ninho, Solar Nossa Senhora da Glória, Tintaóca, Meu Sonho, Julita, Socêgo (sic), Villa Gaúcha, Sweet Home, Bela Vista, Vila Santa Thereza, Iza e dezenas de outras designações.

Já na parte central de Miguel Pereira, pela chamada Rua da Estação (hoje General Ferreira do Amaral, nome de um conhecido médico que auxiliava Bonifácio Portela em sua farmácia), o comércio já se fazia presente a partir de 1911 com a implantação de um "armazém de secos e molhados" pertencente a Alberto Francisco Corrêa, que construíra um espaçoso prédio de dois pavimentos numa estratégica esquina com a futura rua Luiz Pamplona, de frente para os trilhos que cruzavam o coração de Miguel Pereira. No térreo, funcionou por longos anos o seu empório (anos depois repassado para Irineu Pinto, comerciante que fez história na cidade) e nas salas superiores - a princípio ocupadas pela família - os anos cinquenta iriam recepcionar os consultórios do médico Dr. Manoel Vieira Muniz e do seu cunhado, o dentista Dr. José "Zezé" Ferreira Gomes Filho. Seria até interessante, para melhor localizar o leitor, que o local atualmente abriga o Banco Itaú e, ao lado, os escritórios da Coletoria Estadual, gerenciada, nos anos cinquenta, por Gastão Gomes Leite de Carvalho, um dos maiores batalhadores pela emancipação de Miguel Pereira.

IMAGEM: Anos 1930, construção do piso superior do armazém de Alberto Francisco Corrêa (de terno branco entre os operários). À direita, início da rua Luiz Pamplona

 

Na próxima edição: Casas, Ruas e Loteamentos Pioneiros do Município - Parte IV