A fazenda é do interregno 1683-1688
Além da fazenda estabelecida no interregno 1683-1688 junto ao remanso do Paraíba, onde estrategicamente alocara seus comandados para se defender dos ataques dos valorosos indígenas puris, que não aceitavam ser escravizados nos trabalhos de criação da vila e muito menos nos árduos serviços de desbravamento do Caminho Novo, Garcia fez com que fosse implantada na zona do atual distrito de Barão de Werneck a sua Fazenda da Várzea. Em seguida, montou outra propriedade junto às paragens do rio Paraibuna, então batizada como o mesmo nome do rio que a contornava, localizada a cerca de 3 quilômetros da hoje Vila de Montserrat, aglomerado urbano desenvolvido pelo Capitão Tira-Morros em 1824 no eixo do atalho por este aberto pela Serra das Abóboras a partir do Caminho de Minas deixado por Garcia.
A propósito, cremos ser interessante saltarmos ligeiramente no tempo e nos reportarmos um pouco a essa curiosa figura da História do Sertão do Paraíba. De fato, em 1817 o Capitão José Antônio Barbosa Teixeira - na época Chefe do Registro Arrecadador de Paraibuna - verificava que o Caminho Novo de Minas deixado pelo bandeirante mais de um século antes encontrava-se em precárias condições de uso, tanto pelo frequente trânsito de caravanas quanto pela deterioração do piso e pelos castigos naturais a ele impostos pelas intempéries avassaladoras de um território tão sujeito a tempestades de grande porte. Percebendo a urgente necessidade de promover ramificações pelas estradas da região, ele partiu de Paraibuna para alcançar a povoação de Ibituruna e daí rumou para a margem esquerda do rio Paraíba, nas chamadas terras da Fazenda de Cantagalo, pertencentes a Antônio Barbosa Pereira, titulado como 1º Barão de Entre-Rios, deparando-se logo à frente com a já progressista localidade de Paraíba do Sul.
Em consequência de suas temerárias incursões pelas colinas daquele inóspito território, o Capitão ganhou a alcunha de "Capitão Tira-Morros", mas não satisfeito em somente explorar aquelas áreas virgens, resolveu, alguns anos depois, adquirir uma fazenda nas terras por ele desbravadas, propriedade eternizada com o nome de Bemposta, origem de um distrito que hoje integra o município de Três Rios e na qual anos depois iria morar Inácio Barbosa dos Santos Werneck, o Barão de Bemposta, um descendente direto do pioneiro Inácio de Souza Werneck, de Vera Cruz.
Voltando de nossa rápida viagem à Fazenda de Paraibuna, devemos registrar que, com o deslocamento das estradas para outros pontos periféricos mais distantes, tal propriedade caiu em desuso e veio por desaparecer completamente, apagando-se dessa forma um dos grandes marcos deixados em nossos vales por Garcia Rodrigues Paes. Porém, a titulação Paraibuna permaneceu na região, e até hoje designa uma estação ferroviária e o grande Registro de Arrecadação (atualmente em ruínas) usado como ponto de passagem Rio/Minas e local de cobrança dos antigos quintos estabelecido pela Coroa Portuguesa.
De qualquer maneira, a fundação de tais fazendas em pleno sertão - enquanto o bandeirante e seus companheiros aguardavam a confirmação da descoberta dos veios de ouro em Minas, o que se deu tão somente entre 1694 e 1695 - leva-nos hoje a admirar a ousadia e a fibra de desbravador que caracterizava aquele jovem paulista mal passado dos vinte anos de idade. Sua obstinação também denotava uma extraordinária visão do futuro, visto que em seu íntimo tinha ele a plena convicção de que, após a descoberta do ouro, o Reino por certo iria lhe solicitar a abertura do caminho de ligação de Minas com a Corte do Rio de Janeiro e repassaria a si e a seus familiares e colaboradores as benesses que a conclusão de tal façanha faria por merecer.
As fazendas de Garcia, ao Norte e ao Sul da Paraíba, serviram-lhe não apenas como cenário fundamental para sua obra magistral, terminada - apesar dos parcos recursos e de todas as dificuldades logísticas - em apenas seis anos, mas também como base para suas legítimas pretensões de obter terras na região. Este objetivo foi alcançado em 1711, quando, em Lisboa, o bandeirante finalmente recebeu as provisões de suas sesmarias no Sertão da Paraíba como justo pagamento pelos seus admiráveis serviços em benefício do Reino. Tais prescrições reais abraçavam 1 légua em quadra (6,605 km2) em ambos os lados do Caminho Novo, e nessa imensidão ele plantou as mais variadas roças de subsistência, desde o Morro do Cavaru até a chamada Rocinha da Negra, esta já em território mineiro e a aproximadamente 4,5 quilômetros do rio Paraibuna. Dessa forma, Garcia passou a administrar no vale paraibano cerca de 40 quilômetros quadrados de campos extremamente produtivos.
Como sabemos, a casa-grande no morro central da Vila da Paraíba constituía a sede principal das fazendas de Garcia. Precisamos ainda registrar que, em todas as suas propriedades, abriria ele mais cinco sítios, neles administrando vastas lavouras de milho, cuja venda destinava-se em especial à alimentação das mulas e demais montarias que compunham as tropas que diariamente trilhavam o Caminho Novo e paravam para descanso em seus ranchos junto à Vila. Nesses postos de venda, a família também comercializava os mais diferentes tipos de produtos, bebidas e víveres com os tropeiros e viajantes que circulavam por aquelas terras mantidas em franca expansão sob a disciplina férrea de Garcia, todos eles tendo, sempre à vista, os arcabuzes tão bem manuseados pelos seus curibocas.
Garcia somente conseguiu dominar a floresta fechada e assustadora e vencer os terrenos íngremes e escorregadios que a ele se apresentavam a cada curva do caminho em função do visceral denodo de que era dotado e que, por herança genética, recebera do velho Fernão. Assim, tomado por uma inabalável decisão, deixou ele a Fazenda da Paraíba organizada como canteiro-de-obras e base dos trabalhos de abertura do caminho que pretendia abrir para o Rio de Janeiro, neles gastando seis anos de suor e dinheiro: primeiramente para o litoral a partir das Vila de Paraíba e, numa segunda e conclusiva etapa, da Paraíba para as cobiçadas minas da região de Vila Rica.
Ao iniciar suas obras na Paraíba, Garcia era um homem pobre, uma vez que o pai dilapidara toda a fortuna da família na incansável busca de suas esmeraldas. Entretanto, em função de seu trabalho, de sua argúcia e de sua inigualável capacidade de comando, o bandeirante deixou sua família como uma das mais ricas e poderosas do Brasil no período pós-colonial. Até mesmo os valiosos terrenos da Paraíba por ele conquistados, a família conseguiu reter em suas mãos até 1842, apenas cedendo, nesse ano, as 600 braças sobre o rio para patrimônio a ser legalmente aforado pelas autoridades do então município paraibano.
A despeito do controle exercido pela família sobre as terras de Garcia assentadas a partir do Caminho Novo, seus limites jamais receberam uma demarcação adequada e precisa. Tanto suas propriedades quantos outras sesmarias surgidas na região foram ocupadas de maneira praticamente aleatória ao longo dos anos, cabendo aos posseiros provar, posteriormente, suas condições de explorar uma lavoura produtiva e possuir mão-de-obra para tanto, ou seja, apresentar um plantel de escravos capaz de efetivamente administrar plantações permanentes e rentáveis. Não preenchidas tais exigências, seria quase impossível aos posseiros concretizar a ocupação das glebas desejadas, pois naquela época de ausência de documentação oficial - quando o único ponto definido de referência social, demográfica e urbana era o "Arraial da Parahyba de Garcia" - tornava-se muito abstrata a alusão às doações de sesmarias e quase imprecisa a localização das mesmas por parte de eventuais fiscalizadores de terras.
No desempenho de suas funções como Guarda-Mor Geral das Minas - que assumiu em 1702 e legou a seus descendentes - Garcia ausentava-se frequentemente da Paraíba. Não obstante seus afastamentos temporários, ficava sob seu controle direto o negócio dos armazéns para venda de provisões a viajante e tropeiros, bem como a comercialização de forragem e milho às tropas que procuravam seu rancho, tanto na Praia da Barca (hoje centro de Paraíba do Sul) quanto no atual bairro da Grama, já do outro lado do rio, e nas sedes das fazendas de Paraibuna, da Várzea e demais sítios distribuídos ao longo do Caminho Novo, o que totalizava oito postos de serviço controlados rigidamente pelo bandeirante.
IMAGEM: Antigo Registro de Paraibuna onde recolhia os quintos do ouro