O asfaltamento da RJ-125

Trajetória Política e Social de Miguel Pereira

 12/08/2022     Historiador Sebastião Deister      Edição 410
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Como tivemos oportunidade de ler em artigos anteriores, as benfeitorias introduzidas na rodovia que liga Portela a Japeri já tinham facilitado bastante a chegada à serra de todos os tipos de novidades produzidas no Rio de Janeiro, fazendo assim com que nossas cidades experimentassem grandes saltos de progresso pela década de cinquenta. Apesar da precariedade da estrada - poeira irrespirável em épocas secas, lama intransponível e assustadora durante as chuvas - todos os meses apareciam em nossos distritos os belos carros importados da América, que enchiam de orgulho seus proprietários e causavam grande surpresa às crianças e aos moradores mais humildes da região. Plimouths, Buicks, Cadillacs, Fords e Chevrolets podiam ser utilizados pelas famílias mais ricas apenas para passear na cidade, porém alguns já serviam como "carros de aluguel" aos emergentes "choferes de praça" que aos poucos impunham seu lucrativo negócio nas cidades serranas.

 

O trem só atendia a população em dois horários

 

O aumento demográfico verificado em Miguel Pereira, Portela e Paty, o intercâmbio do comércio entre tais cidades e até mesmo o fluxo de estudantes entre seus colégios determinaram um intenso trânsito de veículos pela região a partir da década de quarenta, fazendo com que muitas pessoas ocupassem as terras alocadas às margens da estrada Miguel Pereira-Paty do Alferes. Na realidade, os trens simplesmente não atendiam a tanta demanda, pois os percursos entre Portela e Paty só poderiam ser cobertos pelos interessados duas vezes por dia: pela manhã, às oito horas, e, à tarde, às dezesseis horas, únicos horários em que os trens circulavam entre as três localidades.

 

1ª linha de ônibus

 

Tendo em vista tais dificuldades, a única alternativa que restava à população era dispor de cavalos, charretes, carroças, bicicletas, caronas em sacolejantes e precários caminhões ou utilizar os serviços dos "carros de praça", opção que aumentava bastante as despesas de todos. A solução seria um serviço diário de transporte coletivo que oferecesse uma linha de ônibus ligando as três localidades com viagens mais frequentes e a preços mais acessíveis. Esses pioneiros serviços de transporte acabaram sendo introduzidos na região serrana pelo empresário Nacip Tamer, radicado em Paty do Alferes. No início dos anos cinquenta, já circulavam pela esburacada estrada entre Paty e Portela os seus imensos ônibus apelidados pela molecada da região de "fuzarcas". Para os velhos habitantes da terra, tão acostumados ao desconforto e à demora de charretes e carros-de-boi, uma linha regular de ônibus era uma novidade extraordinária e benfazeja.

 

A viação São Jorge

 

Os velhos coletivos - pesadões, lerdos, barulhentos e fumacentos - enfrentavam com notável galhardia as irregularidades das estradas, por vezes eram fulminados por vergonhosos defeitos que os deixavam à margem do caminho por horas, expeliam num aclive mais árduo uma negra e assustadora fumaça, roncavam asmaticamente ao deslizar por eventuais lodaçais, mas, com pertinácia e coragem, atenderam às cidades por muitos anos e constituíram, sem dúvida, um fator de grande progresso para a região, inclusive estimulando a abertura de vários postos de gasolina e de óleo diesel tanto em Paty quanto em Miguel Pereira. Acrescente-se a isto outra circunstância social importantíssima: a viação São Jorge Ltda. vinha ainda oferecer emprego a muitos trabalhadores mais especializados na região, como mecânicos, motoristas, trocadores, borracheiros, agentes de escritórios, recepcionistas e contabilistas que, enfim, se viam contemplados com um bom cargo profissional na Serra.

 

Governo Roberto Silveira asfaltou de Japeri a Paes Leme

 

Nacip Tamer tinha outras ambições além do estabelecimento da linha regular Paty/Portela. De fato, seu grande sonho era obter a concessão de viagens entre Arcozelo e o Rio de Janeiro, mas, para tanto, era preciso dispor de uma estrada de boas condições entre Portela e Japeri. Apesar das melhorias introduzidas na rodovia pelos governos anteriores, não se podia pensar em viagens de ônibus pelo piso de barro das colinas que nos separavam de Arcádia. A região precisava, com urgência, de uma rodovia segura e asfaltada. Felizmente, Roberto Silveira, assumindo o Governo do Estado do Rio, determinou que seu Ministro de Viação e Obras Públicas - curiosamente, o mesmo Amaral Peixoto que anos antes determinara obras de melhoria da estrada, após a enchente de 1945 - que levasse a termo o asfaltamento de um trecho da rodovia entre Japeri e Paes Leme. A ordem foi executada rapidamente, inclusive com a construção de uma ponte sobre o rio Guandu, logo à saída de Japeri.

 

Governo de Paulo Torres asfaltou de Paes Leme a Miguel Pereira

 

Alguns anos de desconforto ainda se passaram, até que, durante o Governo de Paulo Torres, finalmente a rodovia ganhou pavimentação asfáltica de Paes Leme a Miguel Pereira, procedendo-se também, na oportunidade, a trabalhos de reforço nos pilares da ponte em Arcádia, construída tempos antes na gestão de Amaral Peixoto. Decidido a resolver de uma vez por todas o problema de ligação rodoviária com Miguel Pereira, Paulo Torres aprovou o plano de abrir uma estrada contornando a cidade de Governador Portela, através dos bairros Roseiral e Futurista, evitando com isso excesso de veículos pesados ou trânsito muito intenso pelas ruas centrais daquele distrito.

A despeito de se sentir extremamente beneficiado com a rodovia RJ-125 - agora asfaltada até Japeri - o município ressentia-se ainda de uma ligação mais adequada e confortável com Paty do Alferes, distante apenas sete quilômetros. De fato, a partir da Praça da Bandeira, a estrada que unia as duas cidades também possuía piso de barro, o que prejudicava bastante o comércio e as atividades sociais desenvolvidas entre aquelas duas progressistas comunidades. Atendendo aos constantes e veementes apelos dos políticos locais e das populações serranas, o governador subscreveu uma verba especial com a qual se realizou o calçamento com paralelepípedos entre a Praça da Bandeira e o acesso ao bairro Praça da Ponte. Enfim, Governador Portela e Miguel Pereira dispunham de estradas dignas e seguras, o que possibilitou um considerável incremento do turismo em nossa região e proporcionou a moradores e veranistas o conforto dos automóveis, o serviço coletivo pelos veículos da Viação de São Jorge e um intenso serviço de transporte de cargas do e para o Rio de Janeiro, providências que, conjugadas, abriram novos mercados de trabalho em todas as localidades serranas.

 

IMAGEM: Um dos primeiros ônibus da família Tamer na chamada curva "ronco d'água", quase no limite dos municípios de Miguel Pereira e Paty. Reparem como a estrada era estreita, junto aos trilhos da ferrovia.

 

Na próxima edição: O Asfaltamento entre Miguel Pereira e Paty do Alferes