No centenário da prefeita Aristolina Queiros de Almeida, a entrevista na revista norte-americana Time de 12.06.1972 - Parte 2
Os poderes de Miguel Pereira, os homens governam o lar
07/10/2022
Política
Edição 418
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A revista norte-americana Time veio a Miguel Pereira entrevistar a prefeita Aristolina Queiros de Almeida e cobrir o fenômeno de uma cidade sul-americana governada por mulheres. Vamos a entrevista.
O
cheiro do diabo está no ar, disse o vigário de Miguel Pereira quando mais de
100 mulheres de todo o Brasil se reuniram, na semana passada, nessa pitoresca e
pacífica cidade montanhosa a noroeste do Rio de Janeiro. Uma equipe de TV
sorridente lotou o salão de beleza local, onde os negócios estavam crescendo.
"Não há razão para se preocupar com esta conferência.", zombou um
advogado de Miguel Pereira. "É principalmente para as mulheres darem vazão
à sua vaidade"; um lixeiro local: "Se elas querem igualdade, deixe-as
recolher o lixo".
O
grande evento em Miguel Pereira foi o primeiro Congresso Nacional de Mulheres
realizado no Brasil, coração do machismo latino-americano, em 26 anos. Apesar
de toda a inquietação dos homens presentes, no entanto, a reunião prenunciou
uma revolução feminista.
Durante
três dias, as mulheres-brancas, principalmente a classe média de meia-idade,
elaboraram resoluções sobre questões como creches e drogas, mas essas eram as
áreas que elas gostavam de ir. A delegada Cilesia Furtado, 38, suspirou que
estava "desapontada pela maioria das mulheres liberais nos EUA". Parece que ela
reclamou que as mulheres de lá querem parar as mulheres.
A
organizadora da conferência, Aristolina Queiros de Almeida, foi pouco mais política.
"Nossa luta não é contra os homens", disse ela em determinado momento. "Pelo
contrário, o que queremos é nos unir cada vez mais a eles. Pensamos em
participação, não em emancipação".
A
participação não é problema na pequena (população 13.000) cidade de Miguel
Pereira. A líder da conferência, Almeida, uma mulher cinquentona e rechonchuda que
irradia uma espécie de simplicidade amigável, não é apenas mãe de quatro filhos
e esposa do barbeiro local, mas também prefeita em tempo integral da cidade.
Desde sua eleição em 1970, após quatro mandatos como vereadora, os brasileiros
têm sido assustados ao descobrir que não têm apenas uma prefeita em seu meio,
mas uma cidade inteira que é administrada - e bem administrada - por uma
administração feminina. Essa administração surgiu, em grande parte, por acaso,
pois as mulheres foram nomeadas para cada vez mais cargos por vários prefeitos
ao longo dos anos.
Hoje,
o magistrado local da cidade é uma mulher, assim como o chefe dos serviços de
saúde, o tabelião, o chefe dos correios, os chefes de seus dois distritos de
energia e luz e seus dois distritos escolares.
O
delegado Maurício de Freitas, que admite que seu trabalho é francamente
"tranquilo", é o único oficial masculino da cidade com alguma
importância. Quanto à Sra. de Almeida, seus problemas são os mesmos de qualquer
prefeito: "Precisamos construir mais estradas, mais parques públicos e
mais escolas", diz ela. "Meus dois maiores inimigos são o tempo e a
falta de dinheiro".
Apesar
de Miguel Pereira, o Brasil não tem se mostrado um terreno promissor para o
movimento de mulheres. É verdade que foi um dos primeiros países
latino-americanos a dar o voto às mulheres, em 1932, mas só em 1962 o Congresso
derrubou as antigas disposições do Código Civil que colocavam as mulheres
casadas em pé de igualdade com incapazes, índios e menores de idade, Leis
insanas de antidiscriminação que estão em vigor, mas não são cumpridas; as mulheres
brasileiras recebem cerca de 70% do que os homens recebem pelos mesmos
empregos.
Informadas
por uma tradição latina de domesticidade feminina que tem se consolidado ao
longo de várias gerações, as mulheres simplesmente têm pouca inclinação para se
envolver em política. Isso vale até para Miguel Pereira. "Sou a prefeita da
cidade", diz Aristolina de Almeida "mas, em casa, o chefe da família continua a
ser o meu marido".
Foto:
Prefeita Aristolina de Almeida
(direita) com o delegado (centro) e outras autoridades municipais.