"Elas mandam e desmandam" - Matéria do jornal Nacional de 31.10.1971 - Parte 3 - Final
"Sobre a mesa da prefeita, um papel: "arroz, feijão, gali...", a lista de compras interrompida pela chegada do repórter"
14/10/2022
Política
Edição 419
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Nas
últimas três edições, o Jornal Regional, vem comemorando os 100 anos de
nascimento da prefeita, vereadora e vice-prefeita Aristolina Queirós de Almeida,
republicando as reportagens que foram publicadas na época. Na edição da semana
passada, republicamos a entrevista que a revista norte-americana Time fez, em
Miguel Pereira, com a prefeita. Nesta edição, estamos reeditando a matéria do
jornal chamado Nacional, de 31.10.1971. É a terceira e última parte.
Jornal Nacional
Há
nove meses, elas dispensam qualquer piada a respeito - as mulheres governam
Miguel Pereira sem deixarem as funções de donas de casa. O resultado
já se faz sentir: o município fluminense agora conta com obras de pavimentação,
telefones funcionando, biblioteca pública, obras de saneamento, nível zero de
poluição da água; e o reconhecimento dos homens.
Prefeito,
juiz, promotor, escrivão, agente da Light:47 esses cargos e outros mais estão
em mãos femininas. Quando começou, era um fato curioso.
Delegado
Agora
é um balanço sério. O delegado Carlos Duarte, veterano investigador e,
atualmente, o homem de maior força em Miguel Pereira (as mulheres ocuparam
todos os outros cargos), é o primeiro a reconhecer. Diz à prefeita:
-
Dona Aristolina, no governo das mulheres, a Paz, com P grande, chegou a Miguel
Pereira.
Dona
Aristolina entrou por acaso na política, convocada quando dava mamadeira a um
dos quatro filhos. De vereadora a prefeita sem precisar de comícios, ela diz
acreditar no trabalho pacífico da mulher ao lado do homem: "- Afinal, para
alguma coisa eles ainda são necessários", concede.
Juíza
Desde
1968, Miguel Pereira tem uma juíza, Dra. Maria Heléna Pelegrinette Lourenço:
alta, morena, muito bonita e sem qualquer problema com o marido e os cinco
filhos.
-
Julgar é difícil tanto para homens quanto para mulheres. Em cidade pequena, o
juiz conhece os envolvidos na causa. Mas, entre a razão e o coração, a razão,
comigo, sempre vence -, diz ela, à voz suave.
Promotora
Outras
mulheres foram tomando conta da Justiça. Em 1969, chegou a promotora Hermezinda
Rocha. Depois, foi a vez da escrivã Lovinda Carvalho.
Chefe dos Correios
Dona
Cacilda Conceição é chefe dos Correios e dentista. Nas duas funções, não dá
motivo a queixa.
Dona
Lídia Guimarães Bernardes é agente da Light. Dona Semiramis de Vasconcelos
chefia o Serviço Médico Voluntário. E Dona Amariles de Almeida, filha da
prefeita, dirige o grupo escolar.
"Os
homens não criam problemas - sentencia Dona Aristolina - a não ser pequenas
disputas políticas, logo contornadas. Estamos entrosados, a bancada está do meu
lado, colaborando. Mas o que me deixa mais satisfeita é o apoio da população.
Não temos dinheiro. Encontrei só dívidas. As obras estão sendo feitas com o
apoio do povo mesmo.".
"Desde
que as mulheres vieram, as confusões foram embora", diz o investigador Carlos
Duarte, sintetizando a opinião masculina. E Dona Aristolina acrescenta: "Os
administradores dos municípios vizinhos nos olhavam com desconfiança, mas já se
renderam. Ajudamos muito o pessoal em um surto de raiva bovina que houve na
região, e conquistamos a amizade de todos.".
Em
Miguel Pereira, a rendição é incondicional; os homens pregam o feminismo:
Sílvio Xavier, vereador, admira especialmente as parteiras. Quer dar o nome de
cada uma delas às ruas do município.
O
ex-prefeito, deputado cassado ("vítima de fofocas") José Antônio da
Silva, virou quase um hippie, só pensa em artesanato. Com as seis filhas, faz
cintos, bolsas, enfeites. E comenta: "Não ligue para o que os políticos
disserem das mulheres. Elas são ótimas e Miguel Pereira ficou uma beleza".
Entre
os raros dissidentes, o mais recente prefeito, Manuel Guilherme Barbosa, que
fugiu em sua Mercedes branca assim que Dona Aristolina apareceu. Presidente da
Câmara, Guilherme Francisco Baddolate, também tem uma queixa: "Tudo magnífico,
mas estão exagerando. Saiu ontem num jornal que sou mulher. É bom retificar. O
vice-prefeito Nélson Watanabe cuida de rosas em silêncio oriental.".
Para
Dona Aristolina: "não basta que Miguel Pereira, cidade nova e linda, 223
quilômetros quadrados, 22 mil pessoas, tenha hospitais, água, luz, telefone,
pavimentação, escolas, turismo. Vamos atrair indústrias", diz ela.
A
rotina da prefeita começa às cinco da manhã, termina às nove da noite. O município
funciona, a casa também.
Homenagem
Assim
o jornal presta homenagem a essa gestora pública que tanto projetou o nome da
cidade de Miguel Pereira mundo afora. O jornal apoia o movimento de colocar o
nome da ex-prefeita Aristolina Queirós de Almeida no Colégio Estadual Álvaro
Alvim. Nada contra Álvaro Alvim, que era de Vassouras, mas o nome de Dona
Aristolina precisa ser preservado na cidade que escolheu para viver e criar sua
família.