Paraibuna e a passagem de D. Pedro I

Paraíba do Sul, No Tempo e na História

 11/10/2024     Historiador Sebastião Deister      Edição 513
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Por volta do ano de 1780, o português Cristóvão Rodrigues de Andrade, natural da cidade de Vizeu, em Portugal, estabeleceu-se na Paraíba do Sul, de cuja vila veio a ser Capitão de Ordenanças e na qual dedicou-se com afinco a várias atividades comerciais, possuidor que era de vultosos capitais. Na capela de Monte Serrat, contraiu então matrimônio com D. Ana Esméria de Pontes França, nascendo naquele povoado todos os seus filhos, inclusive Eufrásia Joaquina do Sacramento Correia, futura esposa de Laureano Corrêa e Castro, o mesmo que, em 1854, receberia o título de Barão de Campo Belo, em Vassouras. Assim, Cristóvão e D. Ana Esméria vinham a ser bisavós da famosa Eufrásia Teixeira Leite, a grande dama da vida vassourense no século XIX.

Em seu belo trabalho intitulado "CAPÍTULOS DA HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL", Pedro Gomes da Silva refere-se ao Capitão Cristóvão (que ele grafa como Christovam) da seguinte maneira:

"(...) o Capitão Christovam foi o homem de sete instrumentos no povoado. Era ele quem dirigia quase todas as transações comerciais do povoado pela reconhecida idoneidade. Vê-se pelos assentos de casamentos e batizados da freguesia que foi grandemente estimado, servindo sempre de padrinho nesses atos, muito importantes naquela época de crença arraigada no povo. Era o comprador dos principais moradores da Paraíba, ricos ou pobres; além do mais, (era) banqueiro de todos (...)"

Pela apreciável quantia de 28 mil cruzados, o Capitão Cristóvão adquiriu a Fazenda de Paraibuna, então pertencente a Ana Francisca Joaquina de Oliveira Horta Paes Leme (ou Francisca Joaquina d'Horta Forjaz Pereira), viúva de Pedro Dias Paes Leme, o filho primogênito de Garcia Rodrigues Paes. A escritura foi lavrada no Rio de Janeiro em 3 de agosto de 1805, no cartório do escrivão Manuel Marques Perdigão.

Assumindo a direção da fazenda, o Capitão implementou um conjunto de medidas destinadas a viabilizar a realização de investimentos diretos naquelas terras tão fecundas, com isso logo transformando um latifúndio ainda intocado e sem produtividade em uma propriedade rural dinâmica e rentável.

A inesperada morte do Capitão Cristóvão, nos albores de 1809, em nada alterou o desenrolar dos trabalhos iniciados na fazenda, e passados alguns anos somente o vasto engenho de açúcar estava avaliado na formidável quantia de 30 mil cruzados. Todavia, alguns anos após seu falecimento a fazenda foi retalhada entre seus filhos e outros herdeiros.

Durante o ciclo do açúcar, verificaram-se significativas melhorias nos transportes da região. Sob a direção do Capitão Antônio José Barbosa Teixeira, o lendário Capitão Tira-Morros, o já centenário Caminho Novo de Garcia foi bastante revigorado, recebendo profundas obras de recuperação de seu leito e simultaneamente vendo nascer a bela ponte sobre o rio Paraibuna. Registre-se que tal obra fora determinada em 1818 por Decreto expedido por D. João VI, mas sua inauguração somente aconteceria em 2 de maio de 1824.

Em relação a essa ponte, reportemo-nos ao Brigadeiro Cunha Matos, que visitou suas obras e delas disse:

"Às 4 horas da tarde fui com o Tenente-Comandante do destacamento ver a obra da ponte deste rio, para o que o segui pela margem esquerda, subindo e descendo pequenos morros por espaço de um quarto de légua, ou pouco mais, água arriba. Encontrei-me com o Coronel José Antônio Barbosa, diretor desta obra, o qual me pareceu mui ativo e diligente. A ponte é de madeira sobre grossos pilares de pedra lavrada; tem 5 vãos ou olhos, o mais largo dos quais é de 73 e meio palmos. O comprimento total da ponte é de 377 palmos e a sua largura 20. A estiva ou trilho da ponte passa de um a outro peitoril, o que é grande erro em tal obra porque quando se precisar conserto, ficará toda a parte intransitável e os viajantes serão obrigados a atravessar o rio no lugar que agora passam (...) Um cotovelo que faz o rio e o canal formado pelos penedos em que se levantou o grande pilar enganou certamente o mestre carpinteiro que delineou e dirigiu esta obra, debaixo da inspeção do sobredito Coronel. Depois de ter observado o trabalho desta nova ponte, passei por cima das madres dos pilares para a margem direita do rio, em que há montanhas elevadíssimas, e uma rocha talhada a pique, que talvez excede a 800 pés de altura perpendicular e caminhei encostado a esta rocha e vi brincando no rio alguns serobins (surubins) e um enorme jacaré ururau com o pescoço amarelo. Adiante ficam algumas casas, e finalmente às 6 horas da tarde cheguei ao lugar de embarque e passei para o Registro. A estrada que está se abrindo encurta 1 e meia léguas do caminho, e a ponte há de ser recoberta de telha." 

Pelo Registro de Paraibuna passou D. Pedro I, com toda sua comitiva, quando de sua célebre viagem a Minas no ano de 1822. Dois anos depois, já como Imperador de um Brasil independente, voltou ele ao local para inaugurar a ponte descrita por Cunha Matos, e sobre tais festividades o Diário do Governo, de 12 de maio de 1824, assim se expressou:

"No dia 2 de maio, depois do almoço, S.M. montou (na casa do Registro) e chegou à ponte do rio Paraibuna às 12 horas e um quarto, onde viu a magnífica Ponte, que se acabou de construir sobre o mencionado rio, a qual tem de comprimento 400 palmos, de largura 30 a 40, e formada sobre 5 pegões de pedra lavrada em forma triangular, coberta de uma madeira amarela, e guarnecida de outro lado de uma grade de madeira muito bem acabada; foi sobre esta Ponte, que S.M. jantou, e no jantar fez as seguintes saúdes - a S.M. a Imperatriz - à Eterna Independência do Brasil - e à desejada união das Províncias; tendo jantado montou a cavalo, e chegou ao Registro de Matias Barbosa, às 6 horas e um quarto, onde pernoitou (...) "

Paraibuna hoje marca a divisa dos estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. No lado mineiro, após a ponte sobre o rio, à direita de quem vai para Belo Horizonte, divisa-se o local onde se erguia o casarão que servia como Registro Geral do Caminho Novo. Um dos seus diretores foi o avô materno do Duque de Caxias, na época em que ali nasceu D. Maria Cândida de Oliveira Belo, em 27 de abril de 1782, mãe do Patrono do Exército Brasileiro, após seu casamento com Francisco de Lima e Silva.