Fazenda Pantanal

A propriedade foi um dos mais expressivos polos irradiadores de progresso em terras miguelenses na última década da centúria XIX

 10/03/2023     Historiador Sebastião Deister      Edição 440
Compartilhe:       

A proximidade do povoado de São Sebastião dos Ferreiros (administrado pela Vila de Vassouras desde os primórdios dos anos oitocentos) possibilitou a alguns desbravadores do Centro-Sul Fluminense a rápida implantação de fazendas, sítios e chácaras pelas colinas que se interpunham entre aquele freguesia e o povoado de Barreiros, e a Fazenda Pantanal não foi exceção nesse processo de ocupação. Tal propriedade foi um dos mais expressivos polos irradiadores de progresso em terras miguelenses na última década da centúria XIX. Construída ao lado de uma das ramificações da estrada que vinha da Fazenda São José das Rolinhas, Pantanal permitia conexões para Barreiros (hoje Miguel Pereira) e ainda para Ferreiros, e graças a essa estratégica posição viu-se bastante beneficiada em seus negócios, já que quase todos os viajantes da época precisavam, necessariamente, cruzar aquelas terras quando de suas jornadas para Massambará, Pirauí, Vassouras e Paty do Alferes.

A princípio, as terras formadoras da Pantanal pertenceram a D. Thereza Maria de Jesus, esposa de Manoel Pinheiro de Souza. Por volta de 1849, essa rica fazendeira negociou parte de sua propriedade com Manoel Rodrigues Ferreira, oriundo do logradouro vassourense de Pirauí, que também possuía por ali uma extensa data de terras. Com tal compra, Rodrigues Ferreira ampliou seus domínios em Barreiros, levando os limites de seu latifúndio até as linhas divisórias das propriedades de Luiz Quirino da Rocha, para leste, e José Werneck de Souza, um pouco mais a oeste.

Temos razões para crer que esse Luiz Quirino da Rocha fosse o filho primogênito do 1º barão de Palmeiras (Francisco Quirino da Rocha). O barão era casado com D. Luiza Maria de Jesus de Souza, filha de Manoel Pinheiro de Souza e de D. Thereza Maria de Jesus, citados acima. Logo, D. Thereza - assim investida como primeira proprietária da Fazenda Pantanal - vinha a ser sogra do barão de Palmeiras e avó de Luiz Quirino, cujas terras faziam divisa com a própria área da Pantanal.

Quanto a José Werneck de Souza, somos obrigados a discutir algumas hipóteses. A julgar pela data de venda (1849), é crível que esse proprietário fosse o 12º filho de Inácio de Souza Werneck, o patriarca da Fazenda Nossa Senhora da Piedade de Vera Cruz (hoje Santa Cecília). De fato, nascido em 11 de julho de 1792, José Werneck de Souza teria 57 anos na ocasião do negócio. Entretanto, precisamos alertar aqui para dois detalhes: em primeiro lugar, José tinha um filho com nome idêntico ao seu - na época contando aproximadamente 35 anos - e é possível que o fazendeiro mencionado nos documentos cartoriais seja este, e não o pai. O segundo problema remete-se ao nome, já que nos registros da família Werneck consta José de Souza Werneck tanto para o pai quanto para o filho, e não José Werneck de Souza, como se observa nas cópias da escritura de desmembramentos da Fazenda Pantanal. De qualquer forma, é fato comprovado que Manoel Rodrigues Ferreira passou a ser vizinho de José e Luiz, e a inversão do sobrenome do primeiro talvez deva ser creditada à distração de algum sonolento escrivão daqueles tempos.

Manoel Rodrigues Ferreira administrou suas terras por apenas um par de anos, logo repassando-as para Antônio Ferreira Moura e determinando os limites geográficos dessa venda na linha de separação existente em relação à Fazenda dos Monsores. Ora, sabendo-se que Monsores ficava em área muito próxima de Sacra Família do Tinguá, junto à qual atualmente floresce um pequeno bairro miguelense denominado Cilândia, pode-se hoje avaliar quão eram extensas as terras da Fazenda Pantanal. Por outro lado, Manoel Rodrigues Ferreira desfez-se do restante de suas terras somente em 1858, quando fechou negócio com o Dr. Luiz Gomes de Souza Telles, agricultor e pecuarista que vinha a ser trineto de Inácio de Souza Werneck, pois descendia diretamente de D. Maria do Carmo Werneck (a primeira filha de Inácio) e do Tenente José Pinheiro de Souza.

 

Os bairros que se formaram a partir da Fazenda Pantanal

 

A partir de 1882, realizaram-se vários desmembramentos na área da Pantanal, e para termos ideia de como tal loteamento influenciou o crescimento de Barreiros, convém ressaltar, mais uma vez, as amplas dimensões dessa propriedade. Com efeito, sua área de abrangência era extraordinária. A propriedade alcançava terras que dobravam as colinas em direção ao povoado de Ferreiros, infletia também em direção à Freguesia de Sacra Família e vinha fazer limites, mais a sudeste, com as fazendas da Estiva e do Sacco em glebas que hoje abrigam o centro de Miguel Pereira. Portanto, bairros miguelenses contemporâneos como Vila Margarida, Vila Suíça, Ramada, Plante Café, Summerville e Buraco dos Burros eram parte integrante dessa fazenda. Por conseguinte, cremos ser possível assegurar, sem medo de erro, que aquela magnífica propriedade interferiu diretamente em todo o processo de urbanização das terras centrais de Barreiros no interregno 1849-1894. Nesse último ano, a fazenda passaria às mãos do Dr. Antônio Botelho Peralta, e com ele ganharia dimensões sociais ainda mais expressivas. Lembremos que o Dr. Botelho Peralta foi casado com a princesa francesa Maria Adelaide de Burgos Chapuzet Vilet, deixando em Miguel Pereira uma vasta prole que até hoje carrega consigo o histórico sobrenome Peralta.

Ao longo de dez anos - entre 1882 e 1892 - o povoado de Barreiros acolheu outros pioneiros que, aos poucos, ergueram seus sítios pelas várzeas irrigadas pelo córrego do Sacco. Entre eles, destacaram-se Viriato Felipe Figueira e D. Gertrudes Marianna de Lacerda. Essa senhora, então proprietária do Sítio Alegria, deixaria suas terras como legado para Francisco José Fernandes que, em 1892, trocou-as com Viriato Felipe por uma data de terrenos situada na área da Pantanal, contígua às terras do Dr. Luiz Gomes de Souza Telles. Recebendo o Sítio Alegria, Viriato explorou-o de maneira bastante racional e promoveu o desenvolvimento daquela pequena área mais ao sul de Barreiros, facilitando, por conseguinte, o desbravamento das glebas que atualmente formam o bairro Retiro das Palmeiras. Essas terras abrigaram, depois da iniciativa de Viriato, a Fazenda do Retiro e a Fazenda Venda Velha, cujas atividades permitiram um contato mais rápido com o então embrionário logradouro de Francisco Fragoso, através de uma variante que conectava Javary a Vera Cruz (agora batizada como Estrada MP-04).

Em 1894, D. Joanna Maria de São João (D. Joanica), então vizinha do Dr. Antônio Botelho Peralta, vendeu-lhe uma data de terras que confrontava, por um lado, com a Estrada dos Ferreiros, por outro lado pelo caminho que seguia para o povoado de Barreiros, por outro com terrenos dos herdeiros de Antônio Francisco Appolinário e por mais outro com o Dr. Luiz Gomes de Souza Telles e a Fazenda Plante Café, negociações que colocaram a Fazenda do Pantanal no centro de um vasto latifúndio, hoje abrigando - vale repetir - os bairros da Ramada, Pantanal, Vila Margarida, Vila Suíça e parte do Plante Café, além de um longo trecho da estrada que segue para São Sebastião dos Ferreiros.

Nos anos cinquenta, a fazenda foi transformada no Hotel dos Turistas que, na ocasião, passou a rivalizar com os hotéis Summerville, criado por Bruno Lucci, e Lido, implantado pela família Wängler. Com a desativação do hotel, Pantanal passou pelas mãos de outras famílias, estando atualmente em franca reforma estrutural e ampliações implementadas por um empresário local que adquiriu a casa do Dr. Gil de Souza Ramos, seu último proprietário. A grande casa abrigou ainda, por algum tempo, o engenheiro suíço João Alberto Masô, antes de o mesmo adquirir terras na Estiva e nelas construir sua casa após seu casamento com dona Laurita. Masô comprou grande extensão de terras nas proximidades da fazenda, nelas arruando um ótimo bairro hoje batizado como Vila Suíça em homenagem às suas origens europeias. Por outro lado, escudando o amigo Paulo de Frontin, foi o engenheiro que muito colaborou na viabilização do trecho ferroviário na Serra do Tinguá e na conclusão do notável viaduto localizado no logradouro de Vera Cruz.

 

Imagem: Fazenda Pantanal nos anos setenta, quando funcionava como hotel dos Turistas

 

Na próxima edição: O Casarão da Rede Ferroviária