Jorge Amado e Pablo Neruda em Miguel Pereira

"Segunda-feira cedo, enchemos um saco, metemos no carro e lá fomos, o marido da loira e eu, para Miguel Pereira. Num armazém de secos e molhados adquiri vinhos nacionais de tipos mais ou menos semelhantes aos chilenos e retornamos à fazenda"

 26/06/2015     Historiador Sebastião Deister      Edição 39
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O conhecido livro Navegação de Cabotagem reúne numerosas e interessantes lembranças do grande escritor baiano Jorge Amado (1912-2001). O texto cobre desde meados dos anos vinte até o início da década de noventa do século passado, quando Jorge alternava sua vivência entre Salvador e Paris.


Em sua narrativa simples e muito pessoal, ele relembra velhos e queridos amigos, como Carybé, Glauber Rocha, Mirabeau Sampaio, João Ubaldo Ribeiro, Carlos Scliar, Dorival Caymmi e Stela Maris, Calasans Neto e Auta Rosa, não deixando também de mencionar outros gênios da literatura brasileira e estrangeira, entre eles Graciliano Ramos, Raul Bopp, Erico Verissimo, Osman Lins, Aldemir Martins, Flávio de Carvalho, Pierre Verger, Pablo Neruda, Pablo Picasso, Nicolás Guillén, Mario Vargas Llosa, Gabriel García-Márquez, Giuseppe Ungaretti e Jean-Paul Sartre.


O título remete aos diversos portos e cidades por onde o escritor passou, tais como Paris, Roma, Nova York, Lisboa, Moscou, Praga, Pequim, Havana, Casablanca, Dakar, Rio de Janeiro, São Paulo e, claro, sua amada Salvador.


Entre os convidados que recebeu no Rio de Janeiro, Jorge Amado (figura 1) cita com ênfase a visita do notável poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973 - figura 2). Diz ele à página 22 "(...) vou hospedar Pablo Neruda, honra insigne, acompanhado de Matilde, sua nova esposa".


Segundo Jorge, o apartamento em que se alojaram pertencia a uma loira, rica herdeira que fora de nobres latifundiários, segundo ele proprietários de cafezais sem fim, lá para o interior do estado...

E aí entra Miguel Pereira! Segundo o escritor baiano, Neruda ficou vivamente interessado em conhecer o que restara de uma fazenda de café. Diz Jorge Amado, à página 13:

 

"A loira e o marido reuniram o que restava de vinho chileno, de patê, de salmão defumado - O caviar e as trufas já tinham acabado -, juntaram as sobras e rumamos para a serra.

A propriedade situava-se a alguns quilômetros de Miguel Pereira".

 

Jorge cita, parágrafos à frente, o fato de o vinho ter acabado, razão pela qual ele resolve ir ao armazém da cidade comprar mais algumas garrafas. Registra ele que:

 

(...) Segunda-feira cedo, enchemos um saco, metemos no carro e lá fomos, o marido da loira e eu, para Miguel Pereira. Num armazém de secos e molhados adquiri vinhos nacionais de tipos mais ou menos semelhantes aos chilenos e retornamos à fazenda (...)

 

Infelizmente, Jorge Amado não menciona o nome da fazenda ou do armazém, e nem mesmo em que ano ele fez sua visita a Miguel Pereira acompanhado de Pablo Neruda. Sabe-se que esse admirável escritor chileno faleceu em 23 de setembro de 1973. Por outro lado, é fato que em 1953 construíra uma casa para sua amante Matilde, com quem veio conhecer o Brasil.


Partindo de tais datas, podemos especular que sua visita a Miguel Pereira tenha ocorrido em uma data qualquer dentro desse espaço de vinte anos. De qualquer forma, fica o registro na História: dois celebrados homens de letras visitando nossa terra para passear em uma fazenda e beber vinho à vontade, sem remorsos ou constrangimentos, de acordo com suas próprias lembranças.