A Emancipação de Miguel Pereira - Parte 1
Trajetória Política e Social de Miguel Pereira
20/05/2022
Historiador Sebastião Deister
Edição 398
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Subordinada a Vassouras por mais de um século, a
região de Miguel Pereira recebeu
concessões administrativas mais significativas daquela sede municipal em
apenas duas ocasiões: a primeira, à época da elevação de Governador Portela à
condição de Distrito em 16 de fevereiro de 1927 - título que a localidade
ostentou orgulhosamente até o dia 31 de dezembro de 1943 - e a segunda, quando
da assinatura do Decreto Estadual nº 1.055, da mesma data, que qualificava
Miguel Pereira como 10º Distrito Municipal, atribuindo-lhe jurisdição sobre
Barão de Javary, Vera Cruz e Francisco Fragoso. Na condição de distrito
vassourense, Miguel Pereira ganhava o direito de ter representação política
própria, podendo até eleger vereadores para Câmara vassourense, além de receber
Cartórios e uma Subdelegacia.
Voto
Distrital
De fato, graças a tais benesses políticas, que
criavam uma espécie de voto distrital, Miguel Pereira pôde enviar para
Vassouras, em 1950, os doutores Osvaldo de Araújo Lima, João Plínio Werneck,
Heitor Gouvêa Lima e Arthur Adolpho Wängler como seus representantes
legislativos, a exemplo do que aconteceria nos anos seguintes com Manoel
Guilherme Barbosa, Frederico Wängler, Aymar Ferreira Gomes e Aloísio Ferreira
Gomes, os dois últimos como representantes de Paty do Alferes.
No período de 1951 a 1954, a Prefeitura de Vassouras
foi comandada pelo excêntrico, porém afável e capacitado professor Cornélio
José Fernandes Neto, homem que sempre se preocupou em dispensar atenção e
carinho para com a nossa cidade e cujas atividades posteriores, como professor
em Paty do Alferes e Miguel Pereira, despertaram a admiração e o reconhecimento
público de toda a população serrana.
A bem da verdade, não eram somente esses homens
admiráveis e incansáveis que porfiavam em Vassouras em defesa dos interesses de
Miguel Pereira e Portela. As pessoas mais simples das duas vilas,
conscientizando-se dos benefícios que a emancipação poderia lhes trazer, também
organizavam suas próprias reuniões e assim, lenta, mas firmemente, congregavam-se
em torno da emérita figura de Gastão Gomes Leite de Carvalho (então Chefe do
Serviço de Coletoria Estadual em Miguel Pereira) para criar uma comissão que
pudesse realmente lutar em bases políticas seguras pela liberação do nosso
território do estéril domínio vassourense.
Descendente de uma ilustre e tradicional família
vassourense, o espadaúdo, elegante e vibrante Gastão trazia no sangue e na fala
o dinamismo de seus nobres antepassados. Sempre apuradamente vestido e jamais
retirando do rosto um refinado par de óculos escuros - sua marca registrada -
era dono de uma retórica poderosa e incisiva, e sabia como ninguém atrair para
suas causas o mais temeroso ou hesitante dos políticos e os mais incrédulos
moradores de Miguel Pereira. Argumentando com amplo conhecimento de causa,
criticando as medidas impopulares, adulando quando necessário, elogiando ideias
mais radicais e ajustando-se com espírito camaleônico às circunstâncias
políticas de momento ou ao nível cultural de seu eventual interlocutor, Gastão
conseguiu reunir em torno de si um círculo de distintos companheiros que de
pronto aderiram à sua causa: os Pereira Soares, Afonso Moreira da Costa Lima,
Álvaro Medeiros, Olímpio Lavinas, Francisco Badenes, Francisco Marinho
Andreiolo (que, a propósito, já exercera o cargo de vereador em Vassouras no
ano de 1932), José Guedes, Oliveiros de Castro Martins, Wilson Moraes (Nenco),
José Antônio da Silva (Zé Nabo), Corintho de Almeida e a esposa Aristolina,
Francisco Ramos Bernardes, Américo Vilela, Antônio da Silva Valente, Oswaldo
Duarte dos Santos, Darcy Jacob de
Mattos, Mário Lopes Rêgo, Manoel Guilherme Barbosa, Antônio Soares Vieira,
Adalmar Corrêa da Silva, João da Silveira Duarte, Venícius Ferreira Gomes,
Izaac Monteiro, João Deister, o recém-chegado Dr. Muniz, Geúdece Lopes Ribeiro,
Álvaro Caria, Paulo Lebre, Aynaro Pereira Leitão, Alvanir de Lima Ferreira e
dezenas de outras eminentes figuras, tanto de Miguel Pereira quanto de Portela
e adjacências.
Na tribuna da Câmara, em Vassouras, Frederico Wängler
cumpria com brilhantismo seu papel: apresentava moções e mensagens a seus pares
solicitando autorização para um plebiscito em Miguel Pereira, dialogava horas a
fio com o prefeito Cornélio para que ele aderisse à proposta de uma consulta
popular, fazia-lhe oposição radical quando não se via por ele prestigiado em
suas consultas e brigava com meio mundo em busca de apoio ao seu movimento.
Política e matreiramente, o prefeito mantinha-se à
distância dos apelos pessoais e dos assédios partidários, embora demonstrasse
nitidamente, em reuniões informais, sua simpatia pela causa da emancipação,
vindo mesmo a Miguel Pereira, em algumas ocasiões, formalizar junto ao
movimento libertário sua pronta colaboração administrativa e estrutural na
possibilidade de aquela causa tornar-se vitoriosa. Marchas e contramarchas
políticas, passeatas a princípio discretas, porém logo estrepitosas, e
eficientes pressões sobre os vereadores de Vassouras e deputados estaduais,
discursos estentóreos proferidos pelos quatro cantos de Miguel Pereira e
Portela por líderes inflamados e incansáveis, cartas, bilhetes, memorandos e
ofícios rebuscados e prolixos enviados para antessalas e gabinetes do poder
estadual - além de uma fé inabalável - atingiram por fim seu objetivo: para
regozijo da população, um plebiscito foi marcado pela Assembleia Estadual para
o dia 15 de novembro de 1954, já nos estertores do governo do prefeito Cornélio
José Fernandes Neto que, como já era de conhecimento geral, torcia nos bastidores
pela causa miguelense.
Claro está que o resultado do referendo se tornou
mais do que previsível: o povo em massa foi às urnas, e os números contundentes
antecipadamente relacionados pelos chefes do movimento de emancipação
estimularam um sem número de moradores a comparecer à antiga sede do Miguel
Pereira Atlético Clube (que funcionava na rua General Ferreira do Amaral -
foto) na expectativa da chegada das urnas, tudo isso com direito a Banda de
Música tocando nas ruas, estudantes uniformizados e o pároco Frei Xavier - um
batalhador por aquela causa - misturado ao povo. No clube, durante várias
horas, os líderes políticos de Miguel Pereira e Governador Portela não se
furtaram à oportunidade de pronunciar vibrantes discursos em louvor daquela
data magna. Afinal, uma vez confirmada o maciço comparecimento da população aos
locais de votação, impossível não cantar vitória antes do tempo. Assim,
confraternizava-se nos salões a nata política e social da época, comandada,
naturalmente, pelo dinâmico e esperançoso Gastão Gomes Leite de Carvalho e por
Frederico Wängler, este, inclusive, com direito a faixa na rua exigindo sua
candidatura a deputado estadual!
Resultado
O sufrágio foi levado a efeito distribuindo-se uma
urna em Vera Cruz, seis em Portela e sete em Miguel Pereira, as quais receberam
os seguintes totais: PELO sim: 1.683 VOTOS; PELO não: 30 VOTOS; BRANCOS: 5
VOTOS e NULOS: 3 VOTOS.
Na próxima edição: Os
Movimentos de emancipação - Parte 2