Fazenda Rocha Negra

De Parque Municipal Rocha Negra ao Parque dos Dinossauros

 03/03/2023     Historiador Sebastião Deister      Edição 439
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A história da propriedade teve início na segunda metade do século XIX, período em que a região esteve sob a tutela da Freguesia de Sant'Anna das Palmeiras do Alto da Serra do Comércio (ligada à Vila de Iguaçu, onde hoje é a Reserva Biológica do Tinguá), depois administrada pela Vila de Vassouras. Na época, a cidade de Miguel Pereira ainda não existia e toda sua área era conhecida como Povoado de Barreiros, termo depois substituído por Arraial da Estiva. A grande Fazenda da Rocha Negra tinha balizamentos limítrofes com sua vizinha Bom Fim (atual Arcádia), então propriedade do barão de Mentzingen (Wilhelm Raban von de Mentzingen), alemão ali estabelecido como cafeicultor. 

Especificamente em relação à grande casa, não se sabe ao certo a data de sua construção, mas o primeiro proprietário de quem se tem notícia foi Alfredo de Souza Gomes, homem de negócios nas regiões de Vassouras, Sant'Anna das Palmeiras e Paty do Alferes, aparecendo em vários registros datados de 1870 como lavrador, fazendeiro, dono de moinho e padaria. À época da administração desse pioneiro, existe um curioso anúncio sobre a fuga de um cativo que registra o seguinte:

 

"Escravo fugido: Fugiu da Fazenda da Rocha Negra (...) em Vassouras, propriedade de Alfredo de Souza Gomes, o escravo José Pernambucano, pardo escuro, mal encarado, pouca barba e bonito cavanhaque, estatura mais que regular (...) trajando calça de riscada e camisa branca de algodão com a marca I, tocador de viola e rabeca, que levou (durante a fuga). Quem o apreender ou der notícias certas no Paty do Alferes a Manuel Francisco Bernardes ou ao seu senhor, na referida fazenda, será generosamente gratificado" (Gazeta de Notícias - em 1882)"

 

Não podemos deixar de registrar que, no alto de uma das colinas que margeiam a RJ-125, nas proximidades de Governador Portela, existe uma enigmática construção esculpida numa pedra que configura uma espécie de altar, conhecida como Igrejinha dos Escravos por praticamente todos os moradores da região. Com efeito, suas características lembram os tipos de altares rústicos entalhados pelos escravos, porém não foi ainda encontrada nenhuma documentação ou prova de campo que evidenciem, de fato, sua origem. De qualquer forma, segundo antigos residentes da área o local era utilizado pelos negros que trabalhavam nas fazendas Rocha Negra e Ribeirão das Flores, ambas bem próximas do local. Como reforço da teoria que atribui aos antigos negros a existência da capelinha, podemos lembrar que em meados do século XIX algumas famílias administravam as propriedades que serviriam de embrião para o aparecimentos das duas fazendas alocadas na descida da serra, no caso as duas citadas acima. De fato, por ali circularam membros das estirpes Monsores e D'Ávila.

Durante a cafeicultura explorada na região, toda a produção agropecuária aglutinava-se a uma família diretamente atrelada a um tronco administrativo principal, no caso o senhor da fazenda. Prevalecia sempre a ideia de que os trabalhos de campo viam-se dificultados com a partilha excessiva das propriedades entre pessoas alheias à estirpe familiar, razão pela qual casamentos entre tios e sobrinhas e entre primos e primas eram mais do que desejáveis, pois enfeixavam em uma mesma família o patrimônio geral obtido com o trabalho de produção. Diante disso, o legado familiar era o momento em que os filhos recebiam sua parte dos bens paternos, e muitas vezes a herança de pais e sogros contribuía para a melhoria da situação dos filhos.    

Por volta da década de 1930 uma fração da fazenda foi vendida para a União. Era a parte que tinha uma pedreira, localizada no km 117 do ramal ferroviário Governador Portela - Vassouras. Na década de 80 a fazenda foi utilizada por uma comunidade tipo espiritualista, do processo fischer-hoffman da quadrinidad, cujos membros pregavam a busca pela paz interior e "orgasmo total", no sentido literal da palavra. Na década seguinte chegou a sediar workshops esotéricos e aulas de tecelagem.

Nas últimas décadas foi instalado um lixão na vizinhança da fazenda, trazendo problemas como contaminação da água por chorume, mau cheiro, aparecimento de répteis e roedores, inviabilizando a vivência humana e os processos de produção da grande propriedade que, pouco a pouco, foi sendo abandonada. Desta forma, a família do penúltimo proprietário, Otelo Brandão, parou de recolher os impostos à prefeitura e abandonou o local. Importante ressaltar que o lixão que tanto feria as encostas da serra foi desativado nos anos 2000.

Sabe-se, ainda, que suas terras foram repassadas gradativamente a vários proprietários no decurso das décadas mediais do século XX, até serem adquiridas, em definitivo, pela família Waddigton. Seu último proprietário foi a senhora Mitzi Waddington. Não se tem notícia nem informações precisas a respeito de suas atividades, fossem pastoris, fossem agrícolas. A casa servia tão-somente como moradia para familiares e amigos de sua proprietária nos finais de semana, até porque a proximidade do antigo lixão não apenas desvalorizava suas terras como também desanimava qualquer ação de recuperação ambiental ou uso de solo para eventuais plantações por conta do chorume nas encostas periféricas da Rocha Negra.

Após longas negociações e projetos, inclusive com a efetiva participação do então secretário de Meio Ambiente, Mauro de Alvarenga Peixoto, o então prefeito Roberto Daniel Campos de Almeida, através do Decreto nº 3.779 de 30 de dezembro de 2010, desapropriou a área da fazenda depositando o valor de R$ 246.500,00 (duzentos e quarenta e seis mil e quinhentos reais) de pronto referendado e ajuizado legalmente através do processo 0002093-80.2010.8190 ajuizado na Vara Única da Comarca de Miguel Pereira pelo escrivão Sidney Magrani. A Guia de Pagamento, para recebimento pelo antigo proprietário, levava o número 5700212, sendo datada de 06 de agosto de 2010. Assim sendo, e efetuado o pagamento, pôde então o prefeito editar o Decreto nº 3.779 que, após vários considerandos, criava, "(...) no âmbito da Secretaria Municipal de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, o Parque Municipal Rocha Negra."

 

Pelo mapa de localização, o Decreto estabelece que

 

"O Parque localiza-se no perímetro rural do 2º Distrito de Miguel Pereira, que tem os seguintes limites: partindo de um ponto na Estrada de Governador Portela a Bomfim (Arcádia), onde a divisa com a fazenda Prosperidade de Anna Werneck Risso quebra a linha em direção do lugar Murundú, confrontando com a fazenda Presidência, pertencente a Abel Machado ou sucessores; desse ponto vai em linha reta à linha férrea de que de Governador Portela ia até à cidade de Vassouras, com a qual hoje faz divisa até encontrar a propriedade dos sucessores de Jorge Lira de Azevedo com a qual confronta em linha quebrada, até encontrar novamente a linha férrea prela qual segue até encontrar a propriedade denominada Serraria pertencente a Irineu Teixeira Portela, confrontando-a até mais uma vez encontrar a linha férrea pela qual segue até encontrar a fazenda Sertãozinho de propriedade de Bernardo Sayão Carvalho Araújo, com a qual confronta até encontrar a Estrada Governador Portela a Bomfim que vai margeando até chegar no ponto de partida".

 

O estilo arquitetônico da fazenda e o material empregado remetem-se ao início do século XX, mas uma análise mais apurada da estrutura geral, das colunas e do estilo de abertura de grandes portas e janelas, tudo em pedra ou tijolos maciços, além de pisos em pedra de cantaria, demonstram que a construção parece ter sido erguida em alguma época do século XIX, provavelmente em seus últimos decênios.

Graças ao Poder Público de Miguel Pereira, em uma parceria com empresas privadas, ali foi estabelecido um grande projeto de revitalização e melhoria de acessos, sendo então instalado no coração da grande mata uma inédita atração turística e cultural denominada Parque dos Dinossauros inaugurado em 2022.

 

IMAGEM: Casarão da Fazenda Rocha Negra no ano 2013

 

Na próxima edição: Fazenda Pantanal