A Praia da Barca, a casa grande e os limites do Sertão
Paraíba do Sul, no tempo e na história
26/07/2024
Historiador Sebastião Deister
Edição 509
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Para construir a sede de sua fazenda, o
pioneiro sertanista Garcia Rodrigues Paes, construtor do Caminho Novo (a ser
estudado futuramente), avaliou cinco colinas da área ribeirinha, optando por
uma que se erguia a cavaleiro do remanso do rio Paraíba e bem junto à área que
todos chamavam de Praia da Barca. Tem-se como certo que, por cerca de 150 anos,
o termo Casa Grande designou o morro que abrigava a sede de sua propriedade, em
cujas dependências continuaram a viver a esposa Maria Pinheiro da Fonseca e
seus filhos após a morte de Garcia em 1738. Essa denominação histórica foi
abandonada tão-somente em 1836, quando a Câmara de Vereadores proibiu no local
a edificação de novas casas em razão de o cemitério da fazenda se encontrar
desprotegido, servindo para a invasão e pastagem de animais de todos os tipos.
Na então rudimentar, mas ampla fazenda da
Paraíba, parte da árdua tarefa de aproveitamento do solo inculto e também da
colonização de suas glebas coube a um cunhado de Garcia - o também bandeirante
Domingos Rodrigues da Fonseca Paes Leme - que, da mesma forma, desejava participar
das obras de abertura pelas montanhas de uma via mais curta que pudesse, em
definitivo, conectar o Rio de Janeiro às desejadas minas de ouro.
Por mais incrível que possa parecer, foi
determinada, pelos primeiros administradores do local, uma proibição de se
levantar qualquer tipo de casa no morro da Casa Grande, o que levou suas terras
a se tornarem devolutas e praticamente sem utilidade, sendo que, em 1880,
aquele nome centenário e tão importante já se encontrava totalmente esquecido
pelos moradores da vila que crescia a olhos vistos.
Posteriormente, com a criação do município, em
15 de janeiro de 1833, o morro da Casa Grande passou a abrigar a Câmara
Municipal no interregno 1833-1841. Lembremos ainda que, entre os anos de 1834 e
1848, um dos amplos cômodos dessa casa legislativa também serviu de guarda para
o Sacrário da Matriz, o mesmo que era venerado na Igreja de Nossa Senhora da
Conceição, construída por Pedro Dias Paes Leme sobre o túmulo de Garcia, seu
pai, a qual fora deixada de lado pela família quando de sua imigração para o
Rio de Janeiro. Uma vez que as ruínas desse templo já não se mostravam mais em
condições de resguardar o Sacrário, este então foi transferido para a Câmara à
espera de uma solução mais racional.
A segunda Igreja de Nossa Senhora da
Conceição, erguida exatamente sobre o jazigo de Garcia Rodrigues Paes, ganhou
sua consagração como Matriz em 1756, quando da criação da Paróquia da Conceição
da Virgem e dos Santos Apóstolos São Pedro e São Paulo. O templo atual - um dos
maiores da região de Paraíba do Sul e quiçá do território sul fluminense- teve
suas obras iniciadas em 1860 e concluídas em 1882, localizando-se no coração da
cidade paraibana.
O antigo "Sertão da Parahyba", pelo sul,
alcançava a Serra do Mar (descida no ano de 1699 pela primeva picada aberta por
Garcia e companheiros), enquanto que para leste - no ano de 1724 - estabelecia
divisa direta com o Caminho do Major Bernardo Soares Proença. Registre-se que
essa via de penetração, a partir de Inhomirim, possibilitou a ocupação do
território hoje coberto pelo de Petrópolis.
Para oeste, o Sertão alongava-se para as
glebas onde nasceriam décadas depois as roças de Paty do Alferes (provavelmente
derivadas dos rossios deixados por Garcia quando de sua passagem por aquela
zona em 1704), Barreiros (posteriormente Estiva e atual Miguel Pereira), Sacra
Família do Caminho Novo do Tinguá, Vassouras, Nossa Senhora da Glória de
Valença e Santa Tereza (hoje Rio das Flores). Em relação ao sentido norte, as
terras paraibanas seguiam até as águas do rio Paraibuna, nas terras então
designadas pelos paulistas como Sertão da Mantiqueira de Baixo. Daí,
alongava-se um imenso vazio até Campos, no chamado Sertão dos Goytacases,
espaço livre e fértil onde viria à luz, em 1786, o Arraial de Cantagalo.
O primeiro proprietário a se instalar no
Sertão depois de Garcia - no ano de 1703 - foi José Ferreira da Fonte,
Secretário do Governo da Capitania do Rio de Janeiro, o qual, entretanto, ali
nunca pôs seus pés. De qualquer forma, torna-se importante citá-lo neste
trabalho pelo fato de que, bem cedo, verificou-se naquela fértil área uma
intensa especulação imobiliária, cuja consequência mais imediata foi a cessão a
José Ferreira da Fonte de uma fazenda nas cercanias do Sertão da Paraíba, logo
denominada Fazenda do Secretário em função de seu cargo no Governo da
Capitania, titulação que, a propósito, logo foi aposta ao rio que corta o vale
da propriedade e que configura um afluente do rio Fagundes.
Homem de enorme influência pessoal, e
extremamente hábil nas lides políticas, José Ferreira alcançou a prestigiosa
função de preposto do governador Aires de Saldanha durante as negociações de
compra de uma sesmaria entregue em 1728 a um Coronel das Ordenanças da Vila de
Parati. A grande propriedade do governador - adequadamente batizada por ele de
Fazenda do Governo e assim consagrada pelo Sertão - veio a sofrer diversos
repasses de venda desde sua implantação, passando até mesmo por cerca de seis
negociações entre seus vários proprietários e com isso perdendo,
paulatinamente, muito de sua glória histórica e de sua beleza arquitetônica.
Por seu turno, a Fazenda do Secretário José
Ferreira da Fonte, localizada bem ao sul do Arraial de Sebollas, viu-se
contemplada com ótimas ampliações quando, em 1734, seu dono recebeu nova
sesmaria de légua em quadra (aproximadamente 40 m²) junto ao divisor com o rio
Piabanha, transformando-a de imediato numa próspera e respeitável herdade por
cuja periferia passava o Caminho do Proença.
Com a morte de José Ferreira da Fonte, a fazenda
foi repassada, como herança, a seu filho Antônio Pegado de Carvalho, razão pela
qual a mesma iria ser conhecida por longo tempo como Fazenda do Alto do Pegado
e cuja importância histórica para a nossa região será amplamente focalizada
quando estudarmos os detalhes de criação da Variante do Proença em item futuro.
Imagem: Caravana de Tropeiros pelo Sertão