Estradas Pioneiras e a Fazenda São João da Barra - Parte 3
Assinaturas de D. Pedro I e D. Pedro II e atestados de alforria, equipamentos dos castigos e na disciplina dos escravos
24/02/2023
Historiador Sebastião Deister
Edição 438
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Segundo o Inventário das Fazendas de Café do Vale do
Paraíba
"A casa-sede da Fazenda São João da Barra possui
uma planta retangular, com medidas de 27,00 metros x 16,90 metros. A edificação
sofreu poucas modificações quanto à sua configuração exterior (...) No centro
da fachada frontal, temos uma varanda entalada no espaço que, originalmente,
abrigaria um alpendre. A construção segue a tipologia de uma casa bandeirista,
o que nos leva a crer que, provavelmente, existiam duas portas laterais, dando
para o que, supostamente, seria a capela e o quarto de tropeiro ou viajante
(...) Esta varanda central é ladeada por duas janelas de cada lado, e seus
pilares atuais são de alvenaria, entretanto os originais eram de madeira. O
acesso à varanda é feito através de uma pequena escada com dois degraus de cada
lado e guarda-corpo em ferro trabalhado pintado de azul".
Curiosamente, a entrada original da fazenda, que
interligava a frontaria principal do prédio à Estrada do Comércio, foi demolida
por antigos proprietários, havendo no local um paredão com gradeamento no bordo
superior e um renque de palmeiras. Assim, o acesso à casa-sede é feito
diretamente pelos portões do fundo da fazenda através de uma descida calçada
com paralelepípedos (também margeada por palmeiras) que passa pelas garagens e
pelo pátio gramado (que cobre o amplo espaço do antigo terreiro de café) para
então alcançar a varanda da parte posterior da residência.
Ainda
em relação à frontaria principal, o Inventário nos diz que:
"Nas
fachadas, encontramos portas com bandeiras e folhas em tabuado pintadas na cor
azul. As janelas são duplas, ou seja, com guilhotinas envidraçadas, pintadas
nas cores branca, azul e amarela, com a característica de serem pivotantes na
folha superior, e, externamente, possuindo folhas subdivididas em quatro por
dobradiças. Levando em consideração a referência das portas tabuadas, essas
janelas deveriam ser originalmente enrelhadas como as portas. Na fachada
lateral esquerda, temos na área de serviço e cozinha os vãos fechados por
barras verticais".
O
Inventário também registra que:
"Temos no interior da casa a sala de jantar
pintada na cor amarela. Nessa sala, à direita, há um acesso aos ambientes
sociais, quarto de hóspedes e à escada que leva do porão aos ambientes sociais,
além de uma sala-museu, com documentos e mobília de valor histórico, adquiridos
pelo proprietário em leilões ou já encontrados na fazenda (...) À esquerda da
sala de jantar, temos acesso à cozinha, serviços e dependências íntimas."
Atestados de alforria, equipamentos dos castigos e
na disciplina dos escravos
Da sala principal alcança-se a escada de acesso ao
porão, um ambiente social decorado com mobiliário de alto valor histórico
adquirido em outras fazendas ou arrematado em leilões. Tal espaço, cujas
paredes são revestidas de tijolos aparentes, compõe, na realidade uma
sala-museu dotada não apenas de móveis típicos de séculos anteriores como
principalmente, de uma admirável e valiosa coleção de documentos que se remetem
aos antigos períodos coloniais e imperiais do Brasil. Expõem-se ali, de modo
perfeitamente organizado e até mesmo cronologicamente correto, dezenas de
certidões, títulos, cartas, manuscritos, convites, atestados de alforria,
diplomas e moedas raras, além de equipamentos empregados nos castigos e na
disciplina dos escravos, tais como correntes, gargalheiras, algemas etc.
Assinaturas
de D. Pedro I e D. Pedro II
Ressalte-se o fato de que todo o extraordinário
acervo da sala-museu é bastante valorizado pela sua autenticidade e pelas
assinaturas de D. Pedro I, D. Pedro II e de outros próceres do Império apostas
em muitos dos documentos postos à vista do visitante de maneira clara e
objetiva tanto por sobre mesas quanto pelas paredes daquela agradável e
elucidativa ambiência histórica. Complementando a ornamentação, há uma
interessante sequência de imagens ornadas relativas à época escrava, com
destaque para figuras de Jean-Baptiste Debret e de Johann Moritz Rugendas, além
de uma belíssima pintura emoldurada de D. Pedro I, elementos ornamentais que concluem
com requinte e bom-gosto os cômodos inferiores da casa. Ainda no porão
mostram-se bastante aparentes os fortes barrotes da construção, além de suas
paredes de tijolos maciços envernizados, para o qual existe uma ventilação
produzida por aberturas aos rés do chão existente nas paredes da fachada.
Antes da trágica morte de seu proprietário, em
janeiro do presente ano, a fazenda aceitava visitações previamente agendadas
pelo telefone (24) 2468-2029. O circuito, além de passagem pelos pátios e
cômodos centenários da propriedade, podia incluir simplesmente um lanche ou
então um substancial almoço, ambos servidos em louças brazonadas, copos de
cristal, terrinas e bules de prata e talheres de época. O agendamento prévio fazia-se
necessário para o perfeito detalhamento do número de pessoas, datas e valores
do programa.
De qualquer maneira, a fazenda é o centro
administrativo de um imenso latifúndio de 900 alqueires, territorialidade que
interliga dezenas de unidades constitutivas espalhadas por vários logradouros
dos municípios miguelense, vassourense e frontinense.
Na jurisdição de Miguel Pereira, destacam-se Santo
Antônio ou Presidência, Deserto Feliz, Bomfim e Prosperidade (em Arcádia e bem
próximas da própria São João da Barra); Bom Futuro e São João da Boa Vista (em
glebas da localidade de Santa Branca) e Santa Rita (nos limites de Conrado, 3°
Distrito), além de Floresta, Margarida e Bom Sossego, com braços infletidos
diretamente para Miguel Pereira. Por seu turno, a área vassourense abriga as
fazendas São José e Cara Santa, ao passo que Engenheiro Paulo de Frontin
resguarda a chamada Serra de Botaes.
IMAGEM:
Um dos vários espaços históricos da fazenda
Na próxima edição: A
Fazenda Rocha Negra