Fazenda do Sacco - Antigas Fazendas de Miguel Pereira - IV

A sesmaria do Sacco foi concedida em finais dos anos setecentos a Manoel de Azevedo Matos, fazendo testada com os fundos das fazendas de Manga Larga e do Governo, estas pelas bandas do Paty do Alferes

 29/07/2016     Historiador Sebastião Deister      Edição 96
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A sesmaria do Sacco foi concedida em finais dos anos setecentos a Manoel de Azevedo Matos, fazendo testada com os fundos das fazendas de Manga Larga e do Governo, estas pelas bandas do Paty do Alferes, já medidas quando da existência da Fazenda de Nossa Senhora da Piedade de Vera Cruz, fundada, em 1770, por Manoel de Azevedo Matos ao lado da mulher Antônia Ribeiro do Pilar Werneck e dos filhos Inácio de Souza Werneck, Ana de Jesus Werneck e Manoel de Azevedo Ramos. Tal sesmaria media 1 légua em quadra ou 3.000 braças de testada (cerca de 6.600 m2), confrontando ainda os fundos da Fazenda Sacco Velho, a meio caminho para Paty, antiga propriedade também criada por Manoel de Azevedo Matos e que fora herdada por Inácio, seu filho mais velho. Manoel fê-la medir extrajudicialmente de acordo com os vizinhos de então, ou seja, seu irmão Inácio de Souza Werneck e Manuel Pinheiro de Souza por um lado, confrontando com a futura Estiva de Antônio da Silva Machado, a leste, com as terras limítrofes à Fazenda de São Sebastião dos Ferreiros, de Manuel Ferreira da Silva, pelo norte, e finalmente pelos fundos, na direção oeste, com Manuel Rodrigues dos Santos e seu filho.

Por morte do patriarca Manoel em 1788, a Inácio coube a Piedade, a Ana de Jesus legou-se a Fazenda de Monsores (no caminho para Vassouras) e ao filho caçula Manoel de Azevedo Ramos foi repassada, em 1 de dezembro de 1789, a chamada Fazenda do Sacco no alto da Serra do Couto e às margens do atual lago de Javary, com confirmação no ano de 1819. Com a morte de Manoel de Azevedo Ramos, a fazenda foi desmembrada, com parte de suas terras entregues à viúva Ana Maria Werneck, que recebeu um total de 2.000 braças de testada. O restante da área, com cerca de 1.000 braças de testada, foi legado a D. Maria do Carmo Werneck, viúva do Tenente José Pinheiro de Souza e sobrinha de Manoel de Azevedo Ramos.

No intuito de evitar eventuais confusões de datas, nomes e propriedades, cabem aqui duas explanações. A primeira refere-se ao fato de a Fazenda do Sacco, estando às margens do lago de Javary, fazer testada e toque de linhas de divisão com a Fazenda Manga Larga, de Paty, e com a Fazenda do Governo, esta já em terras do atual distrito patiense de Palmares. Embora tais afastamentos entre terras possam parecer imensos, lembremos que todas essas propriedades pertenciam a um ou outro membro da família Werneck, razão pela qual seus patrimônios se tocavam em praticamente todos os quadrantes territoriais do alto do Serra do Couto. No que tange à Fazenda Governo, ainda mais distanciada, seus limites, por si mesmos, cruzavam-se com a Manga Larga, daí porque todos os terrenos mencionados eram tão adjacentes.

A segunda explicação remete-se à herdeira Maria do Carmo Werneck, primeira filha de Inácio de Souza Werneck e de Antônia Ribeiro do Pilar Werneck. Casada com o Tenente José Pinheiro de Souza, Maria do Carmo gerou quatro filhos, e o primogênito acabou recebendo o nome de Joaquim Pinheiro de Souza que, em 1864, tornou-se dono das terras formadoras da Fazenda do Retiro/Venda Velha. Nesse mesmo ano, Joaquim adquiriu terras da Fazenda da Estiva, no povoado de Barreiros, então administrada por Antônio da Silva Machado. Por conseguinte, Joaquim agregou terras do Sacco, do Retiro e parte da Estiva, criando assim um vasto latifúndio que muitos anos depois, ao ser desmembrado, daria origem aos atuais bairros de Barão de Javary, Retiro, Buraco dos Burros e Aninha Moura. Já uma das encostas a cavaleiro de dois açudes próximas à Estiva também abrigaria, posteriormente, uma pequena propriedade conhecida como Fazenda Plante Café. Por outro lado, as terras da Fazenda do Sacco, estendendo-se mais a noroeste, possibilitaram o surgimento de outro povoado que também seria conhecido como Estiva do Caminho para Sacra Família do Tinguá, embrião do território que seria batizado como Governador Portela quando da chegada da ferrovia à serra em 1898.

Seria interessante fazer agora uma digressão a respeito da peculiar denominação dada à antiga fazenda e também ao pequeno riacho que atravessa Miguel Pereira. Na realidade, o termo Sacco já era amplamente utilizado pelos primeiros habitantes do lugar. Contudo, a origem da palavra e o seu uso tão assíduo na serra continuarão ignorados, uma vez que os fazendeiros serranos em geral titulavam suas propriedades em função dos primeiros nomes dos seus fundadores, utilizando os santos da Igreja Católica ou qualificações relativas à localização geográfica de suas fazendas. Acredita-se que Manoel de Azevedo Matos se tenha valido de um costume vindo de Minas e Goiás, visto que lá era comum chamar-se "sacco" qualquer extensão de planície que possuísse matas virgens circundadas por um arco de círculo descrito por um rio qualquer. Como os Werneck tinham chegado de Barbacena e se instalado ao lado de curvas do rio Santana, podemos deixar no ar a hipótese de que o termo Sacco foi lançado por Manuel de Azevedo Ramos a partir de 1789 para qualificar sua ampla sesmaria no alto da Serra do Couto.

Nas últimas décadas do século XIX, a Fazenda do Sacco passou às mãos do barão de Javary (Jorge João Dodsworth), sogro do Dr. André Gustavo Paulo de Frontin, o construtor da Linha Auxiliar da Estrada de Ferro Melhoramentos do Brasil. Em épocas posteriores, foi administrada por outros proprietários, configurando hoje um hotel pousada. 

Na próxima edição: Fazenda Monte Líbano