Baía de Guanabara leva "bomba"

Avaliação inédita sobre situação ambiental de um dos cartões postais do Rio emite conceito da qualidade da água

 11/08/2017     Planeta Colabora      Edição 150
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Na praia de Ipiranga, em Magé, no Rio de Janeiro, um dos muitos exemplos de como não podemos mais perder tempo com debates sem fundamentos. É hora de agir.

Depois de anos prometendo que seu badalado aluno "passaria no teste" com louvor, o governo do Estado do Rio, enfim, reconheceu que o pupilo está longe de ser um estudante exemplar. A Baía de Guanabara, objeto de inúmeras promessas de despoluição nas últimas décadas, foi classificada, em seu primeiro Boletim de Saúde Ambiental, com o conceito "D", ou "qualidade da água ruim", por um grupo de 200 representantes de diversas organizações. É a penúltima escala de uma série de cinco; que vai do A (muito boa) ao E (muito ruim).

O boletim faz parte de um aguardado pacote de novidades sobre a Baía de Guanabara, apresentado pelo governo do estado no Museu do Amanhã, no último dia 21 de julho, e resultante do termo de cooperação técnica assinado pelo Estado do Rio com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), há cinco anos. O órgão de fomento doou US$ 1 milhão para a realização de uma série de estudos sobre a baía-símbolo do Rio de Janeiro.

"Melhorar as condições da Baía de Guanabara leva tempo. Vocês devem estar juntos e ter paciência. É importante levar em conta que a Baía de Guanabara não será despoluída se os rios que deságuam nela não forem limpos. A ideia é que o boletim seja atualizado semestralmente ou anualmente. Agora é com vocês" afirmou Dave Nemazie, pesquisador da Universidade de Maryland, que coordenou o estudo.

Parâmetros como oxigênio dissolvido, demanda biológica de oxigênio, ortofosfato, nitrogênio inorgânico dissolvido e turbidez ampararam a avaliação. Foram analisados 21 pontos de coleta. O boletim teve uma tiragem de 3 mil exemplares.

 A inspiração para o boletim da Baía de Guanabara veio de experiência semelhante na Baía de Chesapeake, nos Estados Unidos. Por lá, as ações de despoluição começaram no final da década de 1980, e prosseguem com bons resultados. Principalmente após a opção dos gestores em aferirem metas de curto prazo. Mesmo com os tratamentos de esgotos bastante avançados, o gigantesco estuário americano - circundado por dois estados, 13 condados e três grandes municípios, onde vivem 9,3 milhões de pessoas - ainda padece com problemas ambientais, como o despejo de defensivos agrícolas e assoreamentos. Por isso, a última nota conferida à Chesapeake, em 2016, é um modesto "C".

O boletim da Baía de Guanabara a divide em cinco áreas, de acordo com as dinâmicas das marés. Mostra com clareza as diferentes "baías" que compõem o espelho d'água de 380 quilômetros quadrados. Se a entrada da Baía de Guanabara possui boas condições de balneabilidade, o fundo, em áreas que recebem as contribuições de rios da Baixada Fluminense, padece com índices péssimos. Cinco cidades - Cachoeiras de Macacu, Tinguá, Magé, São João de Meriti e Nilópolis - registram índice zero de tratamento de esgotos.

Além do primeiro boletim, também foi apresentada ao público uma plataforma digital com uma biblioteca de documentos utilizados na avaliação das condições da Baía, uma descrição das recomendações de um plano de recuperação ambiental. São informações preciosas que nunca haviam sido divulgadas e devem agradar desde estudantes a profissionais que atuam em questões a ela relacionadas.

Críticas pesadas

É a primeira vez que a Secretaria do Ambiente do Rio e a Cedae admitem, oficialmente, que o percentual de tratamento de esgotos domésticos dos 15 municípios que circundam a Baía de Guanabara é de 35%. Outro avanço. Essa questão sempre foi controversa, e órgãos da administração pública batiam cabeça na divulgação do percentual. Muitas vezes, chegou a ser divulgado que o percentual beirava os 50%.

"O governo agora fala a mesma linguagem: o porcentual que se trata é de 35%. Como vamos ter uma Baía de Guanabara limpa com índice zero de tratamento em cidades? O mais importante é estabelecermos metas factíveis, com acompanhamento da sociedade"  André Corrêa, secretário do Ambiente licenciado

Já a proposta de criação de um novo órgão centralizador das decisões na Baía de Guanabara nasceu polêmica. Como tudo o que a envolve é temperado com paixões, o Centro Integrado de Gestão da Baía de Guanabara (CIG-BG), apresentado pela ONG Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), foi alvo de uma série de críticas por não prever uma participação mais expressiva da sociedade civil na tomada de decisões. A ideia é que a entidade, que ainda deve ser criada por meio de projeto de lei a ser encaminhado à Assembleia Legislativa, seja um fórum articulador entre os diferentes atores que participam do cotidiano da Baía de Guanabara. No entanto, o órgão, majoritariamente governamental, não prevê espaço para voto à sociedade civil em suas assembleias.

"Não entendi a criação desse órgão. Me parece que estão tentando inventar a roda. É necessário fortalecer os comitês de bacias, promover mais integração entre as entidades" criticou Izidro Paes Leme Arthou, diretor-geral do Comitê de Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara.

O consultor ambiental Marcio Santa Rosa também fez críticas ao modelo apresentado: "Há uma série de ONGs que trabalham com a baía há 20 anos e precisam ser ouvidas nesse centro integrado. No modelo adotado na Baía de Chesapeake, a sociedade civil atua diretamente nas tomadas de decisão. Isso precisará ser revisto".

Obras quase paradas

O que também provavelmente será revisto, mais uma vez, é o cronograma das obras do Programa de Saneamento dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (PSAM). A intervenção mais importante do PSAM, a construção de uma Estação de Tratamento e sete elevatórias de esgotos em Alcântara, em São Gonçalo, segue a passos de tartaruga. Orçada em R$ 354,9 milhões, a obra está com 48% de avanço físico, e em janeiro, o #Colabora divulgou índice de 29%. A previsão inicial de inauguração era 2016.

Outra intervenção importante do PSAM é um tronco coletor de esgotos da região da Cidade Nova, no Centro da capital, beneficiando 163 mil pessoas e prevendo a redução de 700 litros de esgoto por segundo lançado na Baía de Guanabara. O trabalho, de R$ 81,4 milhões, consiste na construção de novas redes para levar os esgotos à Estação de Tratamento de Alegria, no Caju. O site do PSAM informa que a obra andou 41%. Há três anos, o então secretário do Ambiente do Rio, Índio da Costa, previa o início de operação do tronco Cidade Nova para outubro de 2015.

Com recursos de US$ 639 milhões, sendo US$ 451,9 milhões de financiamento pelo BID e US$ 187,5 milhões de contrapartida financeira do governo fluminense, o programa corre o risco de ser descontinuado, caso o governo federal, fiador do empréstimo, não entre em acordo com o Estado do Rio sobre a renegociação das dívidas. O consultor do PSAM, Guido Gelli, teme a paralisação das obras: "Se isso acontecer será uma tragédia, pois todos os investimentos já feitos serão perdidos. Inclusive a área da ETE Alcântara será abandonada e, certamente, irá se transformar numa favela".