Água para todos por 0,3% do PIB

Investimento para atingir a universalização na América Latina é mais barato do que o gasto atual dos países

 06/04/2018     Planeta Colabora   
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Bastaria que os países da América Latina investissem 0,3% do Produto Interno Bruto pelos próximos 17 anos para a região conquistar a universalização do acesso à água potável e à coleta de esgoto. Considerado um dos países mais ricos do mundo em recursos hídricos, com 12% de toda a água doce do planeta, o Brasil vive um paradoxo: 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável, dos 850 milhões de pessoas no mundo. Se juntarmos nessa estatística os sem saneamento básico, a cifra pula para 2,3 bilhões de indivíduos. No caso brasileiro, chega a metade da população. O levantamento faz parte de um estudo inédito do Banco de Desenvolvimento da América Latina, instituição multilateral com sede em Caracas, na Venezuela, conhecida como CAF. Tendo desembarcado em Brasília, no último domingo 18, para participar do 8º Fórum Mundial da Água, o vice-presidente da instituição, José Carrera, calcula que o custo para gerir de forma ineficiente a água na região varia, atualmente, entre 1% a 2,5% do PIB.

?Investir em água é um bom negócio? José Carrera - vice-presidente do CAF

?Investir em água é um bom negócio?, comentou Carrera, explicando que, de posse dos números levantados pelo CAF, ficará mais fácil mostrar as vantagens econômicas aos ministros da Fazenda dos países da região, a quem cabe, no final das contas, a definição dos gastos anuais. O Fórum vai servir para disseminar essa ideia e mostrar, por exemplo, que uma boa gestão dos recursos hídricos reduz impactos nas áreas social, econômica e ambiental. Até para gerar emprego a água faz falta. O informe das Nações Unidas sobre Água e Emprego sinaliza que a cada cinco vagas de emprego geradas, quatro delas dependem diretamente da disponibilidade de recursos hídricos. O cálculo inclui todos os setores da economia: o primário, que envolve agricultura, pecuária, pesca e mineração; o secundário, que inclui as empresas; e os serviços, como o turismo. É que, segundo a ONU, três quartos dos empregos no mundo dependem de água, ou seja, a falta dela limita o crescimento econômico dos países.

Foto 2 - Mesmo nos melhores anos para o saneamento, 2007 a 2014, em que houve apoio do governo federal, pouco avançamos na área de saneamento. Foto de Custódio Coimbra

Como falta ainda colocar um ponto final no estudo do CAF, Carrera não detalhou o percentual de desperdício na gestão hídrica por país. Optou por falar em números gastos em média na região. Deixou claro, no entanto, que a má gestão é apenas um dos problemas. A cultura do reúso na região não está disseminada na população. Uma das explicações seria a abundância. Um terço da água doce do mundo se encontra na América Latina. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo ideal per capita é de 200 litros por dia. Em países como a Argentina e o Panamá, por exemplo, o consumo per capita é de 600 litros/ dia. No Brasil, varia de 200 litros/ dia a 350 litros/ dia. A manutenção deste padrão de consumo somado as projeções feitas para o aumento da população no mundo, diz Carrera, apontam para um cenário de crise hídrica de grandes proporções. A previsão é que, em 2025, dois terços da população mundial estarão vivendo em países com estresse hídrico. O Brasil ainda tem um problema adicional: o elevado índice de desperdício. As perdas físicas entre a população urbana chegam a 36%.

Efeitos climáticos

A mudança do clima também está impactando a oferta hídrica na região, seja através de secas prolongadas ou inundações de grandes proporções provocadas por chuvas cada vez mais torrenciais. Um estudo da ONU, citado por Carrera, aponta que 242 mil pessoas morreram em decorrência de inundações na América Latina, entre os anos de 2006 e 2015, dos quais 98 milhões foram afetadas de alguma maneira pelos incidentes. Só no Brasil foram 39 mil eventos que afetaram 127 milhões de pessoas e 47,5% dos municípios brasileiros decretaram Situação de Emergência ou Estado de Calamidade devido às cheias entre 2003 e 2016. O percentual sobe para 50% se forem incluídos fenômenos como a seca e a estiagem.