Trabalho em troca de casa e comida
Jovens oferecem força de trabalho para conhecer o mundo e até entrar em contato com projetos com impacto social ou ambiental
19/07/2019
Planeta Colabora
Edição 251
Compartilhe:
Foto 1 - Mikel - de barba e
tatuagens, ao lado da placa do Corcovado - com grupo de turistas durante sua
estadia no Rio: "se soubesse, teria começado antes" (Foto: Arquivo pessoal)
Samana, República Dominicana.
Um anúncio no site Worldpackers busca um "guest relations/bartender" que possa
ajudar no check-in dos hóspedes e preparar
deliciosos coquetéis durante uma jornada de cinco horas de trabalho por dia,
com duas folgas, em uma ecovila. É preciso ter entre 18 e 34 anos e inglês
fluente. Em troca, o estabelecimento oferece hospedagem, café da manhã, jantar,
passeios e aulas de yoga de graça, além de descontos em restaurantes e drinks
da casa. Este é apenas uma das inúmeras oportunidades de turismo de "work
exchange" - no bom português, trocar trabalho por estadia.
O espanhol Mikel Ordónez, de
33 anos, quando está em seu país, atua como
operário de produção em indústria de automação, mas já foi guia turístico e
bartender: "Tinha muita vontade de viajar, conhecer lugares e ter experiências
novas, mas bem pouca grana. Fiz isso direto por cerca de sete anos; agora
continuo fazendo essas trocas, só que combinando com períodos como
assalariado", conta. Ele busca hostels e entra em contato por e-mail. Desta
forma, morou no Rio por dois anos e meio, durante três períodos diferentes: "Me
apaixonei pela cidade, curti muita balada, vários carnavais, conheci muitas
pessoas e cheguei a fazer tour mostrando a Rocinha e trilhas como Dois Irmãos e
Pedra da Gávea para os gringos. Realmente, foi a vez que mais gostei do meu
'trabalho' na vida", lembra.
"Não
pode ter medo e é preciso abrir a mente para viver assim e se conformar com a
pouca grana. Você troca esforço por aventuras e experiências. Eu realmente
recomendo a todo mundo, se soubesse, tinha começado mais novo" - Mikel Órdonez, operário e viajante
A princípio, pode parecer uma
prática interessante a quem quer viajar gastando menos, mas existem outras
questões que a torna atraente, como a possibilidade de imersão cultural e
trabalhar em projetos com impacto social ou ambiental. Através da plataforma
Worldpackers, o viajante pode escolher entre as três possibilidades em todos os
continentes. O site, que tem mais de 5 mil anfitriões e 1,5 milhão de viajantes
cadastrados, conecta anfitriões e viajantes divulgando vagas. Mas, para se candidatar, é preciso ter uma
conta verificada, que custa 49 dólares anuais. O valor financia uma estrutura
que conta com equipe de operações para monitorar as oportunidades: "Diferente
de outras plataformas, o anfitrião não pode subir a vaga. Tem um processo de verificação
para garantir que ele entenda o significado da proposta. Não é substituir
mão-de-obra e nem precarizar. Falamos de colaboração, e o período máximo que
permitimos é de três meses, para não criar relação de trabalho. A melhor forma
de garantir que não exista exploração é ter limitação, como jornada máxima de 30 horas,", explica o diretor de marketing da
Worldpackers, Rodolfo Montu, que viajou assim por um ano e meio: "Economizar é
a cereja do bolo. O fundamental é a questão da troca e da colaboração, deixar
de lado os medos, sair da zona de conforto. Uma viagem de turismo de uma
semana, 15 dias, é diferente do turismo colaborativo e de propósito", defende.
Foto 2 - Débora (de cachecol)
com colegas de viagem em uma agrovila no Equador: experiência de vida (Foto:
Arquivo Pessoal)
Durante as férias, a
professora Debora de Souza Silva, de 34 anos, queria viajar sozinha, mas com
alguma segurança e, pesquisando sobre o assunto, chegou à plataforma: "Fiz duas
vezes e a mais marcante foi no Equador, durante 15 dias, onde fiquei numa
fazenda agroecológica. O melhor foi fazer uma viagem minimamente turística.
Comi na casa das pessoas que me receberam e vivi a rotina deles. O ruim é não
ter todo o tempo disponível para fazer o que quiser. No meu caso, eram quatro horas
diárias de trabalho, mas, como é uma área que me interessa, foi produtivo. A
dica é escolher um trabalho que possa acrescentar. Eu jamais trabalharia em
hostel, por exemplo".
Existem outras dificuldades
que envolvem essa modalidade de viagem, como a confiança, ainda mais em um país
como o Brasil, marcado pela violência. Doutora em Comunicação pela PUC-SP, a
professora Alessandra Barros Marassi estudou o assunto em sua tese, onde
destaca o caráter colaborativo em sociedades capitalistas e as avaliações nas
redes: "O usuário faz um voto de confiança, não sai confiando cegamente. Toma
medidas de segurança, vê os reviews, o que estão falando, a nota e toma uma
decisão", diz ela, que entende que há uma
relação de troca; "O outro tem que confiar que
você vai cumprir sua parte também". E aí que podem acontecer problemas,
principalmente se houver ruído na comunicação, como ela constatou em
entrevistas: "Às vezes não tinha um lugar decente para a pessoa se hospedar, o
que tinha combinado ficou diferente, o anfitrião falava pra trabalhar mais
tempo que o combinado e aí o viajante não conseguiu conhecer o local como
imaginava".
Mikel lembra também que há
pouco conforto e, vivendo por longos períodos assim, sentiu falta de
estabilidade: "Não pode ter medo e é preciso abrir a mente para viver assim e
se conformar com a pouca grana. Você troca esforço por aventuras e
experiências. Eu realmente recomendo a todo mundo, se soubesse, tinha começado
mais novo".