O que a pandemia tem a ver com a mudança do clima?
Como outras crises contemporâneas, a disseminação da COVID-19 exige resposta local e global, guiada pela ciência, e pensamento a longo prazo
17/04/2020
Planeta Colabora
Edição 290
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O coronavírus está deixando uma lição
importante. Com mudanças profundas, como a ameaça ao clima, precisamos aprender
a como subordinar as necessidades do mercado às nossas necessidades para
sobrevivermos e até mesmo prosperarmos em um planeta interconectado.
É tentador dizer que humanos são uma peste no
mundo e que de onde eles se afastam, a natureza floresce. É fácil dizer que quando
as pessoas são obrigadas a ficar em casa, a natureza se recupera com nossa
ausência. Esta é a lição errada que a pandemia pode nos ensinar sobre o clima.
Humanos são parte da natureza - não separados
dela - e a atividade humana que fere o ambiente também nos atinge. Na China,
apenas a redução da poluição atmosférica em uma economia enfraquecida
provavelmente salvará a vida de 4 mil crianças com menos de cinco anos e de 73
mil idosos com mais de 70 anos. Talvez a grande questão não seja se o vírus é
bom ou ruim para o clima; ou se as pessoas ricas viajarão menos de avião; mas,
sim, se podemos criar uma economia funcional que apoie as pessoas sem ameaçar a
vida na Terra, inclusive a nossa.
Mas há razão na preocupação de que, apesar do
ar mais limpo por algumas semanas ou meses, o coronavírus seja um desastre para
o clima. De acordo com a empresa Trafigura, especializada no mercado de
petróleo, a pandemia pode levar a demanda do produto à sua maior contração na
história, talvez em mais de 10 bilhões de barris por dia. Isso pode ser boa
notícia para as emissões de carbono no momento, mas sinaliza um desastre humano
de proporções épicas, sem qualquer garantia de que as emissões de gases de efeito
estufa permaneçam baixas.
Sim, poderemos ver as emissões caírem
enquanto as economias ficarem estagnadas e as pessoas estiverem lutando com as
duras realidades da recessão global. Mas também houve uma redução no consumo de
petróleo durante a crise financeira de 2008 e os choques do petróleo nos anos
1970. A crise atual é com certeza diferente, mas depois de passada a fase
aguda, a produção industrial e as emissões de carbono poderão voltar a níveis
perigosos.
Uma recessão global como resultado do isolamento
provocado pelo coronavírus pode também desacelerar ou brecar a mudança para a
energia limpa. Se os mercados de capital forem enxugados, será difícil para as
empresas assegurarem investimentos para financiar os projetos de energia solar
e eólica.
E a agressividade da pandemia, como também a
da crise climática, vai se fazer sentir de forma mais intensa em nossas
populações mais vulneráveis - os pobres, os sem-teto, os mais velhos, os
encarcerados e aqueles com empregos
precários -, enquanto as corporações internacionais dirigidas pela lógica dos
lucros e crescimento interminável procuram novos mercados e mão de obra barata.
Vivemos em uma era na qual crises cruzadas
estão chegando a uma escala global, com níveis nunca vistos de desigualdades,
degradação ambiental e desestabilização do clima, assim como aumentos no
populismo e na incerteza econômica e ameaças cada vez maiores à saúde pública.
Tudo isso está questionando nosso modelo
econômico de crise que lentamente desequilibra a balança, nos fazendo repensar
o modelo econômico de décadas passadas e requerendo também que repensemos
nossos próximos passos.
Existe, em certo grau, paralelos entre a
pandemia atual e outras crises contemporâneas que o mundo está vivendo, como a
emergência climática. Todas exigem uma resposta local e global e pensamento de
longo prazo; e todas precisam ser guiadas pela ciência e proteger os mais
vulneráveis dentre nós. Ainda, todas demandam vontade política para fazermos mudanças
fundamentais quando nos depararmos com riscos existenciais.
Foto 1 - Geralmente coberto por uma nuvem de
poluição, o céu azul é uma novidade em Beijing: número de vidas salvas na China
pela redução da poluição atmosférica pode passar de 70 mil. (Foto: Nicolas
Asfouri/AFP)
Foto 2 - Um padeiro palestino termina um
bolo, que retrata uma mulher usando uma máscara contra a COVID-19. (Foto:
Mohammed Abed/AFP)