O Registro Alfandegário de Paraibuna

Lembremos, a propósito, que Cristóvão e D. Ana Esméria vinham a ser bisavós de Eufrásia Teixeira Leite, a conhecida dama da vida vassourense no século XIX.

 06/11/2020     Historiador Sebastião Deister      Edição 316
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O tombamento estadual do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico do Casarão do Registro do Paraibuna, situado no munícipio de Simão Pereira, em Minas Gerais, divisa com Levy Gasparian, no estado do Rio de Janeiro, foi aprovado pelo Conselho Estadual do Patrimônio Cultural - CONEP em 12 de março de 2012. Foi determinada sua inscrição no Livro de Tombo Nº I do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; no Livro de Tombo Nº II do Tombo de Belas Artes e no Livro de Tombo Nº III, do Tombo Histórico, das obras de Artes Históricas e dos Documentos Paleográficos ou Bibliográficos arquivados no IEPHA (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico) de Minas Gerais.

Os Registros (considerados como primeiros pedágios no Brasil) faziam parte dos mecanismos de controle das atividades comerciais coloniais, constituindo-se como postos fiscais nos quais se cobravam impostos devidos à Coroa. Todos aqueles que percorriam as Estradas Reais deviam passar obrigatoriamente por eles, portar passaporte e pagar tributos, tais como o quinto real e outros relativos ao tráfego de pessoas, mercadorias e animais. O Casarão do Registro do Paraibuna, que margeia a antiga via de ligação entre o litoral do Rio de Janeiro e as Minas Gerais (o chamado Caminho Novo aberto por Garcia Rodrigues Paes), oferecia uma visão estratégica de todo o espaço que o circundava. No decorrer do século XIX foram instalados outros espaços e melhorias nas proximidades do grande prédio, tais como a ponte de madeira com base de pedra (ponte Presidente Antônio Carlos); a estação de mudas da estrada União - Indústria, do outro lado do rio Paraibuna, e o trecho da Estrada de Ferro Dom Pedro II, com a construção da estação de Paraibuna. Mais tarde passaram a fazer parte do entorno o pontilhão metálico que serve à linha férrea, as edificações protegidas ao longo do trecho rodoviário e os demais equipamentos urbanos e ferroviários locais. O velho Registro ainda chama a atenção pela sua excepcionalidade arquitetônica e pelas suas notáveis dimensões, um dos poucos símbolos remanescentes com tais características de que se tem notícia no Estado de Minas Gerais e até mesmo em outras regiões brasileiras, já que a maioria foi demolida ou desabou em consequência da falta de manutenção governamental.

O povoado de Paraibuna, no alvorecer do século XVIII, transformou-se numa das roças mais frequentadas dentro do roteiro que ligava Vila Rica ao Rio de Janeiro via Caminho Novo de Minas. O Registro Geral de Paraibuna foi instalado no ano de 1711 por iniciativa de Garcia Rodrigues Paes, tendo sido criado no local um quartel para o abrigo da Polícia Montada, com sua corporação proporcionando segurança total ao trânsito pelo Caminho Novo, razão pela qual se tornou necessário edificar casas para seus componentes e para os demais funcionários do próprio Registro, logística que propiciou a rápida evolução do povoado, tornando-o uma vila próspera e bastante conhecida. Somente a partir de 1720 o governador das capitanias do Rio de Janeiro (Ayres de Saldanha de Albuquerque) e de Minas Gerais (D. Pedro de Almeida) acordaram em manter o Registro em terras mineiras (atualmente inserido no território municipal de Simão Pereira), mas sob a direção e segurança do governo fluminense. Em finais de 1726 foi arrematado o contrato dos "Direitos das Passagens da Parahyba e Parahybuna" por Joaquim Ferreira Varella. Três anos depois, o mesmo contrato foi arrematado por Pedro Pinto da Costa. Além dos trabalhos do Registro, verificava-se pelas circunvizinhas um intenso e rentável serviço de aproveitamento de terras. Paralelamente às lavouras de milho, feijão, cana-de-açúcar, batata, mandioca e verduras, cuidava-se bastante do cultivo da mamona, cujas plantações forravam vastas planuras próximas ao rio Paraibuna. A mamona constituía um produto fundamental para todo o Vale do Paraíba, uma vez que dela se extraía o azeite (óleo) que servia como combustível nos candeeiros que iluminavam as casas e algumas vielas que brotavam pelo povoado. Tal fruto também representava importante moeda de troca com o Rio de Janeiro e, em especial, com Vila Rica, o que garantia mais uma boa fonte de renda para os agricultores dos roçados cultivados às margens do Caminho Novo ou junto aos remansos dos rios da região. Por conseguinte, Paraibuna passou a remeter seus excessos de estoques agrícolas às cidades mineiras. Assim, pesados fardos de milho, mandioca, batata e frutos de mamoneiras, ao lado de espessas braçadas de cana-de-açúcar, eram despachados com frequência para as Gerais que praticamente nada produziam na área agrícola em razão de sua especialização no extrativismo mineral. Em contrapartida, as florescentes cidades das alterosas enviavam, para o Sertão da Paraíba, parte de seu ouro e de suas pedras preciosas, eventualmente remetendo-lhe outros artefatos e materiais básicos, como ferramentas para lavoura, calçados, tecidos e roupas em geral, espingardas e munição, medicamentos, cobertores, selas, bridões, sal, açúcar, farinha e outros bens de consumo tão necessários aos pioneiros homens da época. Os lucros auferidos com a exportação de óleo de mamona trouxeram para Paraibuna plenas condições de um rápido crescimento, e sua facilidade de comunicação com o Rio de Janeiro e com as povoações mineiras ensejou a chegada de mais viajantes, fazendeiros, mascates, posseiros, negociantes de escravos, caçadores de índios e de peles, padres missionários, carpinteiros, pedreiros, historiadores, sertanistas, famílias de comerciantes, agentes imobiliários, militares e funcionários públicos cujos múltiplos tentáculos abarcaram de pronto todo o Vale do Paraíba e, numa sequência colonizadora bastante natural, as incultas áreas voltadas para as colinas do Tinguá e para os territórios que alicerçariam o nascimento posterior de inúmeros municípios do Sul Fluminense. Já por volta do ano de 1780, o português Cristóvão Rodrigues de Andrade, natural da cidade de Vizeu, em Portugal, estabeleceu-se no Vale do Paraíba, de cuja vila veio a ser Capitão de Ordenanças e na qual se dedicou com afinco a várias atividades comerciais, possuidor que era de vultosos capitais. Na capela de Monte Serrat, contraiu então matrimônio com D. Ana Esméria de Pontes França, ali nascendo todos os seus filhos, inclusive Eufrásia Joaquina do Sacramento Correia, futura esposa de Laureano Corrêa e Castro, o mesmo que, em 1854, receberia o título de barão de Campo Belo em Vassouras. Lembremos, a propósito, que Cristóvão e D. Ana Esméria vinham a ser bisavós de Eufrásia Teixeira Leite, a conhecida dama da vida vassourense no século XIX.