Vida e morte do nosso patrono maior Miguel da Silva Pereira - 150 Anos de Nascimento - Parte 3

Miguel da Silva Pereira - 150 Anos de Nascimento - (02.07.1871 - 02.07.2021)

 25/06/2021     Historiador Sebastião Deister      Edição 351
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Depois da consagração obtida junto ao Governo por seus serviços em favor das classes mais pobres, professor Miguel da Silva Pereira, ao voltar um dia para casa após trabalho na Academia de Medicina, simplesmente abraçou sua querida Maria Clara e confidenciou-lhe com serenidade:

" - Foi o meu canto de cisne"


Com efeito, não se tratava de uma premonição, mas sim de uma declaração médica: a partir de então, Miguel Pereira entrou num processo patológico irreversível que em pouco tempo o levaria à morte.

Tinha apenas 44 anos de idade quando a insidiosa doença o atacou. O destino irônico e implacável, que lhe dera mente privilegiada para aprender e senso perfeito para curar, fazia dele uma de suas vítimas mais ilustres. Estava no apogeu de sua intelectualidade, seus discursos eram concorridos e elogiados e até se cogitava seu nome para a Academia Brasileira de Letras. Mesmo ciente de seu mal, não se deixava abater e propunha-se a trabalhar até o fim.

 

Professor Miguel Pereira descobre a Vila da Estiva

Uma providencial coincidência, entretanto, fez Miguel Pereira descobrir a Vila da Estiva. Tratando de uma moléstia que de súbito acometera o Almirante Alexandrino de Alencar - o grande restaurador da Marinha de Guerra do Brasil - Miguel Pereira aconselhou-o a procurar uma estância de altitude, onde certamente uma atmosfera mais tépida contribuiria para o seu bem-estar. O Almirante veio então para a fazenda de Jorge João Dodsworth, o barão de Javary, que já alardeava no Rio de Janeiro as notáveis virtudes do clima da Serra do Couto, ramo interiorano da Serra do Tinguá.

 

Impressionado pela cura

Após uma boa temporada de repouso às margens do Lago de Javary, o militar retornou ao Rio de Janeiro e apresentou-se a Miguel Pereira para uma nova avaliação médica. Visivelmente impressionado pela cura de seu paciente, o médico sentiu crescer em sua alma o ímpeto que sempre o levava a procurar a roça nos momentos mais difíceis de sua existência. Ali, sonhava ele, estava a provável solução de seus dois problemas mais imediatos: o retorno às suas origens e o consolo para os seus males.

É bem possível que outras coincidências não tenham passado despercebidas àquele homem tão perspicaz: a Vila da Estiva chamara-se anteriormente Barreiros, praticamente o mesmo topônimo de sua cidade natal (São José do Barreiro) e na Faculdade de Medicina havia um colega seu - Dr. Henrique de Toledo Dodsworth, filho do barão de Javary -, em cuja fazenda o Almirante Alexandrino de Alencar encontrara o lenitivo para o seu mal.

Curioso, otimista, esperançoso e certamente encorajado pelo colega acadêmico, Miguel Pereira viajou então pela primeira vez até o logradouro de Belém (hoje Japeri), ali embarcando num comboio puxado por uma prosaica Maria Fumaça, logo subindo as colinas em busca da Estiva.

Começava então um novo caso de amor em sua vida. Comovido pelo clima sonolento das montanhas altivas e maternais, tocado pelas delícias da serra verdejante e aninhado naquela tranquilidade provinciana e simplória que tanto lembrava sua fazenda de infância, o médico famoso sentiu-se de novo uma criança, e sem hesitação - desprezando até mesmo preparativos cuidadosos de mudança ou planejamentos cansativos de como se instalar no interior - fixou-se em definitivo naquela área intocada, nela adquirindo a propriedade rural que acabou por se confundir posteriormente com o seu próprio nome: a Vila Maria Clara, de onde passou a proclamar para o país os atributos ímpares de seu clima "(...) como sendo provavelmente o terceiro melhor do Mundo!"

Corria o ano de 1915 e ninguém podia supor que ele desfrutaria por pouco tempo das delícias oferecidas pela terra que elegera como sua última morada. Contudo, sabia ele aproveitar amplamente cada minuto de sua vida em seu sítio amado, como descreve sua filha, a escritora

 

A filha Lúcia Miguel Pereira:

"Todo fim de semana, meu pai ia para a Estiva. Como ele queria bem àquele sítio. Fazia-se madrugador, trabalhava tanto durante o dia, que à noite estava morto de cansado e só pensava em dormir. Era ele mesmo quem ia tirar berne de boi, quem raspava os cavalos. Mamãe costumava dizer que papai, na Estiva, brincava de fazendeiro. Mandou vir um trole de Piracicaba de quatro cavalos. Matava porco, montava a cavalo. Na Estiva vivia sempre contente. O clima da Estiva era o melhor do Mundo. Aconselhava a todos seus clientes a irem para lá."

Foto: Dr. Miguel Pereira em seu sítio Maria Clara, em 1916.

Na próxima edição: Parte 4 - Final