As origens de arcádia - Primeiros tempos

Episódios Especiais do Passado de Miguel Pereira

 23/12/2022     Historiador Sebastião Deister      Edição 429
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Não se tem conhecimento da data exata da construção do centenário e belo armazém erguido ao lado da estação de Arcádia, mas há indicações seguras de que ele tenha sido erguido em meados de 1870, época em que pertenceu ao nobre alemão Wilhelm Ludwig Raban von Mentzingen (Guilherme Luís Raban von Mentzingen), conhecido naquela área simplesmente como Barão Guilherme de Mentzingen. O nobre alemão veio viver no Brasil ainda bem jovem, esperançoso em função da produtividade das plantações de café, estabelecendo-se então em terras da futura localidade de Arcádia, na região mais interiorana da Serra do Tinguá, tornando-se um respeitado fazendeiro e agrimensor por excelência, tanto que, em 1875, chegou a recepcionar, em sua propriedade, batizada como Monte Ararat, o Conde D'Eu (Luís Filipe Maria Fernando Gastão de Orléans), marido da Princesa Isabel, quando este fazia uma visita de cortesia à Fazenda Monte Líbano, pertencente ao Barão de Paty do Alferes.

Wilhelm também administrou a Fazenda das Palmeiras, que herdou do sogro, propriedade situada nas redondezas do atual Lago das Lontras. Nessa época, toda a região que ia do alto da Serra do Tinguá (que hoje abrange a REBIO - Reserva Biológica do Tinguá) até Arcádia compreendia o território da Freguesia de Sant'Anna das Palmeiras, dotada de vila, delegacia, escola e igreja matriz, desaparecida por volta de 1889 em razão de surtos de cólera e malária.

Sem a existência de grande parte das atuais estradas que interligam tantas glebas inseridas no atual município de Miguel Pereira, a comunicação de Bom Fim (primitivo nome de Arcádia retirado de uma fazenda homônima) com outros povoados e demais freguesias da serra do Couto era feita principalmente pela extensa Estrada do Comércio que, principiando na Vila de Iguassú, cortava a Serra do Tinguá, cruzava a Serra da Viúva, um trecho do Rio Santana e o território de Vassouras até alcançar Ubá nas proximidades do Rio Paraíba do Sul. Em 1898, enfim, o trem chegou à região, abrindo, assim, novas perspectivas de desenvolvimento e progresso para toda a área serrana.

Na década de 1890, o armazém passou às mãos do capitão José Carlos Risso, dono da Fazenda da Prosperidade. Por curto período, Risso teve como sócio Antônio de Souza Guimarães nos trabalhos da empresa intitulada José Risso & Companhia. Nesse período, o armazém e a estação de Bom Fim localizavam-se em um espaço geográfico que servia como centro de cinco fazendas: Monte Ararat, Livramento, Conceição, Capote e Prosperidade. No início do século XX, surgiram alguns anúncios da propriedade de José Carlos Risso como Fazenda do Bom Fim englobando 45 alqueires geométricos. Entrementes, é difícil garantir se tal denominação se remetia à propriedade original ou se o termo significava a anexação de terras ligadas a outras fazendas que tinham sofrido loteamentos.

José Carlos Risso chegou a ser vereador por Vassouras e administrador do cemitério de Arcádia, onde, a propósito, repousam os restos mortais do Barão de Mentzingen. Na fazenda de Risso, desenvolveu-se ampla criação de bovinos, caprinos e suínos, além de vastos canaviais destinados à fabricação de aguardente. Por outro lado, ele fornecia dormentes para a Estrada de Ferro Central do Brasil, toras extraídas da mata virgem através da derrubada indiscriminada de árvores de grande porte. A madeira servia, ainda, para produzir grandes quantidades de carvão e lenha remetidos para empresas situadas no Rio de Janeiro, empreendimento que aumentou consideravelmente os lucros da propriedade daquele pioneiro. A atividade do complexo fazendário, que já era tão diversificada, aumentou ainda mais quando se descobriu uma jazida de cal em suas terras. Tudo indica que a caieira se localizava nas redondezas de uma imensa área que se transformou na hoje desaparecida Fazenda do Moinho do Pó, também propriedade de Risso.

Um registro de 1909 confirma que o capitão José Carlos Risso possuía também uma padaria e o grande armazém através de uma nova firma chamada Risso & Vieira. Ora, essa sociedade foi constituída com José Alves Vieira, sogro de Maria Luiza Corrêa Risso, casada com José Alves Vieira Júnior. A comercialização de todos os produtos da fazenda de Risso centrava-se, logicamente, no antigo armazém. O italiano foi casado com Ana Corrêa, com quem teve sete filhos: Ernestina, Hilda, Carlos, Maria Luiza, Laura, Sebastião e Margarida. Ao ficar viúvo, casou em segundas núpcias com Anna (Anita) Rocha Werneck, com quem teve mais seis filhos: Fernando, Emília, José, Heloísa, Lourdes e Nilza.

Anna logo ficou viúva e, embora muito jovem, continuou administrando os negócios do marido, posteriormente assumidos pelo filho Fernando Werneck Risso nas décadas seguintes. A Fazenda Bom Fim também chegou a ser dirigida por Orestes Sacchi, marido de Heloísa Werneck Sacchi, filha do capitão Risso com Anna Werneck. Nas décadas seguintes, o armazém e a fazenda passaram para outros donos.

Registre-se, ainda, que em 1938 os sócios Pullig e Rizzo (não confundir com Risso), oriundos de duas tradicionais famílias de Avelar, montaram um posto de desnatamento em um anexo do armazém valendo-se da produção leiteira provinda de pecuaristas da região periférica de Bom Fim, em especial das fazendas do Livramento e Capote localizadas na estrada de ligação com o Lago das Lontras. O empreendimento durou cerca de sete anos, uma vez que após a grande enchente de 1945 toda a estrutura do prédio mostrou-se bastante comprometida, e os prejuízos causados pela perda de equipamentos levaram os sócios a encerrar suas atividades. Após anos abandonado à própria sorte, o belíssimo prédio foi comprado, há pouco tempo, por um grupo de amigos associados a Rogério Cavalcanti Van Rybroek (proprietário da Fazenda São João da Barra e das terras da velha Fazenda Ararat). Atualmente, está em processo de restauração.

Por sua vez, a pioneira fazenda Monte Ararat também se dedicou à produção de café e a atividades pecuárias. Atualmente não existe mais e foi desmembrada. Foi comprada na segunda metade do século XIX pelo alemão barão Guilherme de Mentzingen nascido em 1827 em Menzingen, Alemanha, e falecido em 1902 na própria fazenda, administrada por ele e pela esposa, a baronesa D. Antônia Maria de Mentzingen, ao lado dos 9 filhos (Guilherme Jr., Alfredo, Adolpho, Franklin, Isaltina, Ernestina, Guilhermina, Cecilia e Almerinda).

A propriedade não existe mais. Passou pelas mãos da família de Sebastião Teixeira Portela no século XX, fazendo parte hoje do complexo fazendário de Rogério Van Rybroek.

 

Imagem: Barão Wilhelm Ludwig Raban von Mentzingen, um dos primeiros colonizadores de Arcádia. (Arquivo: Maria G. M. Jagger)

 

Na próxima edição: As Origens de Arcádia - Parte 2