Estradas Pioneiras e a Fazenda São João da Barra - Parte 2

Em memória de Rogério Cavalcanti van Rybroek

 17/02/2023     Historiador Sebastião Deister      Edição 437
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As antigas fazendas foram estabelecimentos tipicamente agropecuários e campesinos de larga disseminação por todo o território brasileiro, com raízes embrionárias nas centúrias XVII e XVIII e, principalmente, no decurso do século XIX, quando o termo estendeu-se às fecundas plantações de café e às propriedades até então mais conhecidas como estâncias e engenhos. A palavra, nesse sentido, passou a ser usada no Brasil para substituir os primitivos atos de doação de sesmarias que titulavam as terras interioranas e rendosas como simplesmente curral de gado ou terras de criar. É fora de dúvida que as fazendas, independentemente de sua função-mãe, transformaram-se, por um considerável período de vida brasileira, em poderoso alicerce econômico e social, especialmente na territorialidade que compõe o Vale do Paraíba, tanto em seu espaço fluminense quanto em suas glebas paulistas. Por conseguinte, cultivando as terras que margeavam os pioneiros caminhos de colonização, vastas e produtivas casas fazendárias foram sendo implantadas na nascente província fluminense, trazendo à luz um patrimônio arquitetural, histórico e cultural incomparável e praticamente quase sem paralelo no país. Nesse teatro único de exploração dos sertões acostados à vertente interna da Serra do Tinguá, encontra-se, ainda incólume, a Fazenda São João da Barra. 

 

Fazenda São João da Barra

 

Inserida em terras do município de Vassouras, mas com franjas tocando os territórios de Engenheiro Paulo de Frontin e Miguel Pereira, a propriedade dista apenas 11 km desta última cidade pela via asfaltada que constitui a RJ-121. Da sua conexão junto à rodovia até a sede, existem mais 2 km de terra batida, mas de piso regular e seguro, que se prolonga por mais 6 quilômetros pela antiga Estrada de Comércio (também conhecida como Estada do Bomfim) até sua conexão com a RJ-125 bem próxima da ponte que cruza o rio Santana no logradouro de Arcádia. Sabe-se que a propriedade remonta ao ano de 1830, e após passar por algumas mãos foi adquirida pelo pecuarista e empresário Rogério van Rybroek em 1994, que nela introduziu algumas modificações estruturais e decorativas destinadas a sua preservação e à modernização de alguns espaços que exigiam intervenções mais imediatas, sem, contudo, provocar excesso de descaracterização de seus ambientes históricos.

 

Dependências

 

Seu conjunto arquitetural é composto pela casa-sede; uma capela externa de dimensões modestas e recentes, porém de extremo bom gosto; o espaço da antiga senzala (hoje escritório da fazenda); o gramado (que cobre o antigo terreiro de café); uma área e lazer; piscina e anexo com bar e churrasqueira. Podemos também registrar que a fazenda encontra-se aconchegada em um belo e verdejante vale, cujas colinas adjacentes ainda guardam os veios que sinalizam as imensas e ricas plantações de café do século XIX.

 

Casa-sede

 

A casa grande (ou casa-sede) é arquitetonicamente representada por um bem conservado casarão de um só pavimento, caracterizando, assim, é uma edificação térrea e alongada com 10 janelas e duas portas em sua frontaria, na qual chama a atenção sua horizontalidade. Nos espaçamentos decorativos da parede frontal, as duas portas ficam apartadas, entre si, pela sequência de quatro janelas, à exceção de seu complemento em vértice à direita do imóvel, espaço em que surgem apenas duas janelas separadas pela presença de uma grande luminária. Por outro lado, é expressiva e muito interessante a presença de dois alpendres bem singulares à frente de cada uma das portas, assumindo, mesmo de modo mais modesto, as feições de um pórtico ou pequena varanda sem cobertura, providência que possibilita dois acessos ao interior da casa. Por outro lado, o telhado apresenta quatro águas, mas seus beirais são destituídos de forração. Duas belas pinhas em azul e branco ornamentam a cumeeira.

 

Alojamento dos chamados escravos de porta-a-dentro

 

É nítido o fato de que a casa foi levantada sobre um porão baixo, característica observável em muitas outras fazendas do Vale. Por este motivo, parece válido lembrar que as antigas casas fazendárias de um único pavimento, de modo geral levantadas sobre um embasamento ou porão de pequena altura, determinavam o uso desse espaço inferior como depósito ou simples despensa da propriedade e, por vezes, como alojamento dos chamados escravos de porta-a-dentro, cujo calor, emanado de sua aglomeração em dias e noites mais frios, fornecia uma espécie de aquecimento natural para os cômodos superiores, fenômeno que, segundo seu falecido proprietário, ocorreu com certa assiduidade na São João da Barra, até porque ali as dependências do porão apresentavam uma altura reduzida e, por consequência, muito próxima do pavimento superior.

Hoje, das dependências fazendárias que ainda se conservam de pé, poucas são as que mantêm o uso original. A migração do café para outras regiões acarretou ou a falência das fazendas, ou sua transformação em estabelecimentos dedicados à pecuária, como é o típico caso da São João da Barra e de suas subsidiárias que apascentam rebanhos de bovinos para comercialização de bezerros. Com a mudança de utilização mudaram também as necessidades de instalações e, na maioria das vezes, dos primitivos conjuntos apenas a casa grande continua com sua função inalterada, nela se destacando a área social e a área de serviços.

Podemos ainda registrar que seu proprietário adquiriu outras terras periféricas à São João da Barra, inclusive a histórica (e desaparecida) Fazenda Monte Ararat, propriedade pioneira do já estudado Barão de Mentzingen (Wilhelm Ludwig Raban von Mentzingen), criando assim, na área, um importante e rico complexo fazendário.

 

Imagem: Um dos acessos na frontaria principal da fazenda

 

Na próxima edição: Estradas Pioneiras e a Fazenda São João da Barra - Parte 3